Programa. Costa pisca o olho à esquerda

Programa. Costa pisca o olho à esquerda


Sem acordos assinados com o BE, PCP ou PAN, António Costa inscreveu no programa de Governo algumas das medidas reclamadas pela esquerda. Decisão que não fica imune a críticas.


O PS recusou assinar acordos escritos com os partidos da esquerda e com o PAN mas, no programa de Governo, António Costa fez ajustes e aproximou algumas das medidas das reivindicações do Bloco de Esquerda, do PCP e do PAN. Esse ajustes foram, aliás, as poucas alterações feitas ao programa de Governo, face às propostas apresentadas pelo PS antes das legislativas. É o caso do aumento do salário mínimo para 750 euros, até 2023, ou da reforma do sistema político, que ficou de fora das medidas previstas pelo Executivo, depois de ser contestada pela esquerda.

E este piscar de olho aos partidos da esquerda foi ontem sublinhado por António Costa que, no discurso de abertura da comissão nacional, voltou a rejeitar uma solução de bloco central e sublinhou que, neste segundo mandato, vai manter o rumo de 2015, sem “ziguezagues”. O primeiro-ministro diz que o pacote de medidas entregue, no sábado, no Parlamento teve “em conta” as “conversas” entre o PS com o PCP, BE, PAN, PEV e Livre.

Além disso, frisou ainda António Costa, “não é pelo facto de não haver posições conjuntas que não nos vamos bater nesta legislatura por prosseguir uma política de recuperação e valorização dos rendimentos, do trabalho e dos serviços públicos”, garantiu ontem António Costa. O primeiro-ministro aproveitou ainda para dizer que o Governo não vai “voltar para trás” e que não está “arrependido” da geringonça, deixando a porta aberta à esquerda , “caso desejem juntar-se a esta caminhada”.

No entanto, fica o aviso: “Não contem com o PS para fazer o que porventura desejaram que o PS fizesse”, lembrando Manuel Alegre, que disse que o PS “já é há suficientes anos um partido de esquerda para precisar de professores que lhe digam como se governa à esquerda”.

No entanto, a tentativa de aproximação do PS aos partidos da esquerda não agradou totalmente ao PCP, Bloco de Esquerda e PAN, havendo várias medidas que estão já a merecer algumas críticas.

Veja abaixo algumas das medidas propostas pelo segundo Governo de António Costa.

 

Salário mínimo de 750 euros

O Governo quer aumentar gradualmente o salário mínimo dos atuais 600 euros para os 750 euros mensais, em 2023. Esta foi, aliás, a primeira medida anunciada por António Costa após a tomada de posse e que o primeiro-ministro quer levar, na próxima semana, à concertação social – uma medida que se aproxima do Bloco de Esquerda, que quer aumentar o salário mínimo para 650 euros já em 2020, mas que o PCP considera ser “insuficiente”, continuando a reclamar o aumento do salário mínimo para 850 euros. Também as centrais sindicais, UGT e CGTP, dizem que a medida do programa de Governo é “um bom ponto de partida” para se chegar aos 850 euros.

No reverso, os patrões dizem que o valor proposto pelo Governo é “razoável”.

 

Reforma da lei eleitoral afastada

No programa eleitoral, o PS assumiu como meta “reformar o sistema eleitoral para a Assembleia da República, introduzindo os ciclos uninominais”, sem que fosse prejudicada a “proporcionalidade” da representação dos partidos, mas de forma que fosse reforçada a “personalização dos mandatos” – uma medida que era defendida pelo PSD, mas que era contestada pelos bloquistas e pelos comunistas.

Agora, no programa de Governo não há qualquer referência à reforma da lei eleitoral.

No sistema político, a medida que consta do programa de Governo é uma pena acessória para os titulares de cargos políticos que sejam condenados por corrupção. A medida desenhada pelo Executivo impede que todos os políticos em funções que sejam condenados sejam eleitos ou nomeados por um período de dez anos.

 

Sobe idade mínima para touradas

O Governo quer subir dos 12 para os 16 anos a idade mínima para assistir às touradas, limitando a assistência dos espetáculos. Mas a medida desagrada ao PAN e ao Bloco de Esquerda, que defendem a abolição das touradas.

No entanto, o programa de Governo aproxima-se das propostas do PAN ao antecipar o encerramento ou reconversão das centrais termoelétricas do Pego para 2021 e de Sines para 2023. Além disso, o Executivo propõe a criação de um Provedor do Animal e “facilitar o transporte de animais nos transportes públicos, sem necessidade de estes serem colocados em contentores”, acolhendo propostas do PAN.

 

Exclusividade no SNS

Na área da saúde, o Governo quer firmar “pactos de permanência” de forma a fixar e aumentar os recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde. Sem avançar com muitos detalhes desta medida, o programa de Governo refere apenas que o regime de exclusividade aos médicos será aplicado “após a conclusão da futura formação especializada”. O regime de exclusividade foi aplicado aos clínicos até 2009 e a Ordem dos Médicos defende este sistema. No entanto, os estudantes de Medicina veem o regime de exclusividade como sendo “incompreensível”. Já o Bloco de Esquerda defende que este sistema deve ser de caráter opcional e o PCP quer aumentar o salário aos médicos que, durante dez anos, aceitem trabalhar em exclusivo no SNS.

Nas parcerias público-privadas – uma das matérias que mais dividiram o BE e o PS na última legislatura –, o Governo compromete-se agora a não criar novas PPP.

Ainda para a área da saúde, o Executivo de António Costa prevê baixar dos sete para os dois anos a idade limite para o acesso ao cheque dentista – medida aplaudida pela Ordem dos Médicos Dentistas. Além disso, o Governo diz que quer criar um vale de pagamento de óculos para menores de idade e para alguns idosos.

 

Alterar concursos de professores

Na área da educação, o Governo quer alterar os concursos de colocação dos professores para dar uma “maior estabilidade” ao corpo docente. Uma das alterações assumidas pelo Executivo passa pela redução das áreas geográficas para as quais os docentes se podem apresentar a concurso para serem colocados numa escola (quadros de zona pedagógica). Desta forma, os docentes podem conseguir uma colocação mais próxima da sua zona de residência. Em 2013, o país estava dividido em 23 zonas e o Governo de Passos Coelho reduziu o número de quadro de zona pedagógica para dez. O Governo compromete-se a fazer um diagnóstico de necessidades a “curto e médio prazo, de cinco a dez anos”, de professores na escola pública.

Além disso, o Executivo de António Costa quer acabar com o chumbo dos alunos até ao 9.o ano (ensino básico) e criar um complemento-cheque, atribuindo às famílias uma comparticipação de acordo com o valor pago à creche – medida aplicada a quem tem mais de dois filhos.

Para o ensino superior, o Governo quer continuar a reforçar o programa nacional de residências de estudantes e afasta o cenário do fim ou da redução das propinas.

 

Escalões de IRS

O Governo comprometeu-se a manter a política de devolução de rendimentos através da revisão dos escalões de IRS. No entanto, não explicou como essa alteração será feita. O PCP já tinha defendido o alargamento para dez escalões, enquanto o Bloco de Esquerda acenava com a intenção de introduzir maior progressividade neste imposto. Ao mesmo tempo, o Executivo quer aumentar as deduções fiscais do IRS em função do número de filhos, e não em função do rendimento das famílias. Neste momento, as famílias com dependentes menores de idade têm uma majoração de 126 euros por criança com menos de três anos, para além da dedução fixa de 600 euros por dependente. Agora, a ideia é que, a partir do segundo filho, esta majoração passe para 300 euros.

 

Avaliação bancária

Outra mexida diz respeito ao quadro regulatório das comissões que os bancos cobram aos clientes. A ideia é que o valor cobrado seja proporcional aos serviços cobrados. Para isso, o Governo compromete-se a fazer uma avaliação. Além disso, promete prevenir e punir técnicas “agressivas e inapropriadas de vendas e publicidade”.

 

Incentivo vs. Investimento

A medida agora avançada pelo Governo passa pela devolução integral do IVA pago pelos centros de investigação sem fins lucrativos, mas apenas para a compra de determinados equipamentos. O Executivo compromete-se ainda a criar uma tarifa social de acesso de serviços de acesso à internet. No entanto, afastou a redução do IVA de 23 para 21%, medida reclamada pelo Bloco e pelo PCP.

 

Com Sónia Peres Pinto