Fernando Lopes, 55 anos
“Sinto que ganhei uma segunda família”
Ofereceu-se para ajudar na campanha do Banco Alimentar (BA) há um ano e nunca mais parou. Aos 55 anos, Fernando Lopes, consultor de profissão, é um dos 250 voluntários regulares dos armazéns do BA em Alcântara. “Comecei por vir duas vezes por semana e agora quase não há dia em que não passe cá”, conta. As tarefas são muitas, da preparação de caixas de alimentos à distribuição por instituições. “É o que for preciso, agora, por exemplo estava a ensacar sumos”, descreve. “Sempre gostei de ajudar, mas nunca tinha tido uma experiência como voluntário. Gostei mais do que estava à espera. Além aproveitar melhor o meu tempo, sinto que ganhei uma segunda família. É uma experiência de contacto, com os outros e com a realidade, que nos leva a pensar em como é que numa sociedade tão evoluída há tantos nichos de pobreza, um grande desequilíbrio que não existe só entre nós, mas que é global”, diz. Sente-se a fazer alguma diferença e é isso o que move. “Mas não sou eu sozinho, somos todos”, sublinha. “Tendo disponibilidade, acho que é uma experiência que toda a gente devia ter”.
Rosário Frias, 64 anos
"Um voluntário tem de dar tempo, talento, compromisso e amor”
Quando chegou pré-reforma, há um ano, apareceu a pergunta: “E agora, o que vou fazer com o meu tempo?”, recorda Rosário Frias. Depois de uma carreira no mundo da gestão, nos últimos 20 anos no grupo José de Mello de Saúde, não demorou a encontrar o seu lugar e pôs a experiência de direção de recursos humanos ao serviço de um projeto lançado pela EntreAjuda. Chama-se Tempo Extra e o objetivo é propor experiências de voluntariado a pessoas que se reformam, em parceria com empresas, que sugerem atividades aos colaboradores de saída. CTT, EDP, Bayer e grupo Mello são alguns dos parceiros. “É o futuro. Reformamo-nos com 65 anos e vivemos até aos 90, é muito tempo em que podemos fazer o que gostamos mas também pôr a nossa experiência ao serviço de outros”. Não basta voluntarismo e essa é uma das aprendizagens que tem feito ao longo do caminho. “Para ser voluntário é preciso dar tempo, dar talento, pôr ao serviço dos outros as nossas competências, mas também compromisso. Um voluntário tem de ter a responsabilidade de se comprometer e ser claro no tempo que quer e pode dar, porque quando isso não acontece as pessoas do outro lado podem sentir-se defraudadas. E depois tem de ter paixão e amor pelo que faz. Tem de ter estas quatro dimensões”, conta. Além do trabalho na coordenação do projeto Tempo Extra, que promove voluntariado em organizações na área social, cultural e ambiental por todo o país, é também voluntária na associação Novo Futuro, que acolhe crianças em risco. “Quando chegamos a esta idade, é uma forma de equilibrarmos a nossa vida e de retribuir.”
João Vilhena da Cunha, 70 anos
“O que se dá também se recebe”
João Vilhena da Cunha chegou a ser voluntário nos tempos de estudante, mas foi já depois da reforma que regressou ‘ao ativo’. “Com as solicitações da vida profissional acabei por deixar, mas sinto que hoje o voluntariado começa a ser encarado de forma diferente. Há mais jovens, é dada outra importância ao voluntariado em termos curriculares e de desenvolvimento pessoal e profissional.” João é voluntário e membro da direção da associação EntreAjuda, que dá apoio a diferentes IPSS, e também no Banco Alimentar. As diferentes tarefas ocupam-lhe 60% do seu tempo e sente-se realizado. “Sentimo-nos úteis e o que dá também se recebe em termos de satisfação pessoal”, remata.
Cristina Fragoso, 56 anos
“Percebi que o compromissoera o mais valioso”
É na rua que Cristina Fragoso tenta fazer a diferença e foi na rua que descobriu o que era ser voluntária. Depois de uma experiência numa associação de apoio a pessoas sem-abrigo, em 2015 fez parte de um grupo que quis lançar um novo projeto para ir um pouco mais longe na ideia de levar a saúde para a rua. Nascia assim a VOX Lisboa, associação focada na promoção da saúde física, mental e social de pessoas em situação vulnerável. E para a qual o tempo e disponibilidade para escutar e ir ao encontro das necessidades de quem vive sem teto é essencial. Comercial numa empresa, Cristina fez também um trabalho de aprendizagem e hoje é formadora de quem chega. A associação conta inclusivamente com médicos voluntários. No projeto Rua com Saída, por exemplo, o objetivo é arranjar estratégias para contornar o estigma e isolamento, que acabam por comprometer a saúde. “Quando iniciei este tipo de voluntariado percebi imediatamente que o compromisso era o mais valioso. A criação de laços de amizade e confiança advém da repetição, do acompanhamento, da escuta permanente. Tal como cultivamos todas as nossas relações sociais, estas têm de ser sustentadas e cuidadas da mesma forma”, conta Cristina, que acredita que quando existe consciência social e vontade de exercer direitos e deveres de cidadania não é difícil sair da zona de conforto para amparar os outros. Mesmo quando isso implica rondas durante a noite, faça o tempo que fizer. Faz quatro horas de voluntariado na rua quinzenalmente, além do trabalho da associação. Se o resultado é recompensador, o mais difícil acaba por ser perceber que ainda há muito a fazer. “Um dos maiores desafios é comunicar aos outros que os caminhos de reintegração das pessoas em situação de sem-abrigo são poucos ou inexistentes. O acompanhamento dos voluntários e voluntárias da VOXLisboa tem um percurso a fazer na tentativa de re-humanização destas pessoas. Mas esse percurso choca inúmeras vezes com a inação dos organismos oficiais, com a falta de resposta de profissionais de serviço social e, sobretudo, com a falta de programas que levem as pessoas em situação de sem-abrigo a perceber que existe alternativa.”
