No dia 22 de Outubro passado escrevi neste jornal uma crónica sobre a actual injustiça que existe no sistema de previdência social dos advogados, assegurado pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). Recentemente, essa injustiça ficou claramente demonstrada com o facto de se ter sabido que uma advogada, que teve uma doença oncológica durante a sua gravidez, não beneficia de qualquer protecção da CPAS, nem sequer tendo direito a baixa médica. Mas esse caso dramático é apenas um de entre os muitos que, infelizmente, todos os dias ocorrem na advocacia, uma vez que a deficiência de protecção social da CPAS tem obrigado os advogados, para poderem subsistir, a continuarem a trabalhar em situações extremas. Houve casos de advogados com doenças oncológicas que se viram obrigados a realizar audiências de julgamento durante períodos de tratamento com quimioterapia. Houve casos de advogados que, após terem sofrido um AVC, se viram obrigados a continuar a trabalhar, uma vez que, devido à falta de apoio na doença, de outra forma não teriam condições de subsistir. E todos os dias há advogadas que têm de voltar a trabalhar logo após terem sido mães, uma vez que o decreto-lei 131/2009, de 1 de Junho, apenas lhes concede um direito ao adiamento de actos processuais por um período de um mês ou dois meses, nem sequer suspendendo o processo durante esse período. Só depois da denúncia pública desta situação é que surgiram no Parlamento iniciativas legislativas a propor a suspensão do processo nesses casos, mas estas iniciativas continuam sem resolver o problema essencial, que é a falta de condições económicas das advogadas se não tiverem direito a baixa médica ou a licença parental remunerada.
Mas o problema é que não só não existe qualquer desses benefícios como, inclusivamente, os advogados são obrigados a contribuir para a CPAS com base numa presunção de rendimentos mínimos que a esmagadora maioria dos mesmos não auferem. Recentemente, a direcção da CPAS, com o apoio do conselho geral e dos conselhos regionais da Ordem dos Advogados, decidiu ainda elevar o montante mínimo dessas contribuições dos actuais € 230,20 para € 251,38 mensais – uma elevação de 10% num ano em que não houve inflação. Os advogados estão, assim, sujeitos a uma subida constante e sucessiva das suas contribuições para a previdência, que não os protege minimamente hoje e não se sabe de que forma os protegerá no futuro.
Isto resulta do facto de o Estado pretender que a CPAS seja exclusivamente financiada com as contribuições dos advogados e dos solicitadores, não tendo quaisquer fontes alternativas de financiamento, ao contrário do que sucede com a Segurança Social. Na verdade, esta não apenas é financiada através de contribuições dos trabalhadores dependentes e independentes como também beneficia de transferências do Orçamento do Estado e do adicional ao IMI. Anteriormente, também havia uma percentagem das custas judiciais, a denominada procuradoria, que era destinada à CPAS, permitindo-lhe obter uma receita suplementar. O Estado, porém, aboliu essas transferências, o que fez aumentar de forma insustentável a pressão sobre os advogados. É, por isso, de elementar justiça que essa receita volte a ser devolvida à CPAS, em ordem a que termine esta tributação por rendimentos mínimos, em clara violação do princípio constitucional da capacidade contributiva.
O art.o 63.o, n.o 1, da Constituição estabelece que todos têm direito à segurança social, referindo ainda o seu n.o 3 que o sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. Os advogados e os solicitadores não podem ser os únicos cidadãos portugueses excluídos da protecção social. É por isso fundamental que os advogados lutem pelo reconhecimento deste seu direito constitucional.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990