Há menos casos de VIH mas ainda são muitos os diagnósticos tardios

Há menos casos de VIH mas ainda são muitos os diagnósticos tardios


Portugal já atingiu as metas da ONU para controlar a doença, mas estima-se que ainda haja 3087 pessoas no país que não sabem que vivem com o vírus da sida, na maioria homens heterossexuais. O objetivo é chegar a todos.


De uma sentença de morte a uma doença crónica e cada vez mais controlada, mas ainda com desafios: na última década caíram quase para metade os novos diagnósticos de VIH no país e, mesmo com uma das maiores epidemias da Europa ocidental, Portugal já atingiu as metas da Onusida para a eliminação da doença, garantindo que mais de 90% dos portadores do vírus estão diagnosticados; que, destes, mais de 90% estão a fazer tratamento com antirretrovirais e, por fim, que mais de 90% têm a carga viral suprimida, deixando de transmitir o vírus.

Se o balanço é positivo, o país continua a ter das taxas mais elevadas de novos casos da Europa ocidental e 55,8% dos casos são ainda diagnosticados tardiamente, acima da média europeia de 48,6%. E se 92,2% dos portadores do VIH estão hoje diagnosticados, estima-se que 3087 pessoas não saibam que vivem com o vírus.

O perfil do VIH O retrato da infeção por VIH/sida foi apresentado esta quarta-feira pela Direção-Geral da Saúde e pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). Em 2018 foram diagnosticados 973 casos de infeção por VIH, menos 262 do que no ano anterior. O número poderá aumentar com novas notificações, mas desde 1991 que não se registavam menos de mil diagnósticos. Na última década, assinala o relatório tendo por base os dados de 2017, mais consolidados, houve uma diminuição de 46% nos novos casos de infeção por VIH e de 67% nos casos de sida, o estado mais avançado da infeção.

Algumas tendências mantêm-se: os homens registam 2,5 vezes mais casos do que as mulheres e continua a haver um predomínio da transmissão em relações heterossexuais, seguindo-se os casos de homens que têm sexo com homens, cujo peso tem estado a crescer e que representam 49,2% das infeções na população masculina. E se este é o grupo em que tem sido menor a diminuição dos novos diagnósticos, a demora na deteção do VIH é maior nos casos de transmissão heterossexual, sobretudo em homens mais velhos. Em 2018, 70,7% dos homens com 50 ou mais anos que terão contraído o vírus em relações heterossexuais foram diagnosticados tardiamente. A infeção pode ser assintomática até oito a dez anos mas, à medida que o tempo passa, aumentam as consequências para a saúde, além da potencial transmissão.

Cada vez menor é a infeção com VIH no contexto de utilização de drogas injetáveis: representam 2,2% dos diagnósticos – menos 93% do que há dez anos –, resultado que os responsáveis atribuem a iniciativas como o programa de troca de seringas. Dois terços dos casos de VIH foram diagnosticados entre os 25 e os 49 anos, mas a idade mediana de diagnóstico tem estado a aumentar, sendo maior entre os homens heterossexuais.

No mapa nacional, Lisboa, Porto e Setúbal continuam a ser os distritos com mais casos e pela primeira vez são publicadas fichas com o perfil da infeção nas dez cidades que aderiram à iniciativa Fast Track Cities, para acelerar a erradicação da sida. O objetivo, explicaram os responsáveis, é reforçar a informação para campanhas e intervenções mais dirigidas. E há algumas diferenças que saltam à vista: se, em Lisboa, no Porto ou em Portimão, as mulheres representaram apenas um quinto dos diagnósticos nos últimos cinco anos, em Odivelas somam 52% dos casos, e na Amadora 45%. Em Lisboa, Porto e Oeiras, ao contrário da tendência nacional, os diagnósticos entre homens que têm sexo com homens superam a transmissão heterossexual.

Chegar aos casos silenciosos A partir dos dados epidemiológicos, as estimativas da DGS e do INSA apontam para 39 820 pessoas a viver com o vírus da sida no país: 36 734 diagnosticadas e 3087 não diagnosticadas. Neste grupo que ainda não sabe que é portador do vírus, a maioria serão homens que contraíram a infeção em relações heterossexuais (1516 casos), estimando-se ainda 880 casos em homens que têm sexo com homens, 980 mulheres por diagnosticar e 147 casos relacionados com o uso de drogas injetáveis. As mesmas estimativas sugerem que os diagnósticos mais precoces são entre homens que têm sexo com homens, com uma demora média de 2,5 anos, quando entre os homens que adquirem a infeção em relações heterossexuais, o tempo entre a infeção e o diagnóstico é mais do dobro, em média 5,4 anos.

Na apresentação, Isabel Aldir, diretora do Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida, assinalou que tendo sido alcançadas todas as metas da ONU, entre os homens heterossexuais os dados indicam que estarão ainda por diagnosticar 13,9% dos casos, o que significa que, neste grupo em particular, o objetivo ainda não foi atingido. E é, por isso, um dos alvos para os próximos anos. “Os dados sugerem-nos que estamos a falar de homens mais velhos que podem não ter a perceção do risco de uma relação desprotegida ou pensar que não lhes podia acontecer a eles”, disse ao i a responsável. Estão, por exemplo, a ser preparados alertas nos softwares usados pelos médicos de família para, perante determinados resultados clínicos ou mesmo doenças como a zona – associada a um sistema imunitário enfraquecido –, propor a realização do teste de VIH e reforçar a sensibilização. “Já atingimos as pessoas mais fáceis de atingir, queremos chegar às franjas da população mais silenciosas”, disse a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, sublinhando ainda o trabalho das organizações no terreno e de novas ajudas como os testes que se podem fazer em casa e que passaram a estar disponíveis nas farmácias.

Um novo capítulo Desde 2015 que os tratamentos com antirretrovirais foram alargados a todos os portadores do vírus, independentemente da carga viral. Em 2017 havia mais de 33 mil pessoas em tratamento (90,2%), das quais 93% com uma carga viral suprimida, os números que permitiram a Portugal atingir, três anos antes do prazo, as metas da ONU para 2020.

Isabel Aldir explica que atualmente são iniciados 1000 a 1500 novos tratamentos por ano, não só em pessoas recém-diagnosticadas mas também noutras para quem, no passado, essa hipótese não estava disponível. “Ao início havia algumas dúvidas, mas hoje existe uma grande adesão. Não temos pessoas em lista de espera”, disse ao i, admitindo, ainda assim, que alguns hospitais dispensam a medicação para períodos mais curtos do que é recomendado, o que obriga a recorrer mais vezes aos serviços e pode interferir com o cumprimento da medicação.

O resultado dá ânimo. Num curto espaço de tempo após a universalização dos tratamentos, estima-se que 77% das pessoas infetadas com VIH em Portugal tenham a doença controlada, naquele que é um novo capítulo na história da doença num país em que, desde 1983, há registo de 59 913 infeções com o vírus da sida e perto de 15 mil mortes.