Fátima Campos, 50 anos
“Sou necessária e útil e isso é um sentimento muito bom”
Fátima Campos tem 50 anos, é professora na Escola Secundária Lima de Freitas, em Setúbal, e voluntária nas horas vagas. Conta ao i que “se conhece desde sempre como voluntária” e há dois anos que está ligada à Acreditar – Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro, mais concretamente ao projeto “Aprender Mais”, que dá apoio escolar às crianças que não têm possibilidade de ir à escola por estarem em tratamentos oncológicos. Sabe que é um tipo de voluntariado um pouco diferente, mas que possibilita que se entre no mundo e no universo das famílias. Começou por dar aulas a um jovem por Skype, mas agora faz semanalmente cerca de 20 quilómetros para dar apoio a uma outra criança que não pode ir à escola devido à fase do tratamento em que está. “Neste momento sou necessária e sou útil e isso é um sentimento muito bom, para além de ser uma experiência supre gratificante”, afirma esta experiente voluntária, que considera que este tipo de ações é de tal ordem importante, que acha mesmo que o voluntariado deveria ser uma área ou disciplina nas escolas.
Maria Eugénia Colaço, 61 anos
“As colónias ficam controladas e para a saúde dos gatos é muito bom”
Maria Eugénia Colaço tem “bastantes” gatos. Os seus, e aqueles de que toma conta quase todos os dias. Há anos que ajuda na esterilização destes animais, mas foi durante a última década que “a realidade em que vivem os animais de rua” a fez tornar-se coordenadora do Movimento Esterilização de Gatos de Lisboa (MEG). O grupo tem como principal objetivo a esterilização dos animais, que é “uma das vias, para além do combate ao abandono” para estes animais não serem abatidos. Os voluntários do MEG tratam da recolha, transporte e recolocação dos gatos, enquanto a Casa dos Animais de Lisboa trata da intervenção cirúrgica.
Mas ajudar estes animais nem sempre foi tão fácil como pegar no telefone e fazer uma chamada. O facto de a lei que proíbe o abate de animais em canis municipais só ter entrado em vigor o ano passado, fez com que os cuidadores – pessoas que alimentam e mantém limpos os sítios onde os animais estão – não quisessem este tipo de intervenção. “Tinham medo e achavam que nós íamos levar os gatos e iam ser abatidos, que não voltavam. Depois começaram a ver que isso não acontecia. Começaram a ver que os animais ficam muito melhores, mais gordinhos, com mais saúde, mais calmos”.
Apesar de não haver critérios de seleção, para este tipo de trabalho é preciso “paciência, resistência e capacidade de resistência à frustração”, já que as capturas podem demorar um dia e não haver gatos à espreita. Para além disto, “para a parte da captura é sempre mais difícil arranjar voluntários. Se é verão é porque está calor e não é agradável, se é inverno é porque está frio e chove. Tem que se acreditar que é positivo o que se faz com isto”.
Maria Eugénia Colaço garante que o MEG “tem tido sorte com o número de voluntários necessários”, mas era necessária uma ação em massa, de que o Programa “Esterilizar Solidário” é exemplo. “Só com ações muito grandes é que se consegue fazer com que isto seja mais eficaz. Mas vai-se fazendo aquilo que se pode”.
Júlio Rodrigues, 45 anos
“Se houver mais incentivos, há mais pessoas a ir”.
Júlio Rodrigues passou o Natal com a família que há pouco mais de um ano escolheu ter e acabou por trocar eventuais peças de roupa acabadas de desembrulhar pela farda de bombeiro voluntário. Antes de entrar nesta que tem sido “uma grande aventura”, enviou para pelo menos três juntas de freguesia, nas zonas de Lisboa e Sintra, a sua disponibilidade como voluntário. Nenhuma lhe respondeu.
