Está feito. E de que maneira! O Flamengo de Jorge Jesus venceu a Taça Libertadores e a forma dramática como conseguiu sagrar-se campeão da mais importante prova de clubes da América do Sul até deu outro sabor ao título – claro, agora é fácil falar, porém, até aos 88 minutos, o sufoco e a angústia foram o prato principal dos adeptos flamenguistas – e dos portugueses – que tinham os olhos postos em Lima na noite deste sábado.
Já este domingo seria a vez de ficar confirmado um dos cenários que o técnico português não desejava: o Fla sagrou-se campeão brasileiro sem sequer entrar em campo, após o Grémio vencer (1-2) no terreno do Palmeiras. Contas feitas, a equipa rubro-negra lidera a prova com 81 pontos, mais 13 do que o Verdão e o Santos, ambos com 68 pontos, no terceiro e segundo lugar, respetivamente. Com 12 pontos em jogo até ao final da prova, já não há matematicamente hipóteses de o título escapar ao Mengão. O Fla voltou a conquistar um campeonato depois de um jejum de uma década (desde 2009 que não vencia a prova) e os desfiles pela Cidade Maravilhosa prometem continuar.
É o fecho de um fim de semana histórico para JJ, que faz a dobradinha em menos de seis meses no comando técnico do gigante brasileiro.
De resto, não há como negar: vive-se um autêntico clima de Carnaval antecipado no Rio e a culpa é divina e bem portuguesa.
Monumental! A final da Libertadores foi digna de fazer justiça ao nome do estádio. Literalmente. É que podem até existir vários adjetivos para descrever a reviravolta épica protagonizada pelo Mengão, mas vamos mesmo à boleia do recinto onde a magia aconteceu: Monumental! O Fla voltava à final 38 anos depois de ter estado pela última vez na fase derradeira da Champions sul-americana – desde 1981, ano em que venceu pela primeira (e única) vez a competição. No último teste, a equipa rubro-negra tinha pela frente o River Plate, campeão em título, que procurava a quinta taça da história e, deste modo, ficar a apenas uma do principal rival, o compatriota Boca Juniors (seis), e a duas do recordista Independiente (sete).
Este cenário começou, de resto, a ser desenhado nos primeiros instantes. Aos 15 minutos, o conjunto argentino adiantou-se no marcador por Rafael Santos Borré – e o Fla foi ao longo de toda a partida cedendo à alta pressão da equipa orientada por Marcelo Gallardo.
O 1-0 arrastou-se teimosamente até praticamente ao final da partida e, quando já poucos acreditavam que era possível alterar o rumo do jogo, eis que surgiu o suspeito do costume. A um minuto do final do tempo regulamentar, Gabigol fez o golo do empate e prometeu lançar o jogo para prolongamento. Surpresa maior: o brasileiro havia de bisar instantes depois ao fazer o 2-1 final, aos 92’, garantindo desta forma o segundo troféu da história dos rubro-negros na competição. Estava feito!
Já Jesus conquistou assim o primeiro título internacional da carreira e calou de vez os críticos que, ao longo dos últimos cerca de seis meses, questionaram a escolha do técnico português, de 65 anos, quando este foi oficializado como o novo treinador do clube carioca.
Após a vitória, o treinador amadorense não conseguiu esconder a emoção. “É o título mais importante da minha carreira até hoje”, afirmou. “A Libertadores está para este continente como a Liga dos Campeões está para a Europa. Esta final foi vista em 176 países e por milhões de pessoas. Uma palavra para Portugal: sei que o Flamengo tem sido uma paixão grande, não sei se eram 10 milhões mas muitos milhões de portugueses estavam a fazer força para o Flamengo ganhar. Um grande beijo e tenho muito orgulho em ser português”, continuou, dedicando entretanto o triunfo aos portugueses.
“O português mais amado do Brasil!” Em menos de meio ano, Jorge Jesus tornou-se um autêntico fenómeno de popularidade no Brasil. As músicas ao míster multiplicaram-se e os elogios já não têm conta, sobretudo depois do feito histórico alcançado na capital do Peru. “Obrigado, Jesus/ Por fazer do Mengão um dia de vitória/ Obrigado, Jesus/ Por conceder sabedoria/ E de mudar a nossa história/ Obrigado, meu Jesus/ Nós agradecemos a você/ Obrigado, Jesus/ Sou Flamengo até morrer/ Obrigado, Jesus, Por todo bem que o senhor faz/ Isto aqui está bom de mais”. A canção Obrigado Jesus já existe há vários anos e é um tema de sucesso do Neguinho da Beija-Flor, mas a letra foi entretanto alterada para exaltar o percurso do técnico do Flamengo.
