André Silva. “O setor agropecuário acha que está acima de tudo”

André Silva. “O setor agropecuário acha que está acima de tudo”


Deputado do PAN fala sobre a proposta da lei de bases do clima e do Orçamento do Estado para 2020.


Quais são os principais objetivos da lei de bases do clima apresentada recentemente pelo PAN?

Esta lei permite passarmos de um conjunto de intenções, de planos, estratégias e roteiros para práticas efetivas não só de redução de emissões, mas também em matéria de defesa das populações dos efeitos das alterações climáticas. No fundo pretendemos que, num contexto de emergência climática e ambiental, com esta lei atingir a neutralidade carbónica, estimulando a economia, melhorando a saúde e a qualidade de vida das pessoas e cuidando da natureza, não deixando ninguém para trás. Com isto pretendemos responsabilizar e estimular todos: aqueles que no fundo desenvolvem práticas económicas – seja a produção de energia, seja na mobilidade, o setor têxtil, agrícola, florestal e industrial. E depois responsabilizar também o Governo e a Assembleia da República, sendo que o Governo fica obrigado a apresentar de cinco em cinco anos aquilo que são os planos para a redução das emissões e os planos de combate setoriais e gerais de adaptação às alterações climáticas. Sendo que anualmente uma outra entidade que também será chamada para esta lei – a ciência, através de organizações não governamentais e as universidades, ou seja, uma comissão independente que no fundo acompanha o cumprimento destas metas e destes objetivos – entrega à AR um relatório do estado da questão, de como é que ao nível não só de mitigação e redução, mas também da adaptação, o Governo está ou não está a cumprir aquilo que ficou definido. Sendo que a AR pode a qualquer momento agir – chamar o Governo, responsabilizar, e ou, se for também esse o caso, alterar as metas.

 

E que metas são essas?

Nós partimos do roteiro para a neutralidade de 2050 que o Governo implementou. O que nós pretendemos é dar força de lei àquilo que são a redução das emissões de gases com efeitos de estufa até 2050, que tenha força de lei e que isso possa ser alterado não pelo Governo, mas pela AR. Desse ponto de vista, não estamos a fazer qualquer alteração ao atual paradigma, àquilo que o Governo apresentou enquanto metas de redução.

Em que situação poderia haver alterações?

Se entendermos em debate, daqui a cinco anos, que estamos num contexto de emergência climática em que as questões relacionadas com a estabilidade do clima se alteram enormemente. Porque se a ciência disser daqui a dois ou três anos que isto de facto está um pouco melhor ou muito pior do que aquilo que tínhamos previsto, então, se assim for o caso, a AR pode alterar na lei de bases aquilo que são as metas e os objetivos e evidentemente depois o Governo terá que adaptar os seus planos e as suas estratégias para concretizar os seus objetivos.

 

Na prática, o que é que a aprovação desta lei poderia implicar para o país?

Por exemplo, sabemos que com a subida do nível do mar, vastas zonas costeiras serão inundadas. Daqui a 50 anos, a zona onde está a ser implementado o aeroporto do Montijo estará submersa e parte da zona da Costa de Caparica também. O Governo terá de em 2021 ou 2022, entregar um plano de ação que preveja de que forma vai localizar as populações atingidas, quanto é que custa, como é que vai financiar e quando iniciam e terminam as obras. 
E em relação ao aeroporto do Montijo?
O Governo deverá optar por não construir o aeroporto do Montijo, mas sim por encontrar uma outra zona, com uma quota mais elevada em que se saiba que a subida do nível das águas do mar não atinja.

 

Em que outras áreas é que esta lei de bases pode influenciar a vida dos portugueses?

