Juventus-Milan.  Quando a Velha Senhora passa, os diabos  fazem-lhe vénias

Juventus-Milan. Quando a Velha Senhora passa, os diabos fazem-lhe vénias


A  segunda mão da meia-final da Taça de Itália era para ser jogada esta quarta-feira, no entanto, a partida voltou a ser adiada devido ao Covid-19, que já provocou a morte de mais de 100 pessoas em Itália. As duas equipas batem-se com denodo desde o dia 22 de abril de 1900. A superioridade dos piemonteses…


O encontro da segunda mão das meias-finais da Taça de Itália, marcado para hoje, em Turim – entretanto adiado devido ao Covid-19, que provocou a morte de mais de 100 pessoas em Itália – tem servido para derramar muitos litros de tinta e gastar muito latim. Os dirigentes da Velha Senhora mantiveram a venda de bilhetes para a partida ao mesmo tempo que as autoridades da região do Piemonte, cuja capital é precisamente Turim, mantiveram a pressão para que a partida se disputasse à porta fechada.

Ver um clássico com este peso histórico jogado perante bancadas vazias seria um golpe duro para o futebol universal. Afinal, estamos a falar não apenas dos dois clubes mais titulados de Itália mas também daqueles que aglomeram maior número de adeptos. Mas o assunto resolveu-se na véspera com um decreto do próprio primeiro-ministro italiano: portas abertas!

“Juventus-Milan è la storia del calcio. Bandiere eterne, grandi campioni, sfide dal sapore unico”, lançou ontem um cronista entusiasmado nas páginas do Tuttosport. Temos de recuar 120 anos para encontrarmos o primeiro frente-a-frente entre os dois gigantes: 22 de abril de 1900. Um amichevole, como eles gostam de dizer. Um amigável ganho pelos milaneses por 2-0. É “la storia del calcio”, pelas palavras do nosso colega turinês. Nesse mesmo ano inventou-se uma prova para que o encontro se repetisse, a Medaglia del Re, ou Medaglia d’Oro Umberto i, homenageando o rei da casa de Saboia assassinado em Monza. E o Milan não esteve pelos ajustes: conquistou as três edições desse torneio a dois, deixando a Senhora de mãos a abanar, por muito pouco cavalheiresco que o gesto tenha sido.

Aliás, os primeiros tempos da rivalidade entre milaneses e juventinos foram muito duros para estes últimos. Os diavoli trataram o seu adversário com uma superioridade e uma soberba incontroláveis. Primeiro embate para o Campeonato de Itália: 28 de abril de 1901, 3-2 para o Milan. Um particular jogado poucos dias depois: 7-0 para o Milan. Revolta dos piemonteses no campeonato de 1910 com uma vitória por 5-3. E, no ano que se seguiu, dupla vitória: 4-0 e 8-1. Pareciam decididos a espancar-se mutuamente. E assim continuaram, teimosamente, na década que se seguiu, como dois boxeadores à procura do KO até ao limite da exaustão.

Para lá da relva Os embates entre Juventus e Milan ultrapassam as quatro linhas de um relvado. É também um confronto de duas cidades poderosas, capitais do norte de Itália, centros industriais e comerciais que as distinguem muito das sulistas Roma e Nápoles. Não é por acaso que os três mais fortes clubes do calcio (inclua-se o Inter) se juntam numa distância de pouco mais de 140 quilómetros, que se percorrem (mais ou menos) rapidamente pela A4, a via que junta Turim e Milão. É neste eixo que a economia italiana se fortalece. É neste pasto que o antagonismo se alimenta. Embora, como todos sabemos, ao contrário do que aconteceu nos primórdios, os últimos anos tenham cavado uma superioridade branca-e-negra de tal ordem que a última vitória dos milaneses já data de 22 de outubro de 2016, num jogo da Serie A (1-0). Daí para cá, um exagero: dez jogos, nove vitórias da Juve e um empate, precisamente o de San Siro, na primeira mão desta meia-final, feito por Cristiano Ronaldo já ao cair do pano.

Mas façamos um exercício contabilístico um pouco mais alargado. Vamos, por exemplo, dar uma vista de olhos à tabela de resultados desde o dia 20 de março de 2012, dia em que o Milan foi empatar 2-2 a Turim e eliminou a Velha Senhora da taça por via do empate caseiro a uma bola. Nas meias-finais, tal como agora acontece. Em novembro desse mesmo ano, em San Siro, para a Serie A, os milaneses voltaram a festejar, ganhando por 1-0. Depois, o desastre. Um abismo della Madonna! Nove vitórias seguidas da Juventus para todas as competições, incluindo uma final da Coppa Italia. Cáspite!, que é termo que vem a propósito tratando-se de italianos. Portanto, peguemos num ábaco e façamos as contas já aqui ao lado, com prova dos nove e tudo: desde novembro de 2012, Juventus e Milan defrontaram-se por 21 vezes com este saldo abracadabrante: 19 vitórias dos de Turim, dois empates e uma vitória dos de Milão. Nunca se viu superioridade tamanha.

Hoje, o futuro está muito mais nas mãos dos milaneses do que nas do conjunto de Sarri. Vencendo, entram para o caderno dos imortais. Perdendo, limitar-se-ão a continuar a ser os pajens de uma Velha Senhora mais soberba do que nunca. Mesmo que 120 anos já se tenham passado sobre esse confronto que se repete e repetirá até ao fim dos tempos. Tal como manda a lei dos mitos…