Também o famoso “Olé Míster, olé!”, que há várias semanas se faz ouvir a uma só voz no Maracanã, voltou a ser cantado por milhares de pessoas que este domingo pararam as ruas do Rio de Janeiro para receber os novos campeões.
De resto, grande parte dos críticos já tinham dado a mão à palmatória, mas os mais resistentes deixam oficialmente de ter argumentos – essencialmente o principal, de que o técnico luso deslizava sempre nas finais.
O ex-treinador de Benfica e Sporting já é apelidado na Cidade Maravilhosa como o melhor português do mundo – e não é razão para menos, uma vez que o técnico devolveu a alegria ao acordar o gigante brasileiro, que não conquistava nenhum troféu desde 2012/13, época em que venceu a Copa Brasil.
Com 40 milhões de adeptos só no Brasil (cerca de 70 milhões no mundo inteiro), esta foi uma festa global. “Somos todos os adeptos do mundo menos alguns”, lembram os flamenguistas, que se orgulham de ter a maior “torcida” naquele que dizem ser o “melhor clube do mundo”.
Apesar do bis de Gabigol, Jesus foi mesmo considerado o herói da vitória. Afinal, a caminhada feita é digna de registo e só foi possível graças à filosofia incutida pelo técnico.
O treinador brasileiro Carlos Alberto Parreira foi uma das figuras a temer a estadia do luso em solo brasileiro. “Quando Jesus chegou, juro que cheguei a ter, entre aspas, pena dele. Numa quarta-feira, ele jogou a Copa do Brasil e foi eliminado. No domingo, um jogo pelo campeonato brasileiro, uma semana depois, Libertadores. Até você entender o que está acontecendo, é complicado”, comentava, em setembro passado, o técnico campeão do mundo. Entretanto, ainda antes da conquista inédita, retratava-se: “Jesus tem equilíbrio, paciência e foi implementando as suas ideias. Dá para ver que agora o Flamengo é uma equipa que sabe jogar, está arrumada. O trabalho tem sido muito bom”. Também famosos ficaram os comentários do jornalista da Fox Sports Brasil Marco de Vargas. Ainda antes de ser apresentado como o novo treinador do Fla, o brasileiro questionou o currículo do português. Todavia, Vargas tinha entretanto recorrido ao Twitter para assumir que “se tinha expressado mal”. “Jesus, eu te aceito e peço perdão pelos meus pecados de ontem, hoje e sempre”. O mesmo jornalista voltou este fim de semana a usar as redes para comentar o triunfo: “‘Grife’ se conquista com trabalho bem executado, mas sobretudo com conquistas gigantes. Jesus acaba de conquistar a imortalidade com o título do torneio mais raiz do mundo, justamente sua primeira conquista internacional”.
Já não há margem para dúvidas: os brasileiros estão rendidos ao trabalho de Jesus que, como o próprio Flamengo fez questão de frisar, é por estes dias “o português mais amado do Brasil”. É indiscutível. Por onde quer que passe, JJ não deixa ninguém indiferente. A metodologia de trabalho e a personalidade vibrante são os ingredientes que fazem de Jesus um ídolo a seguir.
Dos drones à “inveja” de camões Importa também por isso relembrar a caminhada de Jesus desde que aterrou no Rio de Janeiro. Indiferente às apreciações negativas, JJ deu logo que falar no primeiro treino no Ninho do Urubu, ao inovar com a utilização de drones. Além disso, o estilo do técnico luso nos jogos – impaciente, apaixonante, intenso – também começou a ser escrutinado na imprensa carioca. A isso juntou-se ainda a maneira de ser de JJ em conferências de imprensa, com respostas sempre prontas e surpreendentes. A mais recente, há dias, foi quando citou Camões para falar da inveja e assim responder aos ataques pessoais de que tem sido alvo.
É indiscutível: o jeito do português conquista as massas dentro e fora de campo, mas é, de longe, dentro das quatro linhas que quer realmente vingar.
Com dois títulos no bolso, é hora de se focar no tão ambicionado Mundial de Clubes (entre 11 e 22 de dezembro), prova a que o Fla teve acesso após a conquista da Libertadores e que foi, aliás, um dos motivos que levaram Jesus a aceitar o desafio de orientar o Flamengo.
“Uma palavra para Portugal: sei que o Fla tem sido uma paixão, não sei se eram 10 milhões mas muitos milhões de portugueses estavam a fazer força para o Fla ganhar. Um grande beijo e tenho muito orgulho em ser português”