4 de fevereiro de 1955. Adeus poeta da chuva, adeus…

4 de fevereiro de 1955. Adeus poeta da chuva, adeus…


Olegário Mariano foi um dos grandes da literatura brasileira. Lisboa despediu-se dele como embaixador.


“Choveu tanto esta tarde/ Que as árvores estão pingando de contentes/ As crianças pobres, em grande alarde/ Molham os pés nas poças reluzentes”. Olegário Mariano gostava de chuva. Os seus poemas têm chuva, muita chuva. Também gostava de cigarras e houve quem lhe chamasse poeta das cigarras. Herdou o Olegário da mãe, Olegária da Costa Gama, uma heroína da implantação da república no Brasil, tal como seu pai, José Mariano Carneiro da Cunha. Foi rápido na vida. Mas começou mal, com a infame função de censor de teatro. Nasceu em 1889, no Recife, Pernambuco; em 1918 era adido da embaixada do Brasil na Bolívia; em 1926 ocupou a cadeira n.o 21 da Academia Brasileira de Letras; em 1934 era deputado da Assembleia Constituinte; em 1953 chegava a Lisboa para ser embaixador; no dia 4 de fevereiro de 1955 dizia adeus a Portugal por entre um nunca mais de convidados para uma lauta refeição de pratos em barda. “Olegário Mariano teve, ontem, um brilhante e comovente banquete de despedida. O embaixador despiu a farda chamarrada, mas surgiu o poeta de cabeça apolínea, com o diadema branco dos seus cabelos, entre centenas de admiradores e paladinos”, escrevia o cronista social que também tinha anseios de poeta.

Muitas das senhoras presentes reclamavam o orgulho de saber de cor versos inteiros de Poemas de Amor e de Saudade, obra datada de 1932. A orquestra lançou-se na interpretação de várias músicas brasileiras, tal como a situação aconselhava, a temperatura da sala foi elevada o suficiente para que as madamas pudessem exibir os seus braços e colos pejados de joias de preço.

Toda a gente desfilou em honra de Olegário, de Adolfo Simões Müller à duquesa do Cadaval, do prof. Egas Moniz a Júlio Dantas, de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro a Artur Brandão. O poeta, esse, pediu a palavra, visivelmente emocionado. A sua voz grossa espalhou-se pelo salão: “Este gozo na dor, esta alegria/ Triste que vem de manso e que me invade/ A alma, enchendo-a e tornando-a mais vazia/ Este cansaço extremo, esta saudade…” Foi por aí fora, hipnotizando os presentes. Depois, uns segundos de silêncio, à laia de espanto, e os aplausos estralejaram em redor, vibrantes e firmes, enquanto alguns murmuravam aos ouvidos de outros: “Muito bem.. muito bem…”

No outro dia, a cena repetiu-se, embora noutro palco. Olegário Mariano foi à Casa do Alentejo almoçar com alentejanos ilustres. Queria dizer adeus e partir de regresso ao Rio de Janeiro, mas Lisboa agarrava-o por um braço e arrastava-o para pândegas consecutivas. Vieram as iguarias, os acepipes, todos muito alentejanos, benza-os Deus, fizeram-se mais discursos, repetiram-se elogios. Outra vez aplausos vibrantes, enquanto alguns murmuravam aos ouvidos de outros: “Que grande estucha…” Olegário Mariano ergueu a voz para recitar: “Que as almas das Cigarras também cantam…”. A chuva não caía lá fora…