Manual do bom “cagão”


Vá lá, vamos, desde já, todos ter calma. O termo que hoje utilizo no título e que posso vir a utilizar linhas abaixo não representa a maior erudição discursiva possível ou existente, e sobretudo muito menos representa o tom com que diária, pessoal e profissionalmente faço a minha vida. Mas hoje, uma vez mais, também…


Vá lá, vamos, desde já, todos ter calma. O termo que hoje utilizo no título e que posso vir a utilizar linhas abaixo não representa a maior erudição discursiva possível ou existente, e sobretudo muito menos representa o tom com que diária, pessoal e profissionalmente faço a minha vida. Mas hoje, uma vez mais, também não me apetece ser politicamente correto. Esta semana descobriu Portugal inteiro que há palavras proibidas na oratória parlamentar. Ou, pelo menos, proibidas quando proferidas por uns, mas perfeitamente aceitáveis quando ditas por outros. É um retrato fiel do nosso país aquilo a que se assistiu na Assembleia da República. Um país sem isenção, sem imparcialidade, um país em que quando tudo é dito de acordo com as normas por poucos estabelecidas não se assiste a qualquer puxão de orelhas, mas quando, de entre todos os outros, há um que se farta e coloca os pontos nos ii é imediatamente atacado, sentindo na pele o peso do abafador social. Seria hoje fácil atacar sua excelência o senhor presidente da Assembleia da República pelo mau serviço que prestou ao normal funcionamento das instituições democráticas. Seria igualmente simples criticar sua excelência o Presidente da República pelo seu sempre ensurdecedor silêncio nas questões que são realmente importantes. Igualmente, poderia até malhar em todos os partidos políticos tradicionais pelo contributo prático ou negligente que dão a todos estes comportamentos. Não o farei porque já toda a sociedade o fez nestes dias, e essa é a maior demonstração da razão, desculpem a imodéstia, das minhas palavras. Apraz-me, isso sim, estabelecer outro tipo de raciocínio. Político. E mesmo que muitos, pelas minhas atuais funções, não o entendam, isento. Quando era miúdo, como todos os miúdos deste país, sobretudo nas escolas e em certos quadrantes da sociedade, ouvia falar num fantasma chamado censura. Ouvia falar numa determinada personalidade que em tempo não deixava as pessoas dizerem o que queriam, defenderem o que entendiam defender, lutarem pelas causas em que acreditavam. E, sobretudo, ouvia tudo isto de vozes que diziam ter contribuído para que isso tivesse mudado. Falavam com manifesto enfado, alguns até com violência. Informei-me, li, estudei, tive o cuidado de respeitar opiniões de ambos os lados e consegui formar a minha, que considero lúcida, objetiva, pragmática e em muito discordante desses mitos urbanos que perpassavam por muita gente, com as devidas cautelas de que uma coisa é ouvir e outra é viver. Aos 30 anos de idade, assisti pela primeira vez ao exercício de censura direta, exercida para o efeito sobre o deputado André Ventura no uso do seu direito da palavra como deputado. Mas pior: ao tentar moldar o discurso de André Ventura ou calá-lo, a censura não foi só exercida sobre ele mesmo. Foi exercida sobre os largos milhares de portugueses que nele votaram, nos muitos outros milhares que equacionam vir a votar e, mais importante, sobre todo o país. Ora, o episódio foi, obviamente, uma vergonha. Presidente da República e presidente da Assembleia da República são duas figuras suprapartidárias. Têm o seu partido. Muitas vezes são lá colocados por eles ou, pelo menos, com os seus apoios políticos, mas, se não compreendem que, uma vez eleitos, acima deles têm de estar, e a menos que um qualquer deputado lhes ataque, ou aos seus pares, diretamente a honra, não são mais que árbitros procedimentais, não reúnem condições para se manterem em funções. Não podem nunca interferir no tom e muito menos no conteúdo programático do Parlamento. Se o atual presidente da Assembleia da República fosse de direita, já tinha caído. Mas, como é de esquerda, assobia-se para o lado. Chega-se ao limite, dizendo-se por palavras parecidas que “tem de se travar isto antes que seja tarde”. Meus caros, quem define o que se trava ou acelera é o povo português. Ninguém mais. Não tenhamos dúvidas: ou as coisas mudam ou o sistema implodirá. O país implodirá politicamente. As coisas, como estão, não servem ninguém. Pela minha parte, com franqueza e sinceridade, com 30 anos, não me estou “cagando” para isso, como de resto não me estou “cagando” para coisa nenhuma.

Escreve à sexta-feira