Reforma do estado e da administração pública


Muitos dos maus negócios do Estado devem-se à falta de quadros e não necessariamente à corrupção.


Qualquer governo inclui no seu programa a reforma da Administração Pública. É assim nos Estados Unidos, como é também em Portugal. Para além da economia e relações externas, a reforma do Estado constitui um ponto importante na agenda política.

Mas, se há reforma difícil é esta, já que não se faz por leis. Estamos a lidar com pessoas, comportamentos, rotinas e motivações, o que não se consegue por decreto.

Em Portugal, só houve uma verdadeira reforma, nos moldes da Nova Gestão Pública, com Durão Barroso e continuada por Sócrates até 2008. Quando estava a ser implementada surgiu a crise e ficou congelada. Paulo Portas prometeu uma reforma do Estado, mas, para além da CRESAP, traduziu-se em cortes de salários e pensões, aumento de impostos e de congelamento de progressão nas carreiras e fim de incentivos com base na avaliação de desempenho.

O governo socialista (2015-2019) restringiu praticamente a sua atuação ao simplex, ou micro medidas, destinadas a olear os serviços e melhorar a relação dos funcionários com os cidadãos.

Mas, entretanto, ao longo destes mais de 10 anos, o corpo da Administração Pública foi-se desintegrando em corpos especiais. Ora, como consta de qualquer manual, os membros destes corpos deixam de se considerar funcionários, mas profissionais, convertendo-se em grupos de pressão. E, quando estes grupos de pressão têm peso eleitoral, político ou profissional (veja-se o caso dos enfermeiros, professores, magistrados, polícias, etc.) tendem a aprisionar o poder político que cede às suas reivindicações salariais ou de carreira.

De acordo com Oliveira Rocha, a Administração Pública vem de há muito tempo a perder o seu know-how. Os seus quadros mais qualificados transferiram-se para o setor privado, não apenas porque são mal pagos, mas também porque se viram sistematicamente ultrapassados e desclassificados pelo abuso do recurso a empresas privadas e consultadoria. E aqui é oportuno sublinhar que muitos dos maus negócios do Estado se devem à falta de quadros e não necessariamente à corrupção.

O atual governo (2019-) pretende alterar esta situação, ao criar um Ministério próprio para a Administração Pública, separando-a das Finanças e ao estabelecer um roteiro para a modernização o qual implica investimentos em tecnologias, capacitação dos cidadãos para utilizar os serviços e modelo de gestão. E, mais uma vez, como sendo habitual, pretende fazer a descentralização e a regionalização, em que nenhum dos partidos está, na realidade, interessado.

A Ministra da Modernização do Estado e da Administração, Alexandra Leitão, em entrevista ao Público, aponta como primeira medida, a criação de incentivos à assiduidade para combater o absentismo. Esta medida para além de ser ofensiva para os funcionários, não faz qualquer sentido, já que assiduidade é um dever. Além disso aponta também, na mesma entrevista, como medidas prioritárias a progressão na carreira e a formação.

 Todavia, é do conhecimento geral, que a Formação, avaliação de desempenho, carreiras e incentivos têm que ser vistos de forma integrada. Por outro lado, aumentar a concorrência entre serviços, ou organizações públicas, pressupõe autonomização, o que pode aumentar os custos. E o Ministro das Finanças não estará pelos ajustes, a não ser que signifique aumento de eficiência.

Sabemos bem queAntónio Costa é um político sagaz que aprendeu que o Programa do Governo contém tão só linhas orientadoras, ou de enquadramento; e que as políticas públicas são iniciadas pelos grupos de pressão e de interesses, ampliadas pela comunicação social e às quais o governo responde, aceitando, negando, ignorando ou negociando. E com o tempo os fatos políticos vão diminuindo de intensidade.

Aliás, esta estratégia vem nos livros de Análise das Políticas Públicas e Costa por intuição e estudo conhece bem o manual. Mas há políticas cujos problemas se vão amontoando, correndo o risco de transformarem num tsunami, frente ao qual o governo enfrentará muitas dificuldades.

Naturalmente é uma tarefa difícil e os problemas não se resolvem apenas com leis, ou medidas avulsas.

