BAFTA. A guerra, o Brexit, o Megxit… e o manifesto de Phoenix

BAFTA. A guerra, o Brexit, o Megxit… e o manifesto de Phoenix


1917, o filme de guerra de Sam Mendes, venceu em sete das nove categorias para que estava nomeado. Nomeado em dez, O Irlandês, de Martin Scorsese, deixou o Royal Albert Hall de Londres sem um único prémio.


Que a história acaba sempre por encontrar um caminho para se voltar a fazer igual a si própria, sabe-se desde os tempos em que começou a ser contada. Pois assim voltou a ser em noite de BAFTA. A noite em que no último domingo, em Londres, a cidade de Sam Mendes, o seu filme de guerra, 1917, voltou a ser Melhor Filme – como havia acontecido há um mês em Los Angeles, numa noite de Globos de Ouro para a qual partira com apenas três nomeações e da qual saiu um dos grandes vencedores. E voltou a ser também para O Irlandês, de Martin Scorsese. De novo nomeadíssimo (em dez categorias, mais do que 1917 até, nomeado em nove), de novo de mãos a abanar. Para o Royal Albert Hall, era Joker uma das grandes promessas. O antifilme de super-heróis em que Todd Phillips ousou escrever o passado nunca fechado do vilão dos vilões da DC.

E por aí começou o irlandês Graham Norton (não o de Scorsese), anfitrião de uma noite em que Sam Mendes venceria também o BAFTA de Melhor Realizador (1917 venceu em sete das nove categorias para as quais estava nomeado, perdendo apenas dois prémios técnicos), no monólogo de introdução à cerimónia da 73.a edição dos British Academy Film and Television Awards. “2019, que ano para o cinema! Acho que vai ficar como o ano em que os homens brancos finalmente singraram!”, ironizou. “Tem-se falado muito sobre sobre o privilégio do homem branco, e conseguimos perceber mais ou menos porquê. Quero dizer: 11 nomeações para o Joker, que é essencialmente a história de um homem branco que se torna ainda mais branco”.

A deixa seria mais tarde aproveitada por Joaquin Phoenix quando subiu ao palco para receber o (já esperado) BAFTA de Melhor Ator Principal pelo seu papel em Joker. O discurso soou tão espontâneo e verdadeiro – Phoenix parecia ter-se esquecido do prémio, teve de voltar atrás no final para o recolher – que nos deu o momento alto da noite (juntamente com a atribuição do BAFTA Revelação ao ator negro Michael Ward diante de uma comovidíssima mãe na plateia). E disse Phoenix: “Sinto-me muito honrado e privilegiado por estar aqui esta noite. Os BAFTA sempre apoiaram a minha carreira e estou profundamente agradecido. Mas devo dizer que me sinto também em conflito por tantos dos meus colegas atores merecedores não terem este mesmo privilégio. Estamos a enviar uma mensagem muito clara às pessoas de cor [sic] de que não são bem-vindas aqui. […] Pessoas que contribuíram tanto para o nosso meio, a nossa indústria – de formas de que nós beneficiámos. Não acho que alguém queira um tratamento preferencial, apesar de ser o que damos a nós próprios a cada ano”.

O ator reconheceu ser, também ele, parte do problema – e disse sentir-se “envergonhado” por isso. “Não fiz tudo o que estava ao meu alcance – nem todos os sets em que trabalhei eram inclusivos. Mas acho que se trata de mais do que ter equipas multiculturais, acho que temos mesmo de fazer um trabalho árduo para verdadeiramente compreendermos o racismo sistémico. É obrigação das pessoas que criaram e perpetuaram e beneficiaram de um sistema de opressão serem elas a desmantelá-lo. Cabe-nos a nós”.

Através de Margot Robbie, que recebeu em seu nome o BAFTA de Melhor Ator Secundário (por Era Uma Vez em Hollywood, de Quentin Tarantino), também Brad Pitt se fez presente – e bem presente – em Londres, com um discurso livremente reproduzido pela atriz em que, depois de uma nota de boas-vindas ao Reino Unido no “clube dos solteiros”, quis dar a conhecer, diante de William e Kate, na plateia, o nome que daria ao seu BAFTA: “Harry”.