No próximo dia 4 de fevereiro, Viseu volta a ter futebol de primeira, algo que há muito não se vê – desde 1989, mais precisamente, última época em que os viseenses estiveram na i Divisão. Curiosamente, dez épocas certas sobre a da estreia. O destino tem destas coisas, ninguém estranha por aí além, e muito sofreu o Académico entretanto, ele que não nasceu de Viseu mas se tornou de Viseu. Eu explico: foi fundado em 1914 como Clube Académico de Futebol. O de Viseu vinha por acréscimo, não era oficial, tal como acontece com os Vitórias, o Sport Clube e o Futebol Clube, que levam Guimarães e Setúbal à laia de apelido. Só que o ano de 2006 foi ano de desgraça: atolado em dívidas, recebeu a extrema-unção por decisão judicial e extinguiu-se. Valeram os vizinhos de Farminhão, ali para os lados do Outeiro Real. O Grupo Desportivo do Farminhão, que andava pelas distritais, declarou-se Académico de Viseu Futebol Clube e assumiu o lugar do defunto. Passou a jogar no Estádio do Fontelo, a vestir-se de negro em vez de cor de vinho, e veio por aí acima até à ii Liga e a esta inédita meia-final da Taça de Portugal, contra o FC Porto.
Bom, é preciso dizer que ainda não há, pelos vistos, a certeza de que o jogo seja no Fontelo. Marcado para umas incomodativas 20h45, terça-feira ainda por cima, há a questão da iluminação, não a iluminação necessária para a malta das bancadas ver a bola, mas a que exige a fundamental transmissão televisiva. Ficamos à espera de novidades.
Vem a propósito deste Académico de Viseu (já absolutamente de Viseu)-FC Porto lembrar a visita dos portistas no mês de junho de 1979, a primeira para o campeonato nacional, um campeonato, aliás, que os azuis-e-brancos venceram com um ponto de avanço sobre o Benfica. Jornada 29, viseenses condenados à descida, sem aguentarem a pressão de uma prova para a qual surgiram mal preparados, a despeito de contarem com gente de competência, vejam bem, havia o José Freixo e o Teixeirinha, o Sérgio Albasini e o Ramon, o Penteado e o José Rachão. De pouco serviu.
A história costuma repetir-se? Com mais frequência do que supõem os incréus. Se é provável que o FC Porto não vá a Viseu no dia 4 de fevereiro, também não foi no dia 6 de junho. A partida teve lugar em São João da Madeira por impedimento do Fontelo.
O FC Porto, de Pedroto, era potente. Na linha da frente, Costa, Oliveira e Duda forneciam ao grande Fernando Gomes material para que ele saciasse a sua fome de golos, caminhando furiosamente em direção à Bota de Ouro da Europa. Nessa tarde, foram quatro! O homem estava imparável! Metia medo a qualquer keeper e António Vaz, que tivera tardes formidáveis nas Antas e no Bonfim, com as camisolas do FC Porto e do Vitória de Setúbal, não entrou para a lista das exceções.
Cinco!
José Moniz ainda tentou surpreender os portistas com uma tática subversiva. Ou seja, foi para cima deles. O atrevimento durou 20 minutos. Para dominar aquele FC Porto era preciso uma estaleca que o Académico estava muito longe de ter. O feitiço não tardou a virar-se contra o feiticeiro.
Ao passar da meia hora, já os viseenses estavam à beira de um sufoco. Vagas do meio-campo comandadas por Romeu e Frasco encostavam-nos às cordas. Ainda assim, foram resistindo como puderam. E evitando o golo até ao momento em que Costa e Oliveira desataram por ali fora em tabelinhas e obrigaram Vaz a defender para a frente, para o preciso lugar em que surgiu o inevitável Gomes. Quarenta e três minutos. O intervalo vinha a calhar. Mas no segundo tempo não houve nem misericórdia nem perdão.
Dois minutos após o apito de recomeço do árbitro Santos Luís, Gomes fez 2-0. Outra vez de recarga, desta vez com a bola a espichar na trave depois do remate de Duda. A seguir foi a vez de José Alberto Costa, saído repentinamente da sua faixa esquerda: 3-0. Uma onda de bandeirinhas azuis agitava-se nas bancadas. A jornada seguinte seria a última, o Barreirense visitava as Antas, ninguém seria capaz de pôr em causa um novo título, o segundo consecutivo depois daquelas malditas épocas de jejum.
Pobre Académico. Fernando Gomes é feroz. Nos últimos 15 minutos marca por mais duas vezes, aos 79 e 82. Goleada firme: 0-5. A i Divisão sumira-se com o pesadelo de 24 derrotas em 30 jogos. Quase metade. A despedida foi na Luz, uma semana mais tarde, e o resultado, maldosamente, o mesmo. Vaz sofreu mais cinco. Três de Nené.