Diz a comunidade científica que temos uma probabilidade enorme de dentro de poucos anos termos um país muito desertificado, com escassez hídricas enormes, agravando-se aquilo que se está a passar no Algarve e no interior alentejano. Por isso, tem de haver um plano para a produção de alimentos. Faz sentido num contexto de adaptação às alterações climáticas estar no distrito de Beja a produzir milho ou olival intensivo, que requer diária e constantemente quantidades enorme de água? O que a Confederação de Agricultores Portugueses [CAP] e os interesses económicos dizem é que os olivais intensivos têm associados uma tecnologia muito avançada relativamente à disponibilização de água, porque rega gota a gota e só disponibiliza àquilo que é estritamente necessário. Eu percebo isso, só que o estritamente necessário é uma quantidade incomensurável de água que nós consideramos irresponsável, num contexto de emergência climática. Temos de encontrar forma de adaptar as culturas.

 

E em termos de transportes?

Ao nível da mobilidade tem de haver a procura de investimento fora do país, seja através de fundos que vêm da União Europeia, da ONU, de vária entidades inclusivamente entidades privadas. Não temos que ter preconceitos no combate às alterações climáticas. É cada vez mais importante concretizar esta narrativa no sentido de garantir que os transportes públicos são eficientes, confortáveis e em quantidade significativa para que, nas grandes concentrações de pessoas, haja de facto condições para a esmagadora maioria das pessoas ter por perto uma paragem de autocarro, de metro ou de comboio.

 

A ideia é proibir o uso de carros na cidade?

Isso pode ocorrer, mas antes disso ou paralelamente com essa proposta, temos de oferecer. O que adianta dizer que as matriculas impares só andam a determinados dias e as pares a outros? Eu conseguia reduzir para metade o número de automóveis dentro da cidade de Lisboa ou no Porto, mas se não desse alternativas criava atritos sociais e económicos enormes. Sim, devemos pensar em medidas dessas, se e quando houver verdadeiras e reais alternativas.

 

E no setor da energia? Começam já a surgir algumas medidas concretas: o Governo anunciou o fecho da central do Pego e de Sines.

É importante fazermos rapidamente esta transição energética. Estamos positivamente expectantes com a iniciativa de fechar o Pego em 2021 e fechar Sines em 2023 e com os leilões de energia [solar] que já estão a ocorrer e aqueles que hão de acontecer.

 

Tem de haver algo que compense o fecho das centrais.

Claro. Fizemos as contas e é possível encerrar estas duas centrais desde que se consiga compensar a produção da queima de carvão através do fotovoltaico e dos leilões de energia que já foram feitos e daqueles que hão de ocorrer em 2023. Foi isso que sempre argumentámos, o Governo percebeu finalmente que tecnicamente é possível e por isso avançou com essa proposta e também com a proposta de realização de um estudo aos trabalhadores das centrais – são cerca de cinco centenas de trabalhadores – com vista à sua requalificação profissional.

 

Ou seja, a lei de bases do clima irá influenciar muitos aspetos da economia doméstica dos portugueses.

Quando falamos em produção de energia, mobilidade, transportes, florestas, produção de alimentos, agricultura, têxtil, tudo é economia e tudo de uma forma ou de outra influência a vida das pessoas. Nós temos mesmo de mudar drasticamente a forma como nos relacionamos com o planeta, a forma como vivemos, como produzimos e exploramos bens.

 

Acha que será fácil chegar a um consenso com os outros partidos quanto à aprovação deste documento?

Neste momento, não seria desejável – seria absolutamente irresponsável – que existissem entraves. O PAN quer fazer um processo construtivo e gostávamos que existissem mais partidos que pudessem contribuir para esta matéria e que pudesse haver um consenso ou pelo menos uma maioria muito alargada. Esta e uma lei que não pode passar à tabela, não pode haver grandes atritos e dissonâncias porque ela tem de resistir às legislaturas.

 

E os portugueses estão preparados para as alterações que isso implica?

