Espanha. “Todos  se alegren, pues aún para los pequeños  nace el sol…”

Espanha. “Todos se alegren, pues aún para los pequeños nace el sol…”


Depois de eliminar o Atlético de Madrid, a Cultural Leonesa recebe hoje o Valência para a Taça do Rei. Altura para recordar o Alcorcón. E o Real Unión Irun. E o Numancia e o Figueres. Os nobres tomba-gigantes de Espanha.


Leão, essa cidade magnífica do norte de Espanha, vive hoje mais um dia de festa por causa da surpreendente Cultural y Deportiva Leonesa, a equipa que afastou o Atlético de Madrid na última eliminatória da Taça do Rei e se prepara agora – daqui a nada, pelas 18 horas – para ir em busca de outro feito histórico frente ao Valência. Com uma única presença na i Divisão, em 1955, La Cultu berrou alto nas manchetes dos periódicos de Madrid há uma semana e tornou-se mais um dos nomes daquilo que os nossos vizinhos gostam de chamar “la gesta de los equipos pequeños”.

Sim, também o sol aquece aqueles que ficam longe do seu diário brilho. Como escrevia o grande Calderón de la Barca, poeta castelhano que seguiu as pisadas de Lope de Vega: “Todos hoy se alegren/ Pues hay con próspero arrebol/ Para todos nace el sol”. Sim: “Aún para los pequeños nace el sol”.

A Taça do Rei é uma competição antiquíssima, com a primeira edição disputada em 1902, e foi por vários anos a única prova do futebol espanhol. Quando vamos à procura daqueles pequenos que ficaram para as lembranças por feitos dignos dos registos da memória, não surgem tantos nomes como se possa imaginar. Há um que salta sempre para a nossa frente como aqueles bonecos do Jack-in-a-box: Alcorcón. Na temporada de 2009-10, a equipa dos arrabaldes de Madrid teve o atrevimento de bater o Real, treinado por Manuel Pellegrini, por uns escandalosos 4-0, resultado que nem o poder tremendo do Santiago Bernabéu conseguiu reverter na segunda mão: apenas 1-0 para os merengues.

Claro que o facto de, até à decisão da assembleia-geral da Real Federação Espanhola de 20 de abril de 2019, as eliminatórias se disputarem em duas mãos contribuiu exponencialmente para que os pequenos vissem as suas ambições coartadas. Esta época, portanto, há novas regras: só as meias-finais se disputam em dois jogos. Portanto, se hoje a Cultural Leonesa bater o Valência no Estádio Reino de León, não haverá recurso ao Mestalla que salve os moços de morcego ao peito.

Mais pequenos Outro dos clubes que se orgulha de ter deixado o Real Madrid pelo caminho é o Real Unión de Irun. Em 2008, nos 16-avos-de-final, foi ao Santiago Bernabéu com a curtinha vantagem de 1-0 obtida no jogo de ida. Poucos apostariam um dos velhos duros espanhóis pela sobrevivência dos bascos, que militavam na ii B. Mais valia terem apostado. Com uma alma tremenda, aguentaram o vendaval branco e saíram de Madrid com a eliminatória no bolso apesar da derrota por 3-4. Também o Toledo, em dezembro de 2000, ganhou no seu campo de Salto de Caballo ao Real de Del Bosque por 2-1 e seguiu em frente. Foi logo na primeira ronda da taça e, nesse ano, a primeira ronda era de jogo único.

Figueres e Novelda são outros dos tomba-gigantes que a história continuará a recordar com o carinho devido aos valentes e audaciosos. O Unió Esportiva Figueres, assim mesmo, à catalã, teve requintes de malvadez porque, tal como aconteceu com o Alcorcón, despachou o poderoso vizinho Barcelona logo na segunda eliminatória por 1-0 após prolongamento. Não se satisfizeram com isso os bravos do distrito de Girona. Foram de longada até às meias-finais da Copa do Rei, cabendo ao Deportivo da Corunha arrasar-lhes o sonho, cada vez mais vivo à medida que tiravam da frente adversários mais poderosos. Ou menos, porque também eliminaram o Novelda, da iii Divisão, a outra sensação da prova, que já arrumara o Valência e o Las Palmas, ambos de primeira. Mais uma vez, a história teimava em repetir-se: de Novelda a Valência distam 150 quilómetros. Para a escala espanhola, é um saltinho. Mas há mais nesta aventura: no ano seguinte, coube ao Novelda Club de Futbol receber o Barcelona, então orientado pelo holandês Van Gaal. E não ficou atrás do seu algoz Figueres: venceu por 3-2 e deixou os catalães pelo caminho.

Não se reduzam as proezas dos “pequeños” simplesmente a vitórias sobre Real Madrid e Barcelona, nem esse foi o mote para este artigo, já que começámos por falar da Cultural Leonesa, a coqueluche da Copa do Rei, que hoje tem mais um dia atarefado.

O Guadix tem sido cliente habitual das divisões secundárias do futebol espanhol, mas também teve o seu lugar ao sol quando, em janeiro de 2001, depois de empatar 4-4 com o fortíssimo Valência de Hector Cúper, que chegou à final da Liga dos Campeões, foi superior no desempate por grandes penalidades: 6-5. Em 2008, antes ainda do “alcorconazo”, já Pellegrini tinha levado para casa uma humilhação do mesmo calibre. Era treinador do Villarreal, a viver um momento bom da sua existência, mas a deslocação a El Ejido, ali para os lados de Almeria, caiu-lhe em cima da cabeça com o peso de uma bigorna: 5-0 frente ao modestíssimo Deportivo local. Na volta, apenas 1-1.

Olha-se para a lista das partidas dos oitavos-de-final e ainda há quem sonhe com escândalos. La Cultu acima de todos, é justo dar-lhe esse crédito. Mas também o Mirandés, que recebe o Sevilha, amanhã pelas 20h00. Até porque a equipa de Miranda de Ebro já esteve nas meias-finais, em 2012, após ter eliminado três adversários de primeira, o Villarreal, o Racing Santander e o Espanhol. Os sevilhanos têm motivos para desconfiar.