Uma semana depois do lançamento da campanha de sensibilização da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para o acolhimento familiar, o balanço é positivo. Isabel Pastor, diretora da Unidade de Adoção, Acolhimento e Apadrinhamento Civil da Santa Casa, adiantou ao i que têm recebido em média 20 chamadas, num total de mais de cem contactos. A primeira sessão informativa, passo para uma eventual candidatura e início do processo de avaliação, será na próxima semana: “O nosso objetivo é dar resposta o mais rápido possível a estas manifestações de interesse”.
O caso do recém-nascido abandonado no lixo, no início da semana passada, chamou a atenção para a necessidade de resposta a crianças em perigo, mas a responsável explica que o abandono é uma realidade pouco frequente. No entanto, todos os anos há cerca de 100 crianças com menos de seis anos em situação de perigo que precisam de uma resposta de acolhimento na área de competência da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, que desde Julho, além do concelho de Lisboa, passou também a abranger os concelhos de Amadora, Odivelas, Cascais, Loures, Vila Franca de Xira, Cascais e Mafra. São situações em que as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens ou a justiça sinalizam violência, negligência ou incapacidade dos pais ou outros familiares para cuidar dos menores, e é iniciado um processo de promoção e proteção. “A maior parte das crianças que são acolhidas são-no temporariamente até que as famílias tenham condições de as integrar”, diz Isabel Pastor, explicando que, quando é feito o pedido de acolhimento, avalia-se a situação e se existe uma família que corresponda ao perfil da criança. Não existindo, o menor é encaminhado para uma casa de acolhimento.
E é isso que tem acontecido maioritariamente nos últimos anos, não só em Lisboa como em todo o país. Em 2017, das mais de 7 mil crianças à guarda do Estado, apenas 246 estavam junto de famílias. Havia apenas 177 famílias de acolhimento e nenhuma no distrito de Lisboa, uma realidade que Isabel Pastor justifica também com a falta de divulgação e de apoios. Desde então, três famílias concluíram já o processo de avaliação na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e uma delas tem hoje uma criança a seu cargo.
A meta, explica Isabel Pastor, é ter pelo menos cem famílias que pudessem acolher a maioria das crianças e jovens na região. “Há situações para as quais o acolhimento residencial (em instituições) será sempre necessário, por exemplo para crianças que precisem de cuidados de saúde mais complexos. Provavelmente, o futuro passará por uma reconfiguração das casas de acolhimento”.
DESMISTIFICAR Entregue a candidatura, o regime ainda em vigor prevê uma avaliação no espaço de seis meses. Isabel Pastor salvaguarda que a nova lei entra em vigor em dezembro e não estabelece prazos. “Estamos à espera de portarias, mas tudo indica que este prazo máximo será reduzido para poder haver uma resposta mais rápida”.
Podem candidatar-se pessoas singulares, casadas ou em união de facto, ou duas ou mais ligadas por laços de parentesco e que vivam na mesma casa, por exemplo mãe e filha ou irmãos. Têm de ser maiores de 25 anos e não podem ser candidatas à adoção. “São projetos familiares diferentes e isso permite-nos despistar diferentes motivações para garantir que não existe uma tentativa de tentar acelerar uma adoção”, salienta a responsável, sublinhando que são poucos os casos em que as crianças inicialmente em acolhimento são encaminhadas para adoção e, perante esses, é analisado o contexto e a ligação afetiva.
No processo de candidatura são avaliadas condições físicas, psicológicas e materiais. Isabel Pastor sublinha que a temporalidade do acolhimento é uma das questões sensíveis. “As famílias têm de estar preparadas para acolher uma criança como se fosse filha e depois, dependendo do seu projeto de vida, em três meses, em quatro meses, num ano, dois anos, deixá-la voar para a sua família ou para outra família caso venha a ser decidido um projeto de adoção. É um desafio que, por um lado, tem de ser desmistificado e que, se calhar, durante algum tempo foi um fator de dúvida sobre o acolhimento familiar, por se pensar que eram famílias descartáveis. Havia também pouco apoio”, diz.
Além de apoio permanente, a nova lei prevê também um reforço do apoio financeiro às famílias, um valor mensal que varia entre 520 euros e 670 euros, um valor para compensação de encargos. As famílias passam também a ter os mesmos benefícios fiscais de quem tem filhos, como a dedução de despesas com saúde e educação e o direito a licença parental, o mesmo regime previsto nos casos de adoção ou apadrinhamento civil.
Isabel Pastor diz que os contactos têm chegado de pessoas entre os 25 e os 60 anos, a maioria com filhos, embora esse não seja um pré-requisito. Sem se pronunciar sobre os próximos passos no caso do bebé abandonado pela mãe, a responsável explica que, estando na área de influência da Santa Casa, ele poderá ser acolhido numa instituição ou numa família até que seja decidido o projeto de vida da criança.