Penso que sim. Os portugueses escolheram os partidos que tiveram essas preocupações. Cada vez mais, os portugueses percebem, sentem e acolhem a proposta de que nós temos que fazer alterações drásticas na forma como consumimos e como nos posicionamos na economia. Não há outra forma… Nós estamos a 10 anos do ponto de não retorno. Com a temperatura média da atmosfera acima de 1,5ºC, corremos o risco de o equilíbrio meteorológico e climático tal como o conhecemos hoje se alterar completamente.

 

Mas existe ou não essa consciência na sociedade?

Quando falamos em mudanças drásticas nestas matérias, as reações fortes de desagrado não vêm da sociedade. O que nós vemos são os setores a reagir. O da energia, a CAP… Há uma série de interesses económicos presos num certo atavismo – querem continuar a produzir bens e serviços da mesma forma que sempre o fizeram. Tem de haver uma elasticidade enorme para percebermos que no contexto em que vivemos é necessário alterar a forma como estamos a fazer economia, como estamos a produzir riqueza. A lei de bases do clima e o espírito do PAN não têm como objetivo travar o desenvolvimento económico. O que está a ser feito neste momento não é desenvolvimento económico, é produção de riqueza à custa da depredação de bens naturais e do esgotamento de ecossistemas. Tem de haver coragem política para contrariar aquilo que são as resistências enormes dos interesses económicos.

 

Mas há setores com muito poder junto do poder político…

Por isso é que digo que tem de haver coragem política no sentido de os contrariar. O objetivo não é desenvolver uma iniciativa legislativa ou um programa de Governo completamente à margem desses parceiros e criar ruturas. E eles começam a perceber isso e estão de uma forma geral, com exceção do setor agropecuário, a estar alinhados com este espírito.

É esse o feedback que vai recebendo?

Sim. Quando o Governo apresentou o roteiro para a descarbonização, todas as metas se mantiveram menos a do setor agrícola. Temos o setor do cimento a querer colaborar, o setor do plástico também, a própria EDP não fez grande ruído aquando do encerramento das centrais. O grande ruído veio do setor agrícola.

E porquê esta diferença entre o setor agrícola e os restantes?

Porque a direção da CAP tem uma perspetiva negacionista em relação às alterações climáticas. E entende que estão acima de tudo. O setor industrial, a produção de energia e a mobilidade podem e devem alterar-se e contribuir para a neutralidade carbónica, eles entendem que não, com justificações da tradição e dos interesse económicos dos seus associados. Os impactos tocam a toda a gente: falámos há pouco no impacto do encerramento das centrais em cinco centenas de pessoas, mas é possível requalificá-las – nos próximos 20 anos, só o setor do fotovoltaico vai empregar entre 10 a 15 mil pessoas. Toda a questão do contexto de emergência climática e das alterações que temos de fazer na economia em cada um dos pilares vai gerar novos empregos verdes. Vão-se perder alguns empregos? Sim. Há setores que vão ser de alguma forma afetados? Sim, mas ao reconverter estes setores para uma economia de produção mais verde, outros empregos se vão criar e muitas vezes até em maior número. Há uma resistência enorme deste setor em particular. A CAP tem feito pressão no Governo e este infelizmente tem cedido. Por exemplo, o Governo não só não evita a produção de gado vivo para transporte para países terceiro, mas ainda o estimula. Estamos a falar de um negócio que era residual há uns três ou quatro anos e agora tem um valor na ordem dos 100 milhões de euros.

Que balanço faz da COP25?

Antes de mais, tenho de valorizar a posição do Governo português. No que diz respeito aos objetivos da neutralidade carbónica da UE, o Governo português tem uma posição coerente e correta. Esta COP foi um fiasco na medida em que não se avançou, não se alterou nada naquilo que era o mais fundamental, que é o artigo 6º [do Acordo de Paris], que diz respeito ao mercado de carbono. A COP deveria servir para estabelecer regras neste artigo para em Glasgow, em novembro de 2020, já não estarmos a discutir isto. Este ano fechavam-se as regras do Acordo de Paris para que em 2020 cada um dos países pudesse dizer quais são as suas reais contribuições para a próxima década. O que vamos assistir em Glasgow será a continuação da COP25 de Madrid.

 

Houve falta de vontade política para avançar?

Sim, mas não de Portugal. Os governos de Trump, Bolsonaro e XiJiping é que estão interessados em defender aquilo que são as economias dos seus países à custa do bem comum de todos nós. Foram acima de tudo estes países, juntando também a Austrália e a Índia, que acabaram de alguma forma por inviabilizar isto. Espero que possa existir um retorno dos EUA à racionalidade e à sensatez e que regressem ao Acordo de Paris – são um bloco geopolítico extremamente importante.

 

Acha que há um aproveitamento político dos temas ambientais?

Sim. E cá também. Veja-se o exemplo do PS. Em campanha eleitoral enfatizou muito as matérias das alterações climáticas, tinha quatro pilares fundamentais e prioritários, em que um deles era o combate às alterações climáticas, mas depois vê-se que naquilo que interessa, que se chama proposta do Orçamento do Estado, Mário Centeno falou nas várias prioridades para o país e o ambiente e as alterações climáticas ficaram completamente arredadas do discurso. Este é um Governo que quer atingir a neutralidade carbónica em 2050, mas que continua a manter em aberto a possibilidade de explorar petróleo e gás no nosso país. Outro exemplo: se olharmos para o orçamento do fundo ambiental, apenas 17% dos 476 milhões disponibilizados são destinados realmente a medidas que concretizam os objetivos deste fundo. Se formos consultar o decreto de lei, vemos que os objetivo do fundo são a mitigação e adaptação às alterações climáticas, conservação da natureza, dos recurso hídricos, dos solos, etc. Mas depois vemos que um quarto do fundo ambiental é destinado à EDP, para compensar o défice tarifário, parte é para manutenções do metro de Lisboa, do Porto e da CP, e os tais 17% são para os outros objetivos. O dinheiro não está a servir para o fundamental, está a servir para tapar outros buracos. Num quadro em que, por exemplo, aumenta ciclicamente a taxa de perda de biodiversidade. Para termos uma noção, há uma semana, o coelho entrou para a lista dos animais em risco de extinção. Claro que há um aproveitamento político dos principais partidos nesta matéria, mas cada vez mais as pessoas vão percebendo que há uma incoerência enorme entre aquilo que se diz, os programas eleitorais e o que na prática é feito. Parte dessa população mais informada são os jovens que estão mais conscientes para estas questões e têm-se manifestado.

 

Estes jovens são os futuros eleitores do PAN?

Espero que estes jovens votem em partidos coerentes. Se de facto acreditam que temos de fazer um combate forte às alterações climáticas, que votem em partidos que lutam no dia-a-dia, nos orçamentos do Estado e nas iniciativas legislativas para mudar alguma coisa. 

Qual é a sua opinião sobre Greta Thunberg? E por que razão causa tantas reações extremas?

Greta Thunberg é uma pessoa que traz uma mensagem fortíssima e importante. Ela apenas tem sido a voz da comunidade científica e de milhões de pessoas em todo o mundo. Greta Thunberg não emite opiniões pessoais baseadas em sentimentalismo. Pega naquilo que são as evidências e os dados científicos e confronta de forma crua a classe política em todo o mundo com as suas incoerências. E isto causa bastantes atritos e incómodos nos partidos que estão a governar e nos interesses económicos que a atacam fortemente com posições paternalistas do género ‘não vai ser uma miúda de 15 ou 16 anos que nos vai dizer como temos de fazer o combate às alterações climáticas’. Mas infelizmente é. Infelizmente essas pessoas são muito pobres no que diz respeito à empatia para com o outro. A maior parte dos governantes são emocionalmente, sentimentalmente e empaticamente pobres relativamente à forma como olham para o outro. O homo sapiens está a ser tudo menos inteligente, está a criar todas as condições para não sobrevivermos neste planeta. E é isto que a Greta tem vindo a dizer. Ela tem sido fantástica.

Mas mesmo na opinião pública – que hoje manifesta-se essencialmente através das redes sociais – há muitas pessoas incomodadas com esta adolescente e com o que ela representa.

É alguém que não tem por detrás nenhum patrão político, não tem nenhum setor de atividade económica a patrociná-la, não tem qualquer conflito de interesses, apenas tem um coração e uma consciência enorme. É uma pessoa do século XXI que está a falar para pessoas ainda do século XX, que estão noutro paradigma e que não se conseguem libertar dessas amarras. Sentem-se absolutamente esmagados e atacados por alguém que tem uma consciência enormíssima e que por isso mesmo consegue arrastar milhões de pessoas. 

 

Falemos agora sobre o crescimento do PAN. Como tem corrido a passagem de deputado único a membro de um grupo parlamentar?

É positivo na medida em que nos dá mais ferramentas para fazer política. Temos mais tempo de intervenção, podemos intervir em todos os debates e existindo mais pessoas temos uma maior capacidade de iniciativa, de estarmos em mais comissões, de agendarmos debates em comissões, de agendarmos projetos de lei em plenário. Temos uma visibilidade diferente, que eu espero que saibamos aproveitar para fazer avançar propostas que deem resposta àquilo que são as nossas principais preocupações. Queremos continuar, com toda a humildade, a aprender e a evoluir e a aprofundar matérias.

Como é a relação entre o PAN e os Verdes? E porque há mais pessoas a identificarem-se com o PAN do que com o PEV? Tem a ver com a questão da ligação ao PCP?

A relação com Os Verdes é boa. Aliás, o PAN tem uma relação boa com todos os partidos. Há um canal aberto de diálogo permanente com todos os partidos para podermos, a cada momento, convergir e fazer pontes com os vários campos políticos. Os Verdes estão intimamente ligados ao PCP, estamos a falar de dois deputados que são ambientalistas, mas que têm uma visão comunista da sociedade. O PAN, por outro lado, traz uma outra mundivisão, de uma ecologia mais profunda, e não coloca as questões em caixas ou em gavetas. E discordamos em absoluto da ideia de que a ecologia tenha de ser esquerda.

 

Porquê?

O PEV defende que o problema das alterações climáticas se prende com o capitalismo. E não é verdade. Prende-se com o produtivismo e o extrativismo. Ou seja, de facto, o capitalismo tem sido um potenciador enorme de degradação e devastação ambiental e de promoção das alterações climáticas, não tenho dúvidas nenhumas disso. Mas não é exclusivo. Aquilo que está na base em todos os países mais liberais ou mais socialistas é a extração desregrada de recursos para um modelo consumista. Basta olhar para os países e estados socialistas na América Latina e perceber como é que eles produzem riqueza. Basta olhar para a China, governada pelo Partido Comunista chinês, em que a base da economia assenta toda ela num flagrante extrativismo e no produtivismo, com elevadíssimos impactos ambientais. A luta ambiental não se faz combatendo apenas e só o capitalismo, mas sim combatendo práticas ambientalmente agiotas de extração e produção de bens e de serviços. Independentemente de o país estar a ser gerido mais à esquerda ou mais à direita. E isto afasta-nos completamente dos Verdes. 

Pedro Mexia disse no Governo Sombra que o PAN era “os Verdes do PS”.

Percebo as intenções desse comentador, por quem tenho admiração, mas que é incapaz de fazer um comentário positivo a qualquer ação positiva que o PAN tenha feito. Sempre que fala no PAN é com um sentido depreciativo e tem alguma dificuldade em verbalizar e reconhecer ações positivas do PAN. É natural que quem faça – como ele faz – um combate num determinado campo político e erradamente nos reconheça no campo político adversário, faça essas provocações. Não tem qualquer sentido. O eleitorado português e o eleitorado do PAN percebe claramente que nós estamos no Parlamento de uma forma construtiva, não estamos aqui para estar várias décadas a fazer oposição não construtiva. O PS tem demonstrado alguma capacidade de diálogo para acolher algumas propostas do PAN. Se nós gostávamos que fossem mais? Sim. Também gostávamos que partidos como o PSD pudessem encontrar maiores pontos e maiores convergências com o PAN para fazermos avançar algumas matérias.