Nunca tinha conhecido ninguém dos bombeiros, mas foi o seu gosto pela área do pré-hospitalar que o levou a fazer esta formação. Depois de ter feito um curso sobre suporte básico de vida, “chegou a um ponto em que não podia tirar mais nenhum curso sem ser uma licenciatura”. Decidiu trocar o caminho até casa depois do trabalho por uma formação que o obrigava a ficar acordado até de madrugada. E agora está “a fazer serviço na rua desde setembro”.
Ainda não houve nenhuma situação que o tivesse deixado atrapalhado, porém, é quando tem de assistir a população mais idosa, que tem a certeza de que está a fazer a diferença. “É pela parte humana, aí tu sentes que estás a fazer a diferença. Acompanhares um idoso e conseguires dar-lhe uma palavra de conforto é muito gratificante. Não é as pessoas agradecerem. É saberes que despendes do teu tempo, mas estás a despender para uma coisa útil, para ajudar alguém. Isso para mim não tem valor”, diz.
Júlio Rodrigues passa uma noite por semana no quartel de Sintra – das 21h às 7h –, onde a espera pelas chamadas e “os picos de adrenalina” são o mais difícil. “Ou já nasce com a pessoa ou tens mesmo que ter um grande gosto, porque é uma área muito exigente – a nível familiar, pessoal e de tempo”, confessa.
Marta Pais de Almeida, 15 anos
“Nunca vou usar isto, podia dar”
Marta foi sempre aplicada na escola e ficava fascinada com todo o tipo de material escolar, desde estojos a condizer, a kits de canetas, lápis e marcadores de todas as cores possíveis. Deliciava-se nas papelarias sempre que começava o ano letivo. Quando fez 9 anos, em 2013, foi a Moçambique com a família e entre muitos locais, visitou uma escola nos arredores de Pemba – a escola de Mútua. “Eles riam, e brincavam às apanhadas, andavam descalços, tinham os manuais todos virados ao contrário e rasgados e uma caneta, não tinham paredes, nem mesas ou cadeiras, mas sorriam à mesma. Foi uma experiência que me marcou sem dúvida”, conta ao i. As memórias ficaram lá e já este ano, quando Moçambique foi assolado pelas cheias teve uma ideia: “Eu estava a arrumar o meu quarto e a escolher o meu material escolar, e de repente quando dei por mim tinha 3 ou 4 canetas totalmente iguais e pensei: “Claramente que nunca vou usar isto ao mesmo tempo, podia perfeitamente dar”. Olhei para a televisão – onde estava a dar uma reportagem sobre os ciclones e todo aquele desastre – e daí surgiu a ideia de criar um projeto onde pudéssemos entregar material escolar às crianças moçambicanas”. O projeto foi criado em 2019, mas a constituição legal está prevista para janeiro de 2020. Marta conta que por agora, o foco do projeto estuDar é Moçambique e que a primeira campanha reverteu para a Associação HELPO (a qual se encarregou de fazer chegar o material angariado àquele país). Logo na primeira campanha foram enviadas “4891 unidades e 88 packs de material escolar”.
Daniela Rocha (e família), 29 anos
“Primo arrasta primo e chegámos a ser 25 na ronda”
Daniela nem sempre consegue, mas a sua família não falha uma ronda. Até há três anos a sua presença era mais regular, hoje nem tanto, mas nestas rondas do norte, dominadas pelos seus primos, o importante é que haja sempre quem leve comida quente aos que mais precisam, durante o ano todo (ver foto principal).
“Uns primos meus de Gaia começaram a fazer uma ronda pelos sem-abrigo, perto do Hospital de Magalhães Lemos, há uns anos. No início, eram quatro grupos que rodavam, o que dava uma semana por mês a cada. Mas primo arrasta primo e chegámos a ser, há cerca de três anos, 25 pessoas da mesma família na ronda – de um total de 40 voluntários”, conta Daniela Rocha, lembrando que a sua mãe também participa sempre que pode.
Nos últimos tempos, porém, os primos que formam o núcleo duro, separaram-se dos organizadores da ronda e tornaram-se independentes, dando início a um novo projeto, o Ronda Com Vida: “Todas as semanas vão distribuir comida, agora através deste novo grupo e são uns dez primos os que formam o núcleo duro do projeto”. Quanto aos restantes voluntários, o número é variável: “Não há um número total de pessoas, vai variando consoante as semanas”.
Daniela conta que a comida quente distribuída pelas primas é feita em casa e com o dinheiro que as pessoas vão dando para esse efeito e com “os donativos físicos, que vão desde o leite à massa”. “No início deste mês estiveram no Pingo Doce a fazer uma recolha e conseguiram quase mil euros”, acrescenta. A Ronda Com Vida vai para as ruas do Porto nas noites de sexta para sábado. “Vão preparando comida durante a semana. Há muitos elementos que não trabalham e podem dedicar parte da semana a isso, tenho primas que, por exemplo, têm mais disponibilidade porque são domésticas e assim”, explica Daniela.