Cinquenta anos não chegam para Lisboa ter um novo aeroporto


Quando toda a gente pensava que era no ano da graça de 2020 que terminaria a tortuosa discussão com 50 anos, eis que regressam as forças do statu quo contra o aeroporto no Montijo.


Este não é um texto sobre os méritos de um novo aeroporto.

Este não é um texto em defesa do Montijo ou da Ota ou de Alcochete ou de Alverca.

Este também não é um texto para medir os melhores argumentos partidários na recente querela sobre a alteração da lei que dá poder de veto aos municípios.

Este é um texto sobre uma das causas mais profundas do nosso insucesso coletivo: a pobreza do processo de decisão.

Estou a falar do processo de decisão político. Mas, mais do que isso, aponto para forças de bloqueio mais profundas, pouco democráticas e ainda menos escrutinadas, patologias estruturais da nossa administração do Estado que minam a nossa ambição de ser uma nação tão próspera como as mais prósperas da Europa.

Portugal está a discutir um novo aeroporto para Lisboa desde 1969. Tinha a Portela sido inaugurada há 27 anos quando se iniciou o debate sobre uma nova estrutura aeroportuária que, à época, apontavam para uma localização na Margem Sul.

A primeira proposta apontou para Rio Frio, em 1971.

Onze anos depois, em 1982, é a Ota que começa a ganhar força como opção estratégica de longo prazo.

Consumada a entrada na CEE, mais uma volta, mais uma viagem: em 1986 passa a ser o Montijo e a adaptação da base a melhor solução para a mobilidade aérea.

Até que, em 1999, 30 anos depois de aberta a discussão, o Conselho de Ministros presidido por António Guterres confirma a Ota como localização que melhor equilibra as questões económicas, ambientais e estratégicas.

Mas isto não era o fim. Nem sequer era o princípio do fim. Era apenas o fim do princípio desta longa novela.

Em 2001, o país é deixado no pântano. Segue-se a “tanga” e, sem dinheiro, as grandes obras públicas ficam em banho-maria.

Mas Keynes renasce em 2005 e José Sócrates, com um ambicioso pacote de investimentos públicos, estima que o novo aeroporto na Ota custe 3,1 mil milhões e esteja operacional em 2017.

As críticas sobem de tom. Multiplicam-se os especialistas. Esgrimem-se estudos, relatórios, livros brancos e powerpoints. Com mais dois anos de debate em cima, volta a levantar voo a hipótese Margem Sul – um “deserto político” onde Mário Lino “jamais” faria o novo aeroporto. A crise financeira de 2010 enterra Keynes, que Sócrates tinha ressuscitado, e com ele o novo aeroporto.

Com a lotação da Portela a explodir, ultrapassando mais rapidamente do que era esperado os 20 milhões de passageiros/ano, tanto Pedro Passos Coelho como António Costa voltam colocar o aeroporto na agenda, tendo cabido ao primeiro-ministro socialista a decisão final: é no Montijo.

Quando toda a gente pensava que era no ano da graça de 2020 que terminaria a tortuosa discussão com 50 anos, eis que regressam as forças do statu quo contra o aeroporto no Montijo.

Já percebemos bem a moral da história: toda a gente é favorável a um novo aeroporto em Lisboa desde que ele não se faça.

Com isto, está a economia nacional a perder competitividade, está o país a perder turistas e está a sociedade a queimar postos de trabalho. Por não ter uma infraestrutura decente, Portugal pode perder 300 mil passageiros este verão.

Este é o custo direto da nossa condescendência para com as forças de bloqueio, que tudo querem discutir e polemizar para que nada se faça.

Ou porque estão sentados nos lugares eternos da burocracia ou porque, por defeito de convicção ideológica, como os dirigentes da extrema-esquerda, acreditam que estão tanto melhor quanto mais pobre e precário e periférico for o país, tenho a certeza de que nunca encontraremos nestes grupos motivações para o progresso da nação.

Pergunto: mas 50 anos não é tempo suficiente para ter discutido e debatido tudo?

Perante estes dados, que parceiro europeu, que investidor, que empresa é que leva a sério um país que demora meio século a discutir se faz ou não faz um aeroporto? Ou, pior ainda, que nem sequer sabe, se fizer, onde o vai fazer.

Para pasmo geral, pelo meio, ainda se fez um aeroporto que ninguém usa, que nada acrescentou ao país, e ainda acabamos por construir uma linha férrea de Beja a Lisboa.

Com este processo de (in)decisão, quem é que ainda acredita que Portugal tem a mínima hipótese de sobreviver às dinâmicas do mundo globalizado, em que a velocidade de adaptação é a chave?

É que não estamos só a falar de um aeroporto. Este é um problema transversal à sociedade portuguesa.

Quando cheguei à presidência da Câmara Municipal de Cascais deparei-me com esta mesma dificuldade a uma escala local.

Tomei posse e não demorou muito tempo até que me trouxessem uma pilha de dossiês problemáticos.

Encontrei uma esquadra da PSP (a da Rua Afonso Sanches) provisória desde 1968. A construção da substituta (a superesquadra da PSP da Av. Adelino Amaro da Costa) não tinha conhecido melhor destino: era um mono de betão embargado há 20 anos.

Havia ainda uma escola secundária (a de Cascais) a funcionar em pré-fabricados há 45 anos, um esqueleto de betão no centro de Cascais parado há décadas (o Edifício Nau) e um forte (o de Santo António da Barra, ou “Salazar”) abandonado, só para mencionar alguns exemplos.

Problemas que tinham estado em cima da secretária não apenas dos meus antecessores, mas também de muitos ministros da República. Problemas que não foram resolvidos, não por haver falta de vontade ou competência, mas porque alguma areia acabava por parar a engrenagem.

Portugal é um lugar estranho para plantar as sementes do desenvolvimento.

Paulatinamente, com os parceiros certos na administração central, temos conseguido resolver todos os problemas, um por um.

Mas uma pós-graduação forçada em resolver casos difíceis formou esta perceção muito aguda de que não basta um político com visão e coragem para que a obra nasça. Porque a sua coragem será testada vezes sem conta por um Estado invisível, porque a sua visão será desafiada infinitamente por uma estrutura insondável que se conforta no atrito à mudança, a principal virtude do político tem de ser a resiliência.

Que ela não falte a Pedro Nuno Santos e António Costa neste processo. Portugal precisa de um novo aeroporto. E não pode esperar mais 50 anos por um.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira