As aventuras do sr. Edson Arantes do Nascimento nas guerras  de África

As aventuras do sr. Edson Arantes do Nascimento nas guerras de África


Em 1969, o Santos excursionava pelo continente africano jogando em zonas de conflitos duros como a Guerra do Congo e a Guerra do Biafra. Mas toda a gente queria ver Pelé.


Brazzaville, dia 19 de janeiro de 1969. Margem norte do rio Congo, cidade fundada por um italiano em 1880: Pierre Savorgnan de Brazza. Local de uma das maiores lendas da história do futebol. Local e data, como está bem de ver. E as lendas são mesmo assim: misturam a verdade com a imaginação, nem sempre em doses equivalentes.

O Santos de Pelé era uma equipa de globetrotters. Viajava por todo o mundo e fazia-se pagar principescamente. Quando chegou a Kinshasa, já a República Democrática do Congo tinha declarado a independência em relação à Bélgica, Joseph Mobutu mandara assassinar Patrice Lumumba, o secretário-geral da ONU, Dag Hammarskjöld, morrera num estranho acidente de avião, e o ambiente no outro Congo, que ficava do lado de lá do rio, era de cortar à faca.

Guilherme Nascimento, o grande historiador da vida do Santos, conta no seu almanaque do clube: “Por questões contratuais, se o Santos jogasse em Brazzaville tinha de jogar em Kinshasa, e as cidades não tinham relações diplomáticas”, explica. “Cada região pertencia a um bloco político: República do Congo, alinhada ao bloco soviético, e a República Democrática do Congo, alinhada ao bloco norte-americano. Por isso, não havia como atravessar o rio e nem tinham voos entre as duas capitais. Qualquer embarcação que tentasse cruzar essas águas era recebida a bala”.

Pelé era Pelé e será sempre Pelé. E para que os congoleses de Brazzaville e de Kinshasa pudessem ver jogar Pelé, ficou decidido que a equipa do Santos atravessaria o rio Congo numa embarcação militar, com toda a segurança garantida de um lado e do outro da fronteira. Essa embarcação traria depois os brasileiros de volta.

Brazzaville viu Pelé no seu melhor. Vitória do Santos por 3-2 com três golos do divino crioulo. Mas foi caçado a patadas como uma ratazana, de forma vergonhosa. A certa altura, farto de servir de saco de pancada, sentou-se no relvado de pernas cruzadas. Os companheiros seguiram-lhe o exemplo. Os 96 mil espetadores que fizeram o estádio rebentar pelas costuras estavam siderados. Aqui entra a lenda. O árbitro recebeu um papel com uma pequena nota: “O Santos de Pelé está aqui para dar um espetáculo. Eu estou aqui para assistir ao espetáculo. Se você não aplicar as regras do jogo, vai sair do estádio sob prisão”. Assinava o Presidente Marien Ngouabi.

Biafra Dois dias mais tarde, o Santos estava de regresso a Kinshasa. A chuva resolveu cair com exageros diluvianos. O Estádio Tata Raphael só recebeu 10 mil pessoas. Toninho e Manoel Maria fizeram o resultado: 2-0. Dia 23 marcou a despedida do Santos, com novo jogo frente à seleção do Congo-Kinshasa. Desta vez, uma derrota: 2-3.

Era hora de partir.

E para outra zona de África marcada pela violência: a Nigéria. A Guerra do Biafra iniciara-se a 6 de julho de 1967 e iria durar até 1970. Uma desavença racial entre os hauçás e os ibos: os primeiros, muçulmanos ainda marcados por um sistema de tribos semifeudal; os segundos, considerados como a elite do país. A região do Biafra declarou a independência e o Santos tinha um jogo marcado para uma cidade vizinha da zona de conflito, Benim, 320 quilómetros por estrada a noroeste de Lagos. Com receio dos bombardeamentos, os holofotes foram apagados.

“Quando chegámos, alguém falou que o nosso time ia parar uma guerra. A reação foi uma só: ‘O quê? Vai parar uma guerra? Que guerra? Estava tudo normal!’”, contou Lima, que jogou no Santos mais de dez anos. A equipa de Pelé fez a sua obrigação e venceu o Benin City FC por 2-1. No dia seguinte partiu para a Argélia. A Guerra do Biafra matou mais de um milhão e 200 mil pessoas. A região voltou a ser anexada à Nigéria. Restam-nos ainda imagens duríssimas de uma violência extrema e de crianças morrendo de fome…