Portugal viajou até 2023 para ouvir o anúncio de que o primeiro-ministro vai distribuir o que ele não produz e não sabe se o país vai produzir, dando um enorme salto sobre a realidade, como se ela estivesse às ordens deste Governo e fosse assalariada do Rato.
E só uma certa cultura de pesporrência minoritária, provinda da impunidade política geral, da oposição e de Belém, nos últimos quatro anos consolidada, permitiu dizer o que em síntese se ouviu:
“Não julguem que as razões nacionais podem alguma vez ser superiores às razões do PS”.
“Nada temo, nada nem ninguém, incluindo esse detalhe de, pelo caminho, haver eleição para se saber quem é o condómino de Belém”.
“Não julguem que eu me chamo Guterres”.
Estas as ideias que ficaram da posse do Governo.
Também no México, no tempo do PRI, o Partido Revolucionário Institucional, que tinha votações de 70%, era isto que se ouvia.
Aqui bastam 36%.
O verdadeiro perigo nisto tudo é que os alarmes não soaram na Ajuda, talvez porque também não pagam a manutenção e estarão out como por todo o Estado, enquanto a oposição inexiste…
Foi neste quadro que tomou posse um Governo de representatividade minoritária do povo, tal como o último de Marcelo Caetano, quando se julgava intolerável e arredada tal ilegitimidade pública per omnia saecula saeculorum…
E as vacuidades, modas e omissões gritantes são a marca deste Governo, como foram daquele.
Comecemos pelas omissões.
Há anos que não se liga pevide à reindustrialização do país; agora, repetiu-se a cena e também não há ministro da Indústria.
E o Governo que tomou posse este fim de semana não trata de política industrial e indústrias, mas limita-se à colagem ao Estado que, na prática, também despreza.
Luís Mira Amaral foi talvez o último que deu um notável contributo com um pensamento apurado sobre estratégia industrial para o país, assente na ideia de empresas viáveis e competitivas, e não exclusivamente na eleição de setores viáveis ou inviáveis de atividade afirmada.
Percebeu cedo que a automação e o advento das novas tecnologias, acelerando os ciclos de obsoletismo/modernização, iriam alterar a perspetiva industrial do país.
Por outro lado, viu o erro de não se colocarem as empresas como destinatárias das ajudas para investigação e desenvolvimento, procurando depois as universidades e politécnicos para interfaces de conjugação com vista para os mercados de produtos, bens e serviços.
Foi dele que partiu a chamada de Michael Porter para analisar, há 25 anos, os clusters do futuro, que permitissem definir orientações setoriais que ainda hoje se mostram com espaço nos mercados.
A recordação do último ministro ligado ao setor industrial digno desse nome vem a propósito da ausência de titular da Indústria de novo neste Governo, ainda mais assinalável quando tudo parece ser o resultado de afetação de cargos a ministérios e secretarias de Estado para cumprir compromissos e expetativas de grupos, mais que em função de eficácia governativa e da competitividade do país.
E a intersecção das mudanças no mundo e nos destinos de investimento industrial mais ainda justificaria uma missão dedicada num ministério.
Mas há sempre oportunidades na hipótese comparativa que a formação deste Governo proporcionou, mesmo se não se conhece a base de conceção da sua estrutura, se existe.
A leitura é, por isso, livre, permitindo adivinhar que talvez nunca como nos próximos meses um primeiro-ministro venha a ser uma espécie de árbitro e, no limite, uma espécie de VAR, que se multiplicará em ver e rever as sobreposições e invasões de competências entre ministros, secretários de Estado e, no fim, empresas e cidadãos em fila.
Já referimos a questão da indústria. A segunda grande ausência/omissão é o ministério do Turismo.
Portugal tem um potencial fantástico de condições para destino de lazer e segunda residência do melhor poder de compra da Europa.
Não apenas turismo em Lisboa, mas para todo o país.
A transversalidade da pasta e a influência multissetorial na qualidade e criação de uma cultura turística justificavam plenamente.
A terceira grande ausência é a de um ministro coordenador das reformas (se houvesse vontade de as fazer), que pegasse nas quatro ou cinco grandes questões do país (representação político-eleitoral, demografia, justiça e segurança social, investimento estrangeiro) e não largasse o “filão” reformador todos os dias.
As modas:
As “modas” chegam a colar uma nota de provincianismo internacional que arrepia no país que somos.
O clima, na sua quase intangibilidade de mudança que pouco está ao alcance do homem, não justifica nada mais que um bom serviço meteo, e não o oportunismo político feito negócio, de colocar o enunciado nominal no ministério que ainda há um ano mudou, pelas mesmas razões de moda: era do Ambiente e passou para “da Transição Energética”, que agora cessou porque a transição deve ter sido concluída em breve ano de vigência nos cabeçalhos do ministério.
Já o ambiente e a ecologia deviam ser ser preocupação permanente, mas sem passar do nível de uma direção-geral.
Ficam então as vacuidades.
A primeira é aquela Secretaria de Estado do Cinema, Audiovisual e Média.
Um gabinete com um diretor de departamento ou um chefe de divisão não chegava para acompanhar a Lusa e a RTP?
Ou está adquirido que haverá eleições antecipadas e é preciso quem coordene a propaganda na RTP e na Lusa e distribua uns trocos pela mão estendida dos “agentes de artes visuais e cénicas”?
A segunda inutilidade é a existência de secretarias de Estado e ministérios que se atravessam no caminho uns dos outros e, seguramente, só não vão andar à pancada porque é tudo gente civilizada.
Valorização do Interior e Coesão Territorial: qual dos titulares virá a ser o empecilho?
Desenvolvimento Regional e Coesão Territorial: quem está a mais?
Desenvolvimento Rural e Florestas: quem marca fronteiras?
O primeiro-ministro parece que disse esta semana que com ele nunca haverá “pântanos”: com este Governo, o próprio Estado já é pantanoso e depois admiram-se que 0,8% do PIB seja a medida média de crescimento do país nos últimos 15 anos, numa Europa que tem países a crescer a 5%.
Este ajuntamento governativo corresponde bem ao ranking de 0,8 de expetativas, numa escala de zero a cinco.
E esta democracia, que produz Governos minoritários com a mesma naturalidade e aceitação que vigorava naquele “tenebroso” tempo, tornou-se a fautora da irrelevância na gestão das expetativas que todos os Governos pretendem alcançar.
Governos assim já não são instrumentos de desenvolvimento em democracia, são apenas ficção política.
Jurista
Escreve quinzenalmente