1. Aprovado o Orçamento do Estado, realizados os congressos do CDS e do PSD, num início de legislatura com uma maioria informal à esquerda, com umas eleições nacionais autárquicas a dois anos de distância, com presidenciais potencialmente resolvidas de caminho e regionais dos Açores que não influem na política nacional, podemos dizer que o país entrou num novo ciclo político que, teoricamente, deveria ser de estabilidade.
No discurso de encerramento do congresso do PSD, Rui Rio traçou um quadro objetivo e preocupante do país que somos. O retrato feito pelo reeleito líder social-democrata evidenciou as fragilidades, limitações e incapacidades do Governo, bem como as fragilidades estruturais do país. Fê-lo de forma pausada e não comicieira, o que é raro num político.
Temos um país frágil, anímico e sem horizontes saudáveis. Tudo agravado por uma circunstância de desaceleração da economia privada em Portugal e de uma fase negativa em termos planetários que se manifesta de forma incontrolável, por exemplo, nas alterações climáticas. Entre nós há uma incapacidade de gerar crescimento, de ultrapassar os entraves de um Estado cada vez maior e mais ineficaz e de reformar positivamente sistemas fundamentais, como os da saúde, da segurança social e da justiça. No mundo, a economia ressente-se de uma crise que só poupa uma América isolacionista, enquanto a Europa comunitária entra em crise e a China está em vias do que pode ser uma retração profunda, se não travar efetivamente o coronavírus que veio agravar sintomas negativos já anteriormente patentes.
Por muito que se queira evitar discursos catastrofistas, a realidade manda dizer que há muitos fatores de instabilidade no horizonte. Entre nós, o tempo é de construção de uma alternativa sólida e substancial à realidade atual, marcada por debilidades óbvias de quem comanda o Executivo do país e que, indiscutivelmente, vê a sua governação cada vez mais escrutinada e contestada pelos cidadãos comuns, numa atitude que mina a base social de apoio que a geringonça conseguiu apresentar durante a legislatura anterior.
Dado que as coisas em Portugal não estão bem, compete naturalmente ao maior partido de oposição liderar as opções alternativas, de forma responsável e com propostas substanciais, resultantes de estudo e da auscultação da sociedade, que a seu tempo serão elencadas e apresentadas à opinião pública.
A acalmia política que o calendário permite antever pode durar um tempo largo mas, entretanto, estamos em perda coletiva e a nossa sociedade apresenta sinais preocupantes. Há inclusivamente registo de um crescimento de agressividade em vários campos que vão do discurso político tribunício à dramática violência doméstica, passando pela violência no desporto e muitas outras suas tipificações, entre as quais se inclui o fenómeno da corrupção, que se constitui também como uma forma de agressão ao cidadão comum, que é submetido compulsivamente aos milhares de normas que o Estado e a sua burocracia lhe impõem a propósito de tudo e mais alguma coisa.
Face a tudo isto, há que preparar as políticas alternativas. E elas podem construir-se agora com um mínimo de serenidade, mas sem arrastamento. As coisas aceleram quando menos se espera, como um líder do PSD sabe por definição.
2. Desde que a geringonça se formou em Portugal, pela mão de António Costa à frente e um séquito de bloquistas e comunistas, que a palavra coligação ganhou uma nova definição que fez escola. Uma coligação já não é simplesmente coligação. Tem de ser negativa ou positiva quando, na realidade, ela não é mais do que o resultado de entendimentos obtidos no Parlamento por partidos cujos representantes foram eleitos pelo povo.
Seria bom que, em Portugal, os políticos, os comentadores e os jornalistas se habituassem à coisa mais simples da democracia: quem tem mais votos ou assentos nos parlamentos decide, independentemente de se aliar à esquerda ou à direita. Há que aceitar as regras da democracia, mesmo que certas ginásticas possam legitimamente ser interpretadas como manobras meramente táticas.
Depois de quatro anos de geringonça entrou-se num novo ciclo em que os acordos pontuais são sempre legítimos e se tornam efetivos desde que passem na Assembleia da República. Colocar as questões em termos de positivo ou negativo é absurdo. A ideia do arco da governação limitado ao PS, PSD e CDS acabou com a geringonça e mais ainda agora, com a pulverização do quadro parlamentar.
Não existe um “diz-me com quem te coligas e dir-te-ei quem és politicamente”, longe disso. Amanhã é perfeitamente possível vermos Joacine, o Chega, o CDS, o PCP e o Bloco unidos numa questão fraturante contra o PS, o PSD, o PAN e (absurdamente) os Verdes. Não viria daí grande mal ao mundo. Talvez se estranhasse, mas há coisas na vida bem mais complicadas.
3. É cada vez mais provável a transição de Mário Centeno de ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal. Saltar do Executivo para regulador não é certamente a melhor maneira de preservar um sistema de isenção, dado que há muitos cruzamentos de áreas. A dança de cadeiras faz parte do folclore português, o que não abona a nossa imagem. Nem mesmo a circunstância de Centeno ter sido um ministro capaz de apresentar contas formalmente corretas e de ser quadro superior do Banco de Portugal iria alterar uma certa perceção negativa de um salto dessa natureza.
4. Depois de um trabalho de formiga e de explicação da importância da Lusa junto do Parlamento, o presidente da agência, Nicolau Santos, conseguiu evitar cortes que levariam à asfixia da empresa e, sobretudo, da informação credível e essencial para Portugal que os seus jornalistas fornecem, em regra com alta qualidade. Pode dizer-se que a Lusa se safou quando escolheram para presidente São Nicolau, o verdadeiro Pai Natal.
Escreve à quarta-feira