10 de dezembro  de 1961. A esperança de um homem morto

10 de dezembro de 1961. A esperança de um homem morto


A malta do Bairro Alto estava excitada. Os sapadores bombeiros, com o chefe Ribeiro à cabeça, esburacavam a Travessa da Cara em busca de um cadáver. Era de truz!


De todas as ruas e vielas em redor surgiu gente curiosa. Muitas mulheres e crianças. Os Sapadores Bombeiros de Lisboa esburacavam a Travessa da Cara, ao Bairro Alto, junto da Calçada da Glória, numa febre de buscas que eletrizava os habitantes da zona.

– Está um homem morto dentro de um poço –, sussurravam as vizinhas.

– Um homem morto… –, repetiam os petizes, que nunca tinham visto um homem morto.

Prédio n.o 25. Ali vivia Adelina do Rosário. Alugava um quarto a um cavalheiro bem-posto, Joaquim da Cruz Fonseca, 50 anos. Vinte escudos por mês. Joaquim ia lá dormir umas horas, fazia a barba, mudava de roupa. Adelina, por esse preço, ainda lavava e engomava camisas.

Nos últimos tempos, o cavalheiro composto descompusera-se. Dera-lhe para beber, e beber muito. Ficara doente do fígado e comprometera outros órgãos. De tempos a tempos, as ressacas eram tão fortes que o derreavam. E ia bater com os costados ao Júlio de Matos, onde um médico psiquiatra procurava devolvê-lo à realidade de ser sóbrio. Debalde. Joaquim não se contentava enquanto não visse o fundo das garrafas. Desleixou o trabalho de ajudante de cozinha no restaurante típico A Tipóia, na Rua do Norte. Os patrões, desagradados, tentaram pô-lo na ordem. Primeiro, com conselhos; em seguida, com ameaças. Mas quando o álcool fala alto, o embriagado não ouve a voz da razão. Só escuta o chamado do vício.

Um belo dia, Fonseca desapareceu de vez. Dois camaradas de esbórnia foram à esquadra prestar declarações. Estavam absolutamente convencidos de que o companheiro se atirara para dentro de um poço existente no vão de escada do referido n.o 25 da Travessa da Cara. Já o tinha prometido.

O chefe Ribeiro, da 1.a Companhia de Sapadores, foi investigar o poço. Tinha, sobre a tampa, cestos, cabazes e objetos a esmo. Retirados, revelaram que a tampa, pregada, não tinha nada que revelasse ter sido tocada havia muitos anos. Mas era um bombeiro consciencioso. Mandou os seus homens meterem mãos ao trabalho.

Retirada a tampa, foi-se ao fundo do poço. Com olhos bem abertos. Em redor dos sapadores, os mirones também arregalavam as córneas.

– Um homem morto…

Pois bem, qual morto? Lixo. Lixo em barda, que pelos vistos era para isso que a malta utilizara o buraco. A fateixa removeu lama e detritos e não encontrou cadáver algum. Que desilusão! As vizinhas regressaram a suas casas levando os garotos de cambulhada. Já iam inventando boatos sobre o sumido Fonseca…