Correio da Manhã e Sábado absolvidos das gravações de José Sócrates

Correio da Manhã e Sábado absolvidos das gravações de José Sócrates


A juíza Paula Lages considera que a liberdade de informação e o interesse público devem prevalecer perante o direito à honra e privacidade.


Os diretores do Correio da Manhã/CMTV e da revista Sábado, Octávio Ribeiro, Eduardo Dâmaso e Carlos Rodrigues Lima foram ontem absolvidos pelo Tribunal Judicial de Lisboa dos crimes de desobediência de que eram acusados por causa da divulgação das gravações dos interrogatórios prestados por José Sócrates e Ricardo Salgado durante a fase de inquérito da Operação Marquês, avança o SOL. 

Na sentença, a juíza Paula Lages considera que a liberdade de informação e o interesse público devem prevalecer perante o direito à honra e privacidade, salienta que a divulgação dos interrogatórios em nada afetou a investigação e invoca as diversas decisões já tomadas neste âmbito pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) e que têm valido a Portugal diversas condenações, quando os tribunais nacionais optam por entendimento diferente.

Os excertos das gravações áudio e vídeo dos interrogatórios de Sócrates e de Salgado perante o procurador da República Rosário Teixeira, no DCIAP, em 2015 e 2017, foram divulgados pelo CM, CMTV e Sábado, e respetivas plataformas online, em abril de 2018.

“Temos dois direitos constitucionalmente consagrados em confronto, com garantias na Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, afirma a magistrada, concluindo: “Entendemos proporcionalmente ser de restringir o direito à honra, ao bom nome e à privacidade por a divulgação daqueles interrogatórios nos termos infra explicados não extravasar as garantias que a proteção constitucional a esse direito pretende garantir, não havendo prova de que tenha a investigação ficado prejudicada com tal atuação e estando em causa questões de relevante interesse público, atentos os crimes e as personalidades envolvidas sob investigação”.

“Na verdade, mal andaria uma sociedade democrática em que, desconsiderando-se qualquer outro interesse – havendo interesse público e não tendo ficado desprotegidos os interesses que com a proibição se pretende evitar – estaria proibida por si a divulgação/difusão/publicação em causa, prejudicando de forma violenta esse interesse superior (o interesse público) que existisse”, acrescenta.

A magistrada argumenta ainda que a audição dos interrogatórios é muito relevante para a opinião pública poder estar devidamente informada e tirar conclusões: “Conforme é do conhecimento público, José Sócrates foi primeiro-ministro de Portugal e encontra-se nesse processo denominado Operação Marquês acusado de graves crimes praticados nesse período em que o foi, o mesmo sucedendo quanto a Ricardo Salgado, banqueiro português que chegou a ser, também conforme é do conhecimento público, conhecido como sendo ‘dono disto tudo’, sendo ambos, portanto, reconhecidas figuras públicas portuguesas”.

“Ora, o conhecimento concreto da forma de reagir dos arguidos aquando do confronto com os factos imputados (humilde e calma ou arrogante e agressiva) no âmbito dos aludidos interrogatórios, do teor das suas declarações (se coerente ou inverosímil) e da forma como foram tratados pelo respetivo magistrado interveniente (com subserviência ou com autoritarismo ou com mero normal respeito) efetivamente apenas era alcançável mediante a visualização/audição de tais interrogatórios”, defende.

“Mesmo qualquer transcrição ou reprodução que fosse efetuada não permitiria ao cidadão afastar a dúvida de a mesma ser exata e o pensamento imediato do homem médio (‘será que foi mesmo assim?’) não deixaria de estar presente”, acrescenta. E por isso, conclui, “a utilização de tais imagens/sons não foi manifestamente um acrescento despiciendo motivado exclusivamente pela obtenção de maiores audiências/acessos. Se tal não terá deixado de estar subjacente, como é evidente, não foi gratuita tal opção”. E a suportar esta argumentação, a juíza Paula Lages cita excertos de várias sentenças do Tribunal Europeu em casos de jornalistas portugueses condenados pelos tribunais nacionais por crimes de violação de segredo de justiça e difamação.