Violência nas escolas. Há mais notícias, mas menos incidentes registados

Violência nas escolas. Há mais notícias, mas menos incidentes registados


O Ministério da Educação garante ao i que os números de violência nas escolas “apontarão para um decréscimo significativo” este ano. João Sebastião explica que não se podem meter todos os casos no mesmo saco


Os episódios relatados de violência nas escolas têm vindo a multiplicar-se nos últimos dias, com agressões de professores a alunos e vice-versa. Mas os números do Ministério da Educação dizem o contrário. “Os dados de 2019 estão a ser trabalhados […], os quais apontarão para um decréscimo significativo dos incidentes em recinto escolar”, referiu esta quarta-feira ao i o ministério de Tiago Brandão Rodrigues. 

O registo de ocorrências de situações de violência em contexto escolar é feito, segundo o Ministério da Educação, “através do reporte feito pelas escolas à direção responsável pela segurança”, sendo o Grupo Coordenador do Programa Escola Segura responsável pelo tratamento dos dados. 

O Ministério da Educação referiu ainda que este decréscimo “acompanha uma tendência já plasmada nos dois últimos relatórios anuais de segurança interna – 2017 e 2018 -, que apontam para uma diminuição de ocorrências no interior de escolas de 10,25%”. Segundo o último Relatório Anual de Segurança Interna, referente ao ano letivo de 2018/2019, as ofensas à integridade física, dentro e fora da escola, são os episódios com mais registos: 1521. Lisboa, Porto e Setúbal são os distritos que registam mais ocorrências por parte da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP).

 

Cada caso é um caso

É correto relacionar o episódio que aconteceu na Escola Secundária Rainha Dona Leonor, em Lisboa, em que um professor agrediu um aluno, e o caso na Escola Básica e Secundária Amélia Rey Colaço, em Linