The Fall. Cinco minutos de inferno

The Fall. Cinco minutos de inferno


Goya e Trump inspiraram o realizador Jonathan Glazer, que diz que o nazismo se espalhou como uma febre e que o fenómeno se está a repetir.


The Fall, a curta de Jonathan Glazer estreou de surpresa no domingo à noite na BBC Two e em seis cinemas no Reino Unido e apanhou os espetadores duplamente desprevenidos: por um lado, ninguém esperava uma estreia de um projeto do realizador de Under the Skin (2014). Por outro, a violência do filme – ou da mensagem da dita – não deixou ninguém indiferente.

The Fall foi exibida de rompante, largada como uma bomba, como que interrompendo a programação. A curta tem cerca cinco minutos, reflete também sobre o medo e, não estando diretamente ligada, antecede um projeto do cineasta sobre o Holocausto, a ser rodado no próximo ano na Polónia.

Um dos pontos de partida do realizador não está perdido algures no passado, como contou o próprio ao Guardian: Glazer viu uma fotografia de um dos filhos de Trump a sorrir ao lado de um leopardo morto e foi nesse momento que se lembrou da imagem de uma multidão a posar para uma selfie, com a sua presa. Filmou a ideia em The Fall, onde uma multidão mascarada surge a perseguir um homem numa floresta, o que, explicou o cineasta ao diário britânico, simboliza nada menos do que a “mentalidade da multidão de linchadores” que tomou conta da cultura da sociedade contemporânea. “O medo está em todo o lado”, afirma o realizador, que pensa que é isso que leva as pessoas a terem comportamentos irracionais. “(Agir em) multidão encoraja a que se abdique da responsabilidade pessoal. A ascensão do nacional-socialismo na Alemanha, por exemplo, foi como uma febre que tomou conta das pessoas. E estamos a vê-lo a acontecer novamente”, avisou.

Para lá da fotografia da viagem de uma caçada de Trump Jr., Glazer foi buscar referências mais distantes, como a gravura de Goya O sonho da razão produz monstros, que faz parte da série Os Caprichos, produzida pelo pintor entre 1797 e 1799. A sátira de Goya descreve uma sociedade espanhola demente, corrupta e ridícula – nesta gravura, em particular, o artista ter-se á retratado a dormir, rodeado de morcegos. E há mais: “As gravuras de Goya sobre a guerra intituladas urgentemente de “Eu Vi” e “Isso é pior”. São o inferno na terra, um testemunho como o de fotojornalistas como Robert Capa ou Don McCullin. Feroz, factual, inflexível”.

O erro, o medo e a força negativa dos grupos que tantas e tantas vezes na história criaram um inferno na terra estão neste projeto encomendado pela BBC Films. “A oportunidade de ter convidar um cineasta visionário como Jonathan Glazer para criar uma peça que demonstre realmente o poder dos filmes curtos e trazer ao público um trabalho urgente, de uma forma surpreendente, era demasiado boa”, comentou Rose Garnett, diretora da BBC Films.

A curta vai continuar a ser exibida no pequeno conjunto de cinemas selecionados ao longo desta semana e pode ser também vista através do BBC Player.