Arte. Uma década de gastos milionários, reaparecimentos e desaparecimentos

Arte. Uma década de gastos milionários, reaparecimentos e desaparecimentos


Com o final da década à porta, fazemos um balanço do que mais importante aconteceu no mundo da arte nos últimos dez anos. Colecionadores que abriram os cordões à bolsa, obras-primas que reapareceram depois de anos julgadas perdidas e a curiosa história da pintura mais cara de sempre, cujo paradeiro é uma incógnita.


Os Reaparecidos. Um Cimabue na porta da cozinha

Estranhas coincidências podem levar ao aparecimento de verdadeiros tesouros nos sítios mais inesperados. Por exemplo, em Compiège, nos arredores de Paris, uma senhora tinha pendurada na porta da cozinha uma pintura avaliada em cerca de seis milhões de euros. Estamos a falar de uma obra do artista florentino Cimabue encontrada, em setembro.

É importante recordar que, em 2014, reapareceram duas obras de Caravaggio que se achavam perdidas há séculos. A historiadora de arte Mina Gregori descobriu Maria Madalena em Êxtase na coleção privada de uma família europeia (cuja identfidade não foi revelada) e uma família francesa encontrou no seu sótão Judite e Holofernes, uma pintura de grandes dimensões que retrata a decapitação do general assírio Holofernes. Esta última foi vendida a um colecionador não identificado, que também não quis revelar o valor da transação. No entanto, sabe-se que caso tivesse ido a leilão, a obra poderia ter atingido os 150 milhões de euros. Também em França, o galerista luso-francês Philippe Mendes anunciou a descoberta de um estudo de Delacroix para as famosas Femmes d’Alger.

Se sótãos são sítios adequados para arrumar obras de arte que valem milhões, já o desenho do pintor austríaco Gustav Klimt Duas mulheres deitadas foi encontrado escondido num armário, e restituído pelos herdeiros de uma empregada de museu que o tinha roubado. Houve outro quadro de Klimt recuperado este ano: Retrato de Uma Senhora, uma obra com o valor estimado em 60 milhões de euros, que se julgava ter sido roubada há 23 anos, reapareceu este mês num compartimento secreto na própria galeria de arte onde se encontrava exposta, Ricci-Oddi, em Piacenza.

A década foi particularmente cruel para todos aqueles que possuíam ilegalmente propriedade alheia. Que o diga Pierre Le Guennec, antigo eletricista de Picasso, e a sua esposa, que escondiam 271 obras do pintor espanhol e que acabaram por ser condenados a dois anos de prisão com pena suspensa.

 

As grandes vendas. Milhões de loucuras

A presente década foi marcada pelos elevados valores alcançados no mercado de arte, com vários quadros a atingirem valores de nove dígitos.

O primeiro quadro da década a chegar a estes valores foi Nu, folhas e busto, de Pablo Picasso, vendido por 106,5 milhões de dólares (95 milhões de euros). O comprador permanece anónimo mas especula-se que tenha sido o bilionário russo Roman Abramovich, proprietário do clube londrino Chelsea. Um valor que parece diminuto quando comparado com os 450 milhões de dólares (cerca 401 milhões de euros) gastos por um príncipe saudita para comprar o quadro Salvator Mundi, de Leonardo Da Vinci, em 2017. Uma exorbitância sem precedentes.

Com Salvator Mundi a liderar as pinturas mais caras de sempre, o restante top 10, segundo o Catawiki, plataforma online de leilão de itens de coleção, é todo ocupado por negócios que aconteceram nos anos 2010. A lista é ocupada ainda por (ordem decrescente) Interchange, de Willem de Kooning (cerca de 283 milhões, em 2015), No 17A, de Jackson Pollock (177 milhões de euros, em 2015), The Card Player, de Paul Cézanne (173 milhões, em 2011), When Will You Marry?, de Paul Gauguin (162 milhões de euros em 2014), Les Femmes d’Alger (Version O), de Pablo Picasso (161 milhões de euros em 2015), Pendant portraits of Maerten Soomans and Oopjen Coppit, de Rembrandt (160 milhões de euros em 2015), Nu couché, de Amedeo Modigliani (158 milhões de euros em 2015), No. 6 (Violet, Green and Red), de Mark Rothko (140 milhões de euros em 2014), e No 5, 1984, de Jackson Pollock (109 milhões de euros em 2011). 

Contudo, a década encerra com um ano que não se revelou “particularmente” lucrativo no mundo dos leilões. A tendência é para despender mais dinheiro em obras de clássicos contemporâneos. A obra mais cara do ano foi Meules, de Claude Monet, vendida em maio por cerca de 99 milhões de euros, tornando-se assim o quadro mais caro do pintor francês.

 

O mistério. O estranho caso de Salvator Mundi

Já se referiu que Salvator Mundi é o quadro mais caro de sempre. Mas ainda mais curioso do que a sua etiqueta, é o seu paradeiro atual.

A história reza que este quadro foi, possivelmente, pintado por Leonardo da Vinci para Luís XII da França e sua companheira, Ana, Duquesa de Bretanha, por volta de 1500. No século seguinte, foi adquirida por Carlos I de Inglaterra, em 1649, e mantido na sua coleção de arte particular até ser leiloado pelo filho do Duque de Buckingham e Normandia em 1763.

A obra viria a reaparecer em 1900, quando foi comprada pelo colecionador britânico, Francis Cook, 1.º Visconde de Monserrate. Danificada por tentativas de restauro, pensava-se que tinha sido pintada por Bernardino Luini, discípulo de Leonardo. Os descendentes de Cook venderam a obra num leilão, em 1958, pelo valor irrisório de 45 libras.
Em 2005, a pintura foi adquirida por um grupo de investigadores, que incluía Robert Simon, especialista em mestres da arte antiga. Depois de um longo restauro, em 2011 foi possível obter a confirmação de que tinha sido efetivamente criada por Da Vinci.

A obra trocaria de mãos mais uma vez em 2013, e foi comprada pelo magnata russo Dmitry Rybolovlev (atual presidente do clube de futebol AS Mónaco), que pagou 108,3 milhões de euros. Em 2013, para pagar o divórcio (o mais caro de sempre)o oligarca decidiu vender a pintura.

Apesar de não haver a certeza sobre quem a comprou, há quem aponte para Mohammad bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita. No ano em que assinalou o 500.º aniversário da morte do pintor, era suposto a pintura estar exposta no Louvre Abu Dhabi. Mas ninguém conseguiu determinar o paradeiro de Salvator Mundi.
O caso foi denunciado pelo New York Times. As suspeitas surgiram em setembro de 2018, quando o quadro deveria ter sido exposto ao público numa grande cerimónia nunca chegou a acontecer.de Salvator Mundi.