Com o período de maior afluência às urgências a aproximar-se, os chefes de equipa da urgência central do Centro Hospitalar Lisboa Norte – a urgência do Hospital de Santa Maria – alertam para uma situação “insustentável”. Os 21 chefes de equipa entregaram esta semana minutas de escusa de responsabilidade à administração do hospital, por entenderem que não estão asseguradas condições para atender os doentes com a segurança e qualidade necessária, declarações em que afirmam que não assumem responsabilidade por acidentes ou incidentes que possam ocorrer.
Nídia Zózimo, delegada sindical e uma das chefes de equipa de Santa Maria, explicou ao i que a falta de médicos nas equipas de urgência tem vindo a agravar-se nos últimos anos, sem contratações suficientes para repor saídas para o privado e para a reforma e também com o envelhecimento dos clínicos, que a partir dos 50 anos podem deixar de fazer urgências à noite. A falta de especialistas, em particular internistas, leva a que as escalas noturnas e ao fim de semana e feriados sejam asseguradas por equipas que ficam aquém dos 15 elementos que deviam ter de acordo com os mínimos recomendados pelo Colégio da Especialidade de Medicina Interna e contem, em média, com dois médicos especialistas, chegando a haver turnos com apenas um especialista. No passado eram seis. Acabam por ser maioritariamente constituídas por internos de primeiro e segundo ano, diz a médica, médicos no início da formação da especialidade e com menos experiência.
“A situação tem-se agravado desde a troika mas atingiu um limite inaceitável. Encolheu tudo, a diferenciação e o número de médicos. Não se pode garantir resposta a doentes emergentes, internamentos na urgência e a formação dos mais novos com dois especialistas, é impossível”, afirma Nídia Zózimo. “Se houver vários doentes graves ao mesmo tempo e não tivermos mais especialistas e internos mais velhos, não podemos garantir condições mínimas de segurança. Já não é só a nossa capacidade que está em causa, de andarmos a correr para dar apoio aos internos e aos doentes, com risco de exaustão, é a segurança”. A aproximação do inverno e do natal, período também de férias e com maior procura das urgências, deverá aumentar ainda mais as dificuldades. “Não sei como vamos fazer”, diz.
Hospital analisa soluções Em comunicado, o Centro Hospitalar Lisboa Norte salientou que tem sido preocupação “identificar os constrangimentos e limitações existentes”. E adiantou que o diretor clínico reuniu-se com todos os chefes de equipa para “serem objetivados os problemas e perspetivadas as soluções que, a curto prazo mitiguem as dificuldades e a médio/longo prazo tragam a necessária estabilidade e solidez às condições de trabalho e prestação de cuidados”.
Reconhecendo carências, o centro hospitalar indicou que, “mercê do esforço, flexibilidade e incontestável dedicação dos profissionais, é nos fins de semana que se verifica a maior dificuldade”. A unidade justificou ainda a situação atual com o envelhecimento da população médica e alterações que levaram à saída das escalas de urgência de especialistas e internos dos últimos anos das diferentes especialidades, o que faz com que hoje as equipas sejam constituídas quase em exclusivo por médicos de Medicina Interna.
Segundo o hospital, as 13 vagas abertas no último concurso para esta especialidade não foram suficientes para compensar as saídas, apontando que Medicina Interna tenha prioridade no próximo concurso “a ser aberto brevemente a nível nacional.”
Todos os anos há dois concursos de colocação de recém-especialistas, sendo que o concurso da segunda época costuma abrir em dezembro. Nesse caso, os reforços só chegarão em 2020. Segundo dados fornecidos pela unidade, há hoje mais oito especialistas em Medicina Interna no CHLN do que há três anos, num total de 95 médicos. Os números não permitem ainda assim perceber quantos fazem urgência no Santa Maria. Questionado pelo i, o hospital não adiantou que medidas vão ser tomadas nos próximos meses nem quantos médicos são necessários.
“Os internistas não querem ficar” No último concurso, apurou o i, ficaram por preencher duas vagas.
Para Nídia Zózimo são necessárias medidas de fundo: “Os internistas não querem ficar em Santa Maria. Não querem ficar a fazer estes bancos na urgência sem rede nenhuma”, diz, explicando que as dificuldades se alastram aos dois serviços de Medicina Interna, com 80 camas cada e onde chega a haver 40 macas nos corredores, dez por setor e onde faltam enfermeiros e assistentes. Uma situação que sobrecarrega os profissionais que continuam no hospital e não garante qualidade. A sobrecarga é também comum no banco, com doentes a permanecerem dias na urgência por não haver vaga para internamento, ficando a cargo das equipas de urgência.
A médica assinala ainda que os médicos tarefeiros são contratados a quatro vezes o valor hora que é pago aos médicos da casa, o que faz com que especialistas que poderiam reforçar a urgência optem por prestações de serviço noutros hospitais. “Um tarefeiro que contratemos ganha mais do que um chefe de equipa. Portanto os médicos preferem ir fazer bancos noutros hospitais, no Beatriz Ângelo, a Vila Franca… São precisos incentivos diferentes”.
Ordem escreve aos diretores Ao i, o bastonário dos Médicos, Miguel Guimarães, considerou “extremamente grave” a situação em Santa Maria. Na semana passada tinham sido os chefes de urgência do Hospital Garcia de Orta a denunciar uma situação de colapso iminente.
Miguel Guimarães reiterou que vai enviar uma carta aos diretores clínicos a alertar para a importância de garantir as “equipas tipo” e a pedir que reportem os casos em que as administrações não tomam medidas. “As pessoas vão ter de dizer se querem qualidade ou não, se querem diminuir a ocorrência de incidentes adversos ou não”, disse o bastonário, defendendo que, também nesta área, é preciso reforçar a fiscalização.