O caso de racismo contra o jogador de futebol Moussa Marega, do Futebol Clube do Porto (num jogo com o Vitória de Guimarães), acabou por marcar ontem parte do primeiro debate quinzenal de 2020. O primeiro-ministro, António Costa, deixou um apelo, em jeito de desafio, aos dirigentes desportivos. O objetivo foi óbvio: responsabilizá-los pela forma como fazem a gestão da paixão do futebol junto das respetivas massas associativas. “Se andamos a acender a paixão, arriscamo-nos a atear fogos difíceis de controlar”, atirou.
António Costa elogiou a atitude do jogador, ao abandonar um jogo de futebol depois de ter sido insultado, mas considerou, numa réplica à intervenção da deputada Inês Sousa Real, do PAN, que já existe legislação para combater a violência e o ódio no desporto. É preciso aplicá-la. Pelo caminho, Costa ainda deixou uma farpa a quem dirige ou domina o desporto-rei porque “há uma enorme irresponsabilidade na forma como o discurso de ódio e intolerância são muitas vezes implementados”. Ainda assim, elogiou o papel de treinadores que têm a preocupação de colocar a paixão do futebol onde deve estar, ou seja “dentro do campo”.
A resposta foi dirigida ao PAN, mas António Costa decidiu tocar neste tema, depois de todas as bancadas da esquerda (PS, BE, PCP e mais tarde o PEV) terem repudiado o ato de racismo de que o jogador foi alvo. A direita não lhe dedicou uma frase.
O primeiro debate quinzenal de 2020, findo o período de análise e de votação do Orçamento do Estado, arrancou com três perguntas do presidente do PSD, Rui Rio, quase duas semanas depois do congresso social-democrata. O tema, que tem dominado a agenda é a eutanásia, mas o assunto não entrou na lista de argumentos pela mão do presidente do PSD. O dossiê entraria mais tarde, de forma indireta, pela voz de Cecília Meireles, líder parlamentar cessante do CDS, com perguntas sobre os cuidados paliativos. Mas já lá vamos.
O líder do PSD, Rui Rio quis saber se Portugal vai perder fundos europeus com a suspensão da linha circular do Metro em Lisboa (aprovada no Parlamento) e perguntou se o “Governo fala verdade ou se o Governo mente?”. Em causa estava a informação de que Portugal poderia perder cerca de 200 milhões de euros de fundos vindos de Bruxelas, ou 83 milhões de euros. O líder do PSD quis saber qual era o valor para se “falar verdade” aos portugueses.
O primeiro-ministro assegurou que o está em causa são os 83 milhões de euros. E será “materialmente impossível” alocar essa verba a outras linhas como a de Loures ou a de Alcântara. “Já não é materialmente possível realizar a linha de Loures ou a de Alcântara com a linha do PT2020”, afiançou Costa, recordando que o processo se iniciou em 2008 e até foi negociado pelo governo PSD/CDS, ou seja, por Passos Coelho, antecessor de Rio na liderança.
O líder do PSD ainda quis saber se já foram feitas expropriações e acusou o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, de ter faltado à verdade, ou, no português “antigo”, de mentir no caso de perda de fundos ou nas expropriações. A conclusão surgiu depois de Costa reconhecer que não sabia se já se tinham verificado as expropriações.
O caso Luanda Leaks Na discussão, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, fez considerações sobre o negócio de venda das participações da empresária angolana do banco Eurobic. “Pode transformar-se num caso de branqueamento de capitais mesmo nas barbas do Banco de Portugal”, alertou Catarina Martins, questionando o primeiro-ministro sobre a transposição da diretiva de branqueamento de capitais. Na resposta, Costa lembrou que respeita a independência do Banco de Portugal, mas aconselhou a ‘Casa da Democracia” a pedir esclarecimentos ao governador do Banco de Portugal. “Vamos chamar”, disse o BE.
Quanto à transposição da diretiva sobre o branqueamento de capitais, o primeiro-ministro advogou que deverá ir a Conselho de Ministros dentro de uma ou duas semanas.
Sobre as Parcerias Público-Privadas na Saúde, Tanto o Bloco de Esquerda como o PCP questionaram o primeiro-ministro sobre a Parceria Público-Privada no Hospital de Cascais. Catarina Martins perguntou se o Estado não consegue fazer a gestão pública do hospital em Cascais e Jerónimo de Sousa, do PCP, quis qual era a pressa em adjudicar nova PPP. Costa respondeu que o processo já vinha de 2017 e que as PPP de Cascais e de Loures não constituem novas PPP. Na prática cumpre-se o que foi acordado na Lei de Bases da Saúde.
Jerónimo de Sousa ainda lembrou ao primeiro-ministro de que é preciso aumentos salariais, designadamente, na Função Pública. E avisou o Governo de que “os problemas vão aumentar” se não existir uma negociação aprofundada com os sindicatos.
O CDS, pela voz de Cecília Meireles, insistiu nas PPP, designadamente no hospital de Braga, e nos cuidados paliativos. Na resposta, Costa prometeu mais 800 camas para cuidados paliativos até ao final de 2020. Os cuidados paliativos têm sido usados como argumento para quem defende o não à Eutanásia (a votos amanhã no Parlamento).
No debate quinzenal o PEV levou o combate ao racismo a discussão, mas também a lei sobre a contaminação dos solos. Que continua por publicar.
Já o deputado da Iniciativa Liberal, Cotrim de Figueiredo, acusou Costa de usar “óculos cor de rosa” quando olha para o crescimento da economia.
Antes, André Ventura, do Chega!, fez uma intervenção a questionar a falta de pagamento de 700 mil euros de luz da GNR. Na resposta, o primeiro-ministro garantiu que “a GNR não só não vai ficar sem luz como continuará a iluminar os portugueses”. Por fim, Ventura levou o caso de Tancos a debate, questionou Costa sobre uma possível violação do segredo de justiça ( por ter revelado as respostas que deu por escrito), mas o primeiro-ministro considerou que “o segredo de justiça morre na fase de inquérito”. E atacou Ventura por não ter dito nada “cara a cara” sobre o caso Marega e as acusações de hipocrisia (dirigidas a Costa) por falar deste caso, mas nada dizer sobre agressões a professores, polícias ou enfermeiros. Por fim, Costa achou “curioso” que a notificação dirigida ao Conselho de Estado (para que pudesse depor no caso de Tancos) tenha chegado dez dias antes do ofício chegar a Belém.
Esta foi a primeira vez que a deputada Joacine Katar Moreira não fez qualquer intervenção por ter passado a deputada não-inscrita, após a saída do Livre.