 

Silvério Cordeiro – Professor Associado, Universidade Fernando Pessoa


Reforma do estado e da administração pública


Muitos dos maus negócios do Estado devem-se à falta de quadros e não necessariamente à corrupção.


Qualquer governo inclui no seu programa a reforma da Administração Pública. É assim nos Estados Unidos, como é também em Portugal. Para além da economia e relações externas, a reforma do Estado constitui um ponto importante na agenda política.

Mas, se há reforma difícil é esta, já que não se faz por leis. Estamos a lidar com pessoas, comportamentos, rotinas e motivações, o que não se consegue por decreto.

Em Portugal, só houve uma verdadeira reforma, nos moldes da Nova Gestão Pública, com Durão Barroso e continuada por Sócrates até 2008. Quando estava a ser implementada surgiu a crise e ficou congelada. Paulo Portas prometeu uma reforma do Estado, mas, para além da CRESAP, traduziu-se em cortes de salários e pensões, aumento de impostos e de congelamento de progressão nas carreiras e fim de incentivos com base na avaliação de desempenho.

O governo socialista (2015-2019) restringiu praticamente a sua atuação ao simplex, ou micro medidas, destinadas a olear os serviços e melhorar a relação dos funcionários com os cidadãos.

Mas, entretanto, ao longo destes mais de 10 anos, o corpo da Administração Pública foi-se desintegrando em corpos especiais. Ora, como consta de qualquer manual, os membros destes corpos deixam de se considerar funcionários, mas profissionais, convertendo-se em grupos de pressão. E, quando estes grupos de pressão têm peso eleitoral, político ou profissional (veja-se o caso dos enfermeiros, professores, magistrados, polícias, etc.) tendem a aprisionar o poder político que cede às suas reivindicações salariais ou de carreira.

De acordo com Oliveira Rocha, a Administração Pública vem de há muito tempo a perder o seu know-how. Os seus quadros mais qualificados transferiram-se para o setor privado, não apenas porque são mal pagos, mas também porque se viram sistematicamente ultrapassados e desclassificados pelo abuso do recurso a empresas privadas e consultadoria. E aqui é oportuno sublinhar que muitos dos maus negócios do Estado se devem à falta de quadros e não necessariamente à corrupção.

O atual governo (2019-) pretende alterar esta situação, ao criar um Ministério próprio para a Administração Pública, separando-a das Finanças e ao estabelecer um roteiro para a modernização o qual implica investimentos em tecnologias, capacitação dos cidadãos para utilizar os serviços e modelo de gestão. E, mais uma vez, como sendo habitual, pretende fazer a descentralização e a regionalização, em que nenhum dos partidos está, na realidade, interessado.

A Ministra da Modernização do Estado e da Administração, Alexandra Leitão, em entrevista ao Público, aponta como primeira medida, a criação de incentivos à assiduidade para combater o absentismo. Esta medida para além de ser ofensiva para os funcionários, não faz qualquer sentido, já que assiduidade é um dever. Além disso aponta também, na mesma entrevista, como medidas prioritárias a progressão na carreira e a formação.

 Todavia, é do conhecimento geral, que a Formação, avaliação de desempenho, carreiras e incentivos têm que ser vistos de forma integrada. Por outro lado, aumentar a concorrência entre serviços, ou organizações públicas, pressupõe autonomização, o que pode aumentar os custos. E o Ministro das Finanças não estará pelos ajustes, a não ser que signifique aumento de eficiência.

Sabemos bem queAntónio Costa é um político sagaz que aprendeu que o Programa do Governo contém tão só linhas orientadoras, ou de enquadramento; e que as políticas públicas são iniciadas pelos grupos de pressão e de interesses, ampliadas pela comunicação social e às quais o governo responde, aceitando, negando, ignorando ou negociando. E com o tempo os fatos políticos vão diminuindo de intensidade.

Aliás, esta estratégia vem nos livros de Análise das Políticas Públicas e Costa por intuição e estudo conhece bem o manual. Mas há políticas cujos problemas se vão amontoando, correndo o risco de transformarem num tsunami, frente ao qual o governo enfrentará muitas dificuldades.

Naturalmente é uma tarefa difícil e os problemas não se resolvem apenas com leis, ou medidas avulsas.

 

Silvério Cordeiro – Professor Associado, Universidade Fernando Pessoa