“A degradação dos edifícios e o elevado preço do m2 expulsam os habitantes jovens e tornam a capital portuguesa numa cidade cada vez mais despovoada. […] As casas desocupadas abundam no centro histórico, em bairros tão conhecidos como Chiado, Baixa, Alfama, Graça ou Alcântara. É uma imagem que se repete até nas zonas mais caras. Entre as lojas de luxo, hotéis, bancos e empresas multinacionais somam-se edifícios em avançado estado de degradação. […] Às noites e aos fins de semana, Lisboa esvazia-se e há zonas que adquirem um ar fantasmagórico. Alguns bairros mais centrais, onde não faltam edifícios abandonados, têm brutais carências de serviços. E perante a falta de procura, há pouca oferta de lojas, bares ou táxis, o que afugenta os mais jovens, que optam por viver em bairros mais periféricos, mas com mais vida”.
Passou uma década desde que o jornal espanhol El País retratou Lisboa como “a capital do vazio”. Em 2010, o periódico visitou a cidade e encontrou uma metrópole abandonada, envelhecida. Uma cidade “decadente” na qual os jovens não aguentavam viver: “O coração de Lisboa está envelhecido”.
Esta Lisboa que entra agora em 2020 é o contrário da de há dez anos: uma cidade cosmopolita, cheia de pessoas, onde os jovens não se fixam não por falta de vontade, mas porque a procura é tanta que a tornou só acessível aos bolsos de alguns. Os prédios abandonados deram lugar a hotéis de luxo, a hostels e a apartamentos milionários. E o sucesso internacional é tanto que o mesmo jornal se queixa agora dos prémios que Lisboa arrecada.
Em maio, num artigo publicado naquele periódico, é referido que a “chuva de prémios que caem sobre a capital portuguesa são às vezes ridículos (e suspeitos)”. O correspondente do jornal em Lisboa ridiculariza mesmo o destaque internacional do turismo lisboeta, referindo que a Portela conseguiu o feito de ser eleito – em distinções diferentes – o melhor e o pior aeroporto do mundo: “Não há semana sem prémio para Lisboa. Ao melhor hotel de cinco estrelas, ao melhor sem estrelas, aos restaurantes, aos monumentos ou museus, à simpatia, à arquitetura, à inovação, à antiguidade, incluindo das suas estradas. Com as principais ruas de Lisboa e bairros a transbordar, talvez fosse hora de o Turismo de Portugal travar o seu ímpeto, correndo o risco de cair no ridículo, ainda que talvez já tenha caído”.
Na cidade de há dez anos, os problemas relatados pelo jornal eram completamente diferentes: “Lisboa e Porto encabeçam a lista de cidades da União Europeia que mais se esvaziaram desde 1999 e com o maior índice (24%) de habitantes com mais de 65 anos”.
E não era só o El País a retratar o abandono a que Lisboa e o país estavam destinados. Dois anos antes, a estação televisiva árabe Al Jazeera tinha aproveitado a ação de José Sá Fernandes, então deputado do BE, contra a corrupção para traçar um retrato negro do país e da capital: “Lisboa foi em tempos o centro de um império rico. A capital portuguesa é como muitas das suas fachadas: já viu dias melhores. Estes edifícios em ruínas são a prova de uma cidade em estado de tumulto. Uma cidade desiludida com as políticas erradas e uma liderança corrupta. A corrupção é tão generalizada, que tornou os cidadãos impotentes e fez com que as obras governamentais chegassem a um impasse”. A reportagem mostra ainda a tomada de posse de António Costa como presidente da autarquia.
Cidade que abriga grandes eventos como o WebSummit, que foi escolhida por Madonna e que todos os dias recebe – para ficar – pessoas de todos os cantos do mundo, Lisboa já não é essa metrópole.
E não é preciso procurar muito até encontrar uma descrição atual da capital portuguesa: basta pesquisar “Lisbon” no site do New York Times, que surge logo um artigo de novembro sobre as montras da cidade.
“Lisboa é considerada uma das capitais mais bonitas da Europa”, começa o texto que cita de seguida Erich Maria Remarque: “De dia, Lisboa tem uma qualidade teatral ingénua que encanta e cativa, mas à noite é uma cidade de conto de fadas, descendo sobre terraços iluminados para o mar, como uma mulher em roupas festivas que desce para encontrar o seu misterioso amante”.
O Porto, a cidade que há dez anos estava abandonada
As palavras são de Mário Ferreira, o CEO da Douro Azul numa declaração recente: “Há 10 anos atrás, o Porto não estava deserto, estava abandonado”. E era exatamente isso que dizia quem visitava a Invicta de então. Numa reportagem publicada no Diário de Notícias em 2010, notava-se o desencanto dos turistas por uma cidade que tem tudo para ser encantada. “É lindo! Uma vista fabulosa de uma das cidades mais bonitas da Europa”, diziam alguns turistas ao jornal enquanto perdiam o olhar no cais de Gaia sobre o Porto. Mas havia coisas que não gostavam de ver: “As casas estão em muito mau estado. É uma cidade a precisar de obras”.
“É uma cidade bonita mas está um pouco abandonada. Os edifícios estão muito degradados e isso dá uma má imagem”, resumiu na altura Philip Poincijnon.
Hoje, a realidade, tal como acontece em Lisboa, é outra. E o Porto, ainda que tenha os seus problemas, está longe de ser uma cidade deserta ou ao abandono. E foi também por isso que em 2017 o Porto foi destaque internacional ao ser eleito o melhor destino europeu, deixando para trás cidades como Milão, e Gdansk.
Mas o reconhecimento dessa escalada e do boom do turismo português está muito longe de se ficar por aí, pelo Porto ou até mesmo pela capital. Já este ano, nas últimas semanas, aliás, o país voltou a ser o grande vencedor dos World Travel Awards – considerados os Óscares do turismo – e cuja cerimónia final se realizou em Mascate, Omã.
Portugal, uma espécie de CR7 dos países
Pelo terceiro ano consecutivo, Portugal ganhou o título de melhor destino turístico do mundo. Para trás, os 200 mil profissionais do setor, de 160 países, deixaram candidatos como Brasil, Dubai, Índia, Grécia, Estados Unidos e Espanha.
Portugal arrecadou 12 prémios. A Madeira foi eleita o melhor destino insular, Lisboa o melhor destino de escapadelas urbanas do mundo e os Passadiços do Paiva a melhor atração turística de aventura. Também a TAP ganhou prémios em três categorias.
Estes prémios surgiram depois de no verão o país ter recebido diversas distinções a nível europeu, numa gala que teve lugar no Funchal, como a de melhor destino do continente, melhor ilha (Madeira), melhor destino de praia (Algarve) e melhor city break (Lisboa).
Hoje Portugal tem problemas, mas o abandono das suas cidades, a desertificação já não fazem parte da lista. Na próxima década, o desafio passa por alcançar o equilíbrio entre o turismo e o direito à habitação dos portugueses, muitos obrigados a fugir das suas casas devido aos preços exorbitantes e em alguns casos a fenómenos de “bullying imobiliário”.
Quem diria há dez anos, que os problemas de cidades como Lisboa ou Porto em 2019 fosse gente a mais?