O coronavírus, os alentejanos, o humor e a burrice nas redes sociais

O coronavírus, os alentejanos, o humor e a burrice nas redes sociais


Neste momento, um pouco por toda a internet, decorre um concurso em busca de alívio humorístico para esta pandemia insidiosa que foi vindo como quem não quer a coisa e que, de repente, tomou conta de tudo.


Com o avançar da coisa, talvez o medo venha a ter tudo. Já tem capitais, cidades sitiadas, já tem uma vastíssima audiência, tudo fechado em casa a assistir arrepiado às suas comunicações, às conferências várias, listas de cuidados, recomendações, e tem especialistas desses de última hora, suspeitas como toda a gente, mas também frases corajosas. Em breve há-de ter também a sua pequena conta de milagres. Mas se o medo vai ter tudo, o riso também já  foi assumindo as suas posições, e, por estes dias, a internet está a reunir um arsenal antivírus de memes e outros elementos para um foguetório com muitas gargalhadas à mistura. Assim, também o humor congemina as suas contra-pragas, e houve até um jornal australiano que foi impresso com oito folhas em picotado para responder à ruptura dos stock de papel higiénico. Tudo isto para concluir que rir pode mesmo ser um dos melhores remédios.

Neste momento, um pouco por toda a internet, decorre um concurso em busca de alívio humorístico para esta catástrofe insidiosa que foi vindo como quem não quer a coisa e que, de repente, tomou conta de tudo. Há já um novo género de anedotas a circular, piadas que servem como reacções imunitárias para dar estofo ao humor numa altura em que nos preparamos para um isolamento doméstico que pode arrastar-se por semanas e até, possivelmente, por meses. São também, por outro lado, cartas de amor ao lar, a esse modo desafiador de se lidar com um estado de sítio em que nos mantemos todos ligados. No fundo, apesar da cagufa, o que não falta é galhofa à volta do coronavírus. E é provável que, muito em breve, comece a haver alguns sociólogos a debruçarem-se sobre o papel das redes sociais e das suas linhas de defesa para traver o contágio do medo.

Desde rumores com cargas de cavalaria em termos de ironia, jogos de palavras, brincadeiras com as inflamações e espirros que sucedem entre partilhas, comentários, likes… Uma das principais linhas de gozo são os memes com as ideias mais desconchavadas sobre os produtos que mitigam ou imunizam contra o vírus. Há habitantes em regiões onde a água é tida como tão insalubre que aproveitam o momento para se consolar, apostando que as suas defesas já estarão mais do que eriçadas, preparadas para dar uma sova de todo o tamanho no invasor. Por cá, já foi feita a sugestão de que quem consegue enfiar no bucho uma francesinha e trabalhá-la em poucas horas com os ácidos gástricos não há-de ficar tão derreado como aqueles que dão ao estômago trabalhos de herbívoro. As saladinhas devem ajudar ao nível das respostas do sistema imunitário, mas como lidar com a fadiga que o Covid-19 provoca?

E depois há os alentejanos. Ao fim de séculos a serem alvo de troça, entre nós parecem ser eles os últimos a rir, pois a sua tem sido das regiões do país que, por uma qualquer razão, o novo coronavírus tem tido dificuldade em penetrar. São muitos os testemunhos da matreirice alentejana, e talvez se possa aqui recolher uma que pode ser útil em tempos em que é necessário aproveitar bem os recursos, a começar pelo papel higiénico. “Por que é que os alentejanos limpam sempre o cu de trás para a frente? Ora, porque assim aproveitam e estrumam os tomates.”

Ao mesmo tempo que esta pandemia global causa alarme e gera pandemónio, muito do humor que se faz não se prende tanto com a acção desta nova peste mas antes com as reacções de pânico e os insólitos comportamentos a que dá origem. Ainda ninguém percebeu ao certo porque é que, entre todos os bens, o papel higiénico se tornou tão crucial à nossa sobrevivência. Talvez seja porque boa parte dos cônjuges pedem tréguas e se refugiam na casa-de-banho a ler um livro ou a ver vídeos ou jogar jogos no telemóvel. Daí que acabem por fazer o número como as ovelhas, aproveitando o nervosismo da situação para fazer em várias vezes o que antes só precisava de uma.

Podíamos fazer aqui uma selecção entre a batelada de memes que andam a circular, mas isso seria muito pouco alentejano da nossa parte. Para quê dar-nos ao trabalho quando basta convidar o leitor a copiar “memes” + “coronavírus” para o motor do Google e deixá-lo a ele fazer o trabalho? Preferimos contar mais uma anedota escatológica com as cores da manhosice alentejana: “Certo dia, um alentejano, estando aflito para arrear o calhau, preparava-se para o fazer mesmo ali atrás do coreto. Quando estava já preparado e em posição, olha para trás, vê um escaravelho e de imediato lhe diz: – Ah, és guloso!? Pois já nã cago.”

Entretanto, o que também não falta são teses mirabolantes para humilhar tudo o que por aí anda de campanhas de desinformação. De resto, pode-se dizer que fazer grandes périplos irónicos ou sarcásticas está a tornar-se, nas redes sociais e face à incapacidade de ler outra coisa que não o sentido literal, numa forma de arriscar a pele e o bom nome. Veja-se o caso de António Barreto que usou a sua crónica no Público para, sem nenhum aviso especial aos leitores mais burros, fazer um catálogo de algumas das mais delirantes teorias da conspiração que estão a agitar as águas da nossa esquizofrénica idade da informação. Vai desde coisas parvas, a intrigas que só os mais brutinhos papam. Se lido com humor, está ali matéria para um risote geral. Mas é claro que os grunhos se uniram ao batalhão dos trolls para declarar as suas pragas, maldições contra o cronista. O ponto que Barreto quer fazer passar, depois de traçar um tão fastidioso elenco de alarvidades, é que a informação não verificada que circula nas redes sociais pode até destronar e afundar o jornalismo, mas isso apenas garantirá que essa outra pandemia global terá finalmente exterminado as nossa últimas defesas contra a estupidez.

Por alguma razão, estamos muito convencidos da capacidade dos nossos intelectuais para dilucidar o que é informação séria e credível do que não passa de pura maluquice, noções a que nos agarramos com as piores motivações e preconceitos ou simplesmente por preguiça. E agora já não vale a pena vir com os alentejanos, que sempre preferiram ler jornais do que ver notícias na internet. Porquê? Bem, porque não há vento na internet. Os elementos ali não fazem nada. E o leitor insiste perguntando: Mas porque raio é que o vento vem ao caso? Por que é isso o que faz com que seja tão comum ver os alentejanos ler jornais nas esquinas… Para que seja o vento a ter o trabalho de virar as folhas.