Quando um pequeno bote de borracha a abarrotar de migrantes se fez às águas do mar Egeu, partindo da Turquia rumo à ilha de Kos, foi recebido pela brutalidade da guarda costeira grega. Os agentes debruçaram-se sobre uma lancha, atirando bastonadas sobre os homens e mulheres a bordo do pequeno bote, que gritavam aterrorizados. Isto pouco depois dos navios da polícia rasarem perigosamente perto da frágil embarcação – pareciam tentar afundá-la – e antes de dispararem para a água em redor do bote. As imagens foram divulgadas esta semana pela Turquia, que tenta usar os mais de 4 milhões de refugiados no seu território para pressionar a União Europeia a apoiar a sua intervenção na guerra civil na Síria (ver texto ao lado). Com as fronteiras turcas abertas, a vizinha Grécia tornou-se o “escudo” da Europa, nas palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen – outros veem-na como o guarda fronteiriço da Fortaleza Europa, ignorando o direito a asilo estabelecido na lei internacional e usando métodos bem ilustrados pelo vídeo gravado ao largo de Kos.
Entretanto, esta quarta-feira, menos de um dia depois da Comissão Europeia anunciar mais 700 milhões de euros em fundos europeus para a Grécia, a polícia grega foi acusada pela Turquia de usar fogo real na fronteira terrestre com a província turca de Edirna, matando pelo menos um refugiado e ferindo outros cinco. “A polícia grega está a intervir de forma pesada”, confirmou no Twitter Ömer Gergerlioglu, deputado do Partido Democrático dos Povos (HDP, na sigla turca), um partido da oposição turca, muito crítico do Governo de Recep Tayyip Erdogan. “A polícia turca está apenas a assistir”, criticou ainda Gergerlioglu, que está em Edirna a estudar a situação. Já o Governo grego, do conservador Kyriakos Mitsotakis, classificou as acusações como “fake news” – embora vários repórteres tenham ouvido tiros e a Associated Press verificado que seis pessoas foram hospitalizadas nos confrontos, uma delas morta com um tiro na cabeça. Antes disso, soldados gregos já tinham sido acusados de matar três imigrantes na fronteira.
Apesar do forte aparato de segurança grego – que será reforçado pela Frontex, a agência responsável pelas fronteiras europeias, com uma equipa de resposta rápida, seis barcos, dois helicópteros, uma aeronave, três veículos com visão térmica e uma centena de guardas fronteiriços –, muitos refugiados conseguiram entrar em território grego, antes de serem detidos. “Eles contam que, quando chegaram lá, a polícia espancou-os, confiscou os seus telemóveis, os seu dinheiro, os seus documentos e rapidamente os deportou”, contou uma correspondente da Al Jazira, Natasha Ghoneim.
Intimidação e violência Na ilha grega de Lesbos, onde cerca de 25 mil refugiados vivem no infame, insalubre e sobrelotado campo de Moria, a tensão entre locais e ativistas dos direitos humanos não é de agora – mas está a escalar com a abertura das fronteiras turcas. “Os lugares onde se encontram as organizações não-governamentais estão a ser atacados, os seus voluntários estão a ser interrogados e visados pela polícia por tentar ajudar refugiados”, contou à BBC Dav, de 40 anos, um voluntário da Refugee Arts Trail, que foi alvo de tentativas de intimidação e pediu que não fosse revelado o seu apelido. “Como voluntário sentes que estás a ser caçado aqui, é terrível”, explicou. Desde há anos que Lesbos é o epicentro da entrada de refugiados na Grécia, sobretudo vindos da Síria ou do Afeganistão. Segundo a imprensa grega, centenas de pessoas desembarcaram nas ilhas de Lesbos, Chios e Samos nos últimos dias: os habitantes temem que incontáveis barcos aguardem na costa turca, cheios de gente desesperada por chegar à Europa. A primeira vítima mortal da recente crise foi uma criança síria, de quatro anos, que se afogou quando o bote onde seguia com 48 pessoas virou, ao largo de Lesbos, na segunda-feira.
Face à exigências dos locais de que uma parte dos refugiados seja levada para a Grécia continental, o Governo grego limitou-se a endurecer as leis de asilo e a anunciar a construção de campos de detenção nas ilhas. “Não podem simplesmente prender pessoas que viveram entre nós durante meses, talvez anos”, afirmou à DW um comerciante de Mytilini, a maior cidade de Lesbos. “Essa é a maneira ideal de transformá-los em criminosos”.
Os fortes protestos na ilha, a semana passada, levaram Atenas a enviar para Lesbos e Chios a sua divisão antimotim de elite, as Unidades para o Restabelecimento da Ordem, frequentemente acusada de brutalidade policial. Foram recebidos com pedras, bloqueios de estradas e veículos incendiados – os confrontos tiveram um saldo de pelo menos 60 feridos. “É estranho”, notou um professor de Lesbos, também em declarações à DW. No que toca à oposição aos novos campos de detenção de refugiados, “pela primeira vez, toda a gente na ilha está de acordo, da extrema-direita à extrema-esquerda”, considerou o professor.