O Acordo de Paris já era insuficiente e agora ficou sem os Estados Unidos

O Acordo de Paris já era insuficiente e agora ficou sem os Estados Unidos


No mesmo dia em que Trump saiu do acordo, um relatório mostra que só 35 países deverão cumprir metas.


Exatamente no primeiro dia em que o podia fazer legalmente, o Executivo norte-americano notificou as Nações Unidas da sua saída do Acordo de Paris, que pretende limitar o aquecimento global a uma subida de 1,5 ºC, o mínimo para evitar uma catástrofe ambiental, segundo os cientistas. Agora, o Acordo de Paris fica oficialmente sem o segundo país com maiores emissões de gases com efeito de estufa, ao mesmo tempo que os críticos apontam para a insuficiência dos compromissos da maioria dos restantes países.

A confirmação da saída dos EUA do acordo coincidiu com a divulgação de uma declaração de emergência climática assinada por mais de 11 mil cientistas de todo o mundo – incluindo mais de 200 investigadores ligados a universidades portuguesas. Apesar de salientarem “inequivocamente que o planeta Terra enfrenta uma emergência climática”, os signatários notam que também há boas notícias: “estudantes estão a fazer greve. Processos por ecocídio estão a chegar aos tribunais, movimentos cívicos de base estão a exigir mudanças”.

Apesar de toda esta pressão, “é ingénuo esperar que os atuais esforços governamentais substancialmente desacelerem as alterações climáticas”, assegurou James McCarthy, professor de Oceanografia em Harvard e co-autor de um relatório do Universal Ecological Fund, também divulgado ontem, onde se lê que apenas 35 países, 28 deles da União Europeia, reduzirão as suas emissões em pelo menos 40% até 2030 – incluindo Portugal. No caso da UE – que emite 9% do total global de gases com efeito de estufa – a previsão é de que a emissão seja reduzida até 40% do que emitia antes de 1990. Um compromisso qualificado de “suficiente” no relatório e que vai ao encontro das metas do Acordo de Paris.

Enquanto isso, alguns dos países mais poluidores, como a China e a Índia – responsáveis por 26,8% e 7% dos gases com efeito de estufa que chegam à atmosfera respetivamente – continuarão a aumentar as suas emissões na próxima década, à medida que as suas economias e populações crescem. E o compromisso climático feito por estes países no Acordo de Paris só implica uma redução após 2030.

“Simplesmente, os compromissos feitos são demasiado poucos, demasiado tarde”, explicou Robert Watson, outro co-autor do relatório e antigo presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU. Mesmo que as medidas sejam implementadas, “apenas adiarão o problema alguns anos”, acrescentou Nebojsa Nakicenovic, antigo diretor do Global Energy Assessment.

 

Custos de não mudar

A tinta do Acordo de Paris ainda nem tinha secado mas já era claro que era insuficiente: estimava-se que o conjunto das medidas prometidas não chegaria para conter o aumento de temperatura a 2ºC. Ainda assim o acordo foi visto como um passo em frente, um enquadramento para conseguir que cada país estabelecesse objetivos cada vez mais ambiciosos. Contudo, anos depois, 97% dos compromissos ainda são os mesmos de 2015-2016, lê-se no relatório do Universal Ecological Fund. Os cientistas alertam para os perigos que têm sido sublinhados nos últimos 40 anos: maior frequência de furacões, tempestades mais fortes, aumento do risco de incêndios e secas. O custo? “2 mil milhões de dólares [cerca de 1,7 mil milhões de euros] por dia em 2030, um preço que o mundo não pode pagar”, lê-se.

Na declaração assinada por mais de 11 mil cientistas o aviso é também claro: “Para garantir um futuro sustentável, precisamos de mudar a forma como vivemos”. Os signatários argumentam que “uma mudança tão transformadora, com justiça económica e social para todos, promete melhor bem estar humano que os negócios do costume”.

E apontam áreas de intervenção, de uma alimentação mais à base de planetas à estabilização do aumento da população. “Há medidas demonstradas que fortalecem os direitos humanos ao mesmo tempo que diminuem as taxas de fertilidade”, defendem, numa altura em que a população mundial, sobretudo nas economias emergentes, está a aumentar a um ritmo de mais 200 mil pessoas por dia.

 

“Dominância energética” Foram motivações económicas a levar os EUA a retirarem-se do Acordo de Paris, considerando-o um “fardo económico injusto” para o país, disse Mike Pompeo. Ao invés disso, os EUA optarão por um “modelo pragmático e realista” – mas não sancionado pela comunidade científica. Um dos temas recorrentes da Administração Trump é aquilo a que chama “dominância energética” – ou seja, manter o investimento em energias fósseis, a todo o custo.