Foi o primeiro diretor do Festival de Cinema de Berlim. E era já conhecida, pelo menos em parte, a sua ligação ao III Reich de Hitler. Historiador de Cinema e jurista, Alfred Bauer trabalhou na década de 1940 para o departamento de cinema do regime nazi. Do seu currículo constava também o papel desempenhado enquanto conselheiro do governo militar britânico para as questões de cinema no pós-guerra. Mas anteontem, a menos de um mês do início da 70.ª edição do festival, que arranca a 20 de fevereiro na capital alemã, o Die Zeit publicou uma investigação que prova que as ligações de Bauer ao regime de Hitler eram mais profundas do que o que até aqui se julgara.
A reação do festival que dirigiu até 1976 foi imediata. “No artigo de hoje do Die Zeit são citadas fontes que lançam uma nova luz sobre o papel de Alfred Bauer [no regime]”, lia-se num tweet publicado na página do festival. “A interpretação destas fontas sugere que ocupou lugares de relevo durante o período nazi”. A direção anunciou assim a suspensão “com efeitos imediatos” do Urso de Prata Prémio Alfred Bauer. Um prémio instituído em 1987 em homenagem ao primeiro diretor do festival fundado nos anos do pós-guerra, numa cidade ainda semi-destruída, por Oscar Martay, um militar dos serviços de informação do exército americano na Alta Comissão dos Aliados na Alemanha ocupada. Em 2012, Tabu, de Miguel Gomes, foi distinguido com o Prémio Alfred Bauer.
Segundo a investiação do Die Zeit, Bauer dedicou-se no pós-guerra a apagar as provas do seu nível de comprometimento com o III Reich, que incluem “um lugar de topo na burocracia nazi”, no departamento de cinema do Ministério da Propaganda de Joseph Goebbels. Segundo o jornal, Bauer tinha poderes de decisão sobre a produção cinematográfica nacional, incluindo a escolha de atores e de realizadores. Decisões como dispensas do serviço militar passavam também pelas suas mãos, segundo o jornal. Num dos documentos até aqui desconhecidos a que o jornal teve acesso, Bauer é descrito por um oficial do partido de Hitler como um “ávido SA”, a força paramilitar em que se apoiava o III Reich.
welket Bungué protagoniza filme em competição No mesmo dia em que a direção do festival anunciou a suspensão do prémio atribuído em honra do primeiro diretor do festival, foi também anunciada a lista dos 18 filmes em Competição, secção de onde sairá o vencedor do Urso de Ouro da edição de 2020 e na qual estrearam nos últimos anos Cartas da Guerra, de Ivo M. Ferreira, e Colo, de Teresa Villaverde. E depois de em meados de janeiro se ter tornado oficial a seleção de A Metamorfose dos Pássaros, de Catarina Vasconcelos, para a nova secção competitiva Encontros, criada pelo novo diretor artístico do festival, Carlo Chatrian, um outro nome português, o ator Welket Bungué, nascido na Guiné-Bissau, marcará presença no festival, como protagonista de Berlin Alexanderplatz, de Burhan Qurbani, uma das longas-metragens exibidas na Competição, juntamente com os novos filmes de Hong Sangsoo, Philippe Garrel, Sally Potter, Abel Ferrara e Christian Petzold.
Na secção Forum Expanded, tem a sua estreia internacional Crioulo Quântico, de Filipa César, e entre as European Shooting Stars, uma plataforma para promover novos talentos da representação junto da indústria, está a atriz Joana Ribeiro.