Na província de Idlib, a mais de 1300 km da Grécia, o avanço das tropas síria de Bashar Al-Assad contra os rebeldes apoiados pela Turquia foi a última gota para Recep Tayyip Erdogan. Após 33 dos seus soldados serem mortos na Síria por bombardeamentos de Assad, a semana passada, o Presidente turco quebrou o seu polémico acordo com a União Europeia, assinado em 2016. A Turquia comprometia-se a reter o fluxo de refugiados que tentavam escapar dos conflitos no Médio Oriente, a troco de financiamento europeu – uns expressivos seis mil milhões de euros para manter cerca de 3,5 milhões de refugiados sírios. “Dormes com o diabo, acordas no inferno”, resumiu um embaixador à Reuters.
A decisão de Erdogan, de “abrir os portões”, foi vista como uma tentativa para pressionar os líderes europeus a apoiar a intervenção militar turca na Síria. Entretanto, centenas de milhares de refugiados, sobretudo sírios e afegãos, juntaram-se na fronteira com a Grécia, desesperados por escapar da Turquia – onde lhes falta sustento, habitação, acesso à saúde e educação, segundo a Amnistia Internacional. “Mais virão. Em breve, este número será expresso em milhões”, ameaçou o Presidente turco. “Os sírios sabem que estão a ser usados, mas não querem saber”, escreveu no Twitter Elizabeth Tsurkov, investigadora do Foreign Policy Research Institute, um think tank norte-americano. ”Eles querem viver sem medo”, explicou.
Já a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, expressou “compaixão para com os migrantes aliciados com falsas promessas até esta situação”, mas deixou claro: “A nossa primeira prioridade é que a ordem seja mantida nas fronteiras externas da Grécia, que também são fronteiras europeias”. A Presidente da Comissão Europeia deixou ainda um recado que parecia dirigido a Erdogan: “Aqueles que procuram testar a unidade da Europa ficarão desiludidos”.
Contudo, manter a unidade parece ser mais complicado do que Von der Leyen faz crer. O Governo grego, do conservador Kyriákos Mitsotákis, tem-se queixado da falta de apoio dos restantes países europeus, exigindo uma “efetiva partilha de encargos”. Ou seja, que os requerentes de asilo sejam dispersos por toda a UE, não ficando apenas nos países de fronteira – algo recusado terminantemente por países como a Hungria, com governos nacionalistas frequentemente acusados de xenofobia.
Aliás, ainda esta semana o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, seguiu o exemplo grego e fechou completamente as portas a requerentes de asilo: o pretexto de Budapeste foi a ameaça do coronavírus. Entretanto, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados já avisou que a suspensão de pedidos de asilo viola a lei internacional – “verificar isso é um trabalho para advogados. Estamos a enfrentar uma situação muito específica na fronteira”, respondeu ao Guardian um alto funcionário da UE.