Não tem sido possível?

Mas isso tem de ser o próprio PSD a fazê-lo. Nós, relativamente aos outros partidos, incluindo ao PS, queremos é fazer avançar propostas.

O PAN não apresenta só propostas na área ambiental…

Temos tantas propostas! Apresentamos propostas em todas as áreas (risos).

 

… Uma das mais recentes foi a de titulares de cargos políticos declararem se são de “associações de caráter discreto”.

É uma medida que está inscrita no nosso programa eleitoral e foi uma proposta que demorou algum tempo a ser feita. Foi preparada, estudada. E nada tem que ver com as recentes declarações de Rui Rio.

O timing foi curioso…

Foi uma coincidência. Nós achamos que esta matéria deve ser debatida como qualquer outra. Entendemos que no século XXI não é concebível que pessoas que pertençam a sociedades secretas ou discretas, que são caracterizadas por fortes hierarquias e por um enorme secretismo ou uma enorme opacidade, não declarem aos seus eleitores que a elas pertencem. Estas são pessoas que ocupam cargos políticos ou altos cargos públicos. Estamos a falar de eventuais ou potenciais conflitos de interesses.

Mas isso não implica logo à partida uma desconfiança em relação à pessoa?

Da mesma forma que os políticos têm de declarar os seus rendimentos, o seu património e se pertencem a sociedades de advogados ou à direção de outras associações com as quais podem ter eventuais conflitos de interesses, nós entendemos que está na hora de também pessoas que têm ligações a associações de caráter discreto poderem de uma forma absolutamente transparente dizê-lo. Quem pertence a uma associação secreta e não está em condições de o dizer, não tem condições para exercer um cargo político.

 

Em relação ao Orçamento do Estado disse que ia tentar empurrar o Governo “na direção certa”. O que achou da proposta apresentada?

Este é um orçamento de continuidade, mas que no fundo está mais preocupado com as questões do cumprimento de metas, do pagamento de dívidas e matérias orçamentais, do que em fazer investimento naquilo que são áreas estruturais. Relativamente àquilo que foram as reivindicações do PAN, a suposta convergência que o Governo diz ter com o PAN é uma convergência bastante reduzida. O que o PAN diz é que na especialidade vai lutar para que a convergência aumente, mas isso vai depender da vontade do Governo.

 

Mas veem de forma positiva medidas como o aumento do IVA nas touradas?

Claro que sim. O Governo finalmente concretiza em Orçamento do Estado aquilo que é o sentimento geral da população portuguesa. Claro que há vozes dissonantes, mas o sentimento geral é este. Mesmo aquelas pessoas que possam ser aficionadas ou que não são abolicionistas da tauromaquia concordam que no mínimo têm de pagar impostos.

 

Que outras medidas agradam ao PAN?

Vemos também como positivo a implementação de uma outra bandeira do PAN: o reforço com 29 milhões de euros na produção agrícola em modo biológico. A agricultura biológica é uma forma de produção de alimentos ambientalmente sustentável e que, ao contrário da agricultura convencional, não introduz agrotóxicos no prato. Saudamos também a iniciativa de estender a todo o país o projeto Housing First, que neste momento se encontra só em Lisboa, com um investimento na ordem dos 8 milhões de euros. Ainda assim, é pouco. Aquilo que pretendemos é que o PS consiga acolher mais propostas [do PAN] que deem respostas a todas as questões que temos vindo a colocar.

 

Posto isto, qual será o sentido de voto do PAN?

Não está definido. A direção do partido ainda não chegou a uma conclusão em relação a esse assunto.