D. Sancho i finou-se como grande povoador num tempo em que ainda seria necessário esperar sete séculos pelo comboio e outros tantos pelo automóvel. Para além do próprio exemplo pessoal – foi pai de uma enorme prole de 19 filhos, 11 do casamento real e oito bastardos –, não restam dúvidas de que assenta muito bem a D. Sancho i o cognome de O Povoador, porquanto não só o apregoava, como também mostrava como se povoava…
Da fundação da cidade da Guarda, em 1199, até à atribuição de cartas de foral na Beira e em Trás-os-Montes (Gouveia [1186], Covilhã [1186], Viseu [1187], Bragança [1187], São Vicente da Beira [1195] ou Belmonte [1199]), teve a arte de assim levar a áreas remotas do reino pessoas e reconhecimentos em forma de incentivo, trazendo em particular imigrantes da Flandres e da Borgonha.
E, talvez inspirado neste exemplo, o Governo atual inventou o “regresso do emigrante”, lançando este programa para recordar o sanchismo dos nossos tempos. E puxou então de medidas avulsas que comunicou ao país.
Os emigrantes portugueses e lusodescendentes que queiram regressar a Portugal têm ao seu dispor um apoio financeiro que pode chegar a 6536 euros, bem como um canal de informação direta.
O resultado desta ação, lançada em tempo de campanha eleitoral, no ano passado, parece estar próximo da total indiferença. É que ninguém aceita deixar países onde a mobilidade social e laboral é uma realidade por um retorno em que este elemento das sociedades modernas é inexistente, atraído por um subsídio irrisório…
Agora, o Governo pegou no prato requentado e criou o programa Trabalhar no Interior, que arranca com um subsídio-base de 2600 euros, podendo atingir o máximo de 4827 euros, mediante apresentação das despesas de instalação e transporte e do número de membros do agregado familiar. Isto é, outra “velha” proposta acabada de nascer, com um igual potencial de nulidade bastante…
E porquê? Porque o Governo avalia as verdadeiras razões dos portugueses para mudarem de vida em baixíssima quota de seriedade de análise, mostrando que há quem sopese a vida de um emigrante para a decisão de regresso a Portugal à razão de 6536 euros por cabeça, que não darão para mais que o transporte da mobília… Já um português que habita a capital ou outra urbe junto ao Atlântico, pensaram as geniais criaturas governamentais que fará as malas e vá apanhar o comboio da Beira Baixa para passar a habitar um recanto no hinterland português pelo preço de um plasma de última geração.
Quem assim define estes dislates a que chama políticas ou não conhece o mundo que pretende mudar ou não se põe a pergunta a si próprio, como emigrante ou lisboeta, se por causa deste cheque mudava de lugar com os filhos e a família atrás. É uma coisa que suscita uma catadupa de emoções, perante este universo de perplexidades decisórias…
Porque a pergunta, para começo de conversa, devia ser a seguinte: a parte pouco povoada, pouco desenvolvida do país, é-o porquê? E a resposta é simples.
Porque não há desenvolvimento económico, isto é, economia forte, empresas fortes e disseminadas pelo território, aquilo que é a base da mobilidade social. O lugar onde se cria riqueza, oportunidades de chamada de pessoas ao emprego, à mudança de lugar onde habitam as famílias, à abertura de horizontes pessoais. Ou seja, o Governo, com estas medidas, sabe que nem um átomo muda na realidade. Mas, como está esgotado nas soluções, insiste no ilusionismo político.
E como era capaz de mudar então a realidade? Talvez se tentasse reforçar os casos de algum sucesso na captação de investimento, tornando regra o que é exceção. O incremento de iniciativas nas atividades produtivas, como a indústria aeronáutica em Évora, a têxtil especializada, a agroalimentar e as T. I. na Covilhã, um pouco do automóvel em Mangualde. Isto é, semear territórios com medidas sérias de atração, como isenção de IRC durante dois decénios, competitividade fiscal igual à da Irlanda, captação de capital privado mundial através de verdadeiros caixeiros-viajantes do trabalho, e não o anúncio do cheque-esmola avulso.
“Emigrantes e alfacinhas, tomem lá e mudem de terra, de amigos, de escola, de futuro, em troca de uns euros…” Para onde? Para o mundo da utopia deste Governo.
Observe-se a realidade da geografia económica de eixos urbanos da parte mais europeia do nosso país, como Abrantes/Castelo Branco/Covilhã/Guarda. Um destes dias entrei na A23 em Torres Novas decidido a contar os pavilhões e parques industriais visíveis ao longo da mesma até à Covilhã. No final fiquei-me pelo que vi de atividade comercial e industrial durante 280 quilómetros: áreas de serviço de combustíveis onde o Governo instalou verdadeiros balcões da Autoridade Tributária para cobrar, em cada 100 euros de gasóleo, 65 de impostos; além disto, no Pego, as centrais elétricas em desativação e, já próximo das portas de Ródão, ao longe vislumbrei as chaminés da celulose de Sebastião Alves, nas margens do Tejo, tudo construído há 60 anos.
É que, nestes 45 anos de democracia, nem as autoestradas soubemos aproveitar para novas políticas indutoras de desenvolvimento industrial e povoamento ao longo destes acessos.
O que diria D. Sancho i perante o estado da arte de governar, 800 anos depois? Que tudo isto não passa de uma tentativa de povoar pelo dislate.
Nota: Mas este é com toda a certeza um problema menor do nosso país, porque, por estes dias, a agenda política continua imune à realidade e importante parece ser legislar sobre o morrer depressa. Assim julgarão alguns estar a construir a sociedade quase “perfeita”, criando condições para enviar os velhos mais cedo para o além e os novos mais depressa para o trabalho no estrangeiro.
Este é o Portugal 2020 no seu esplendor triste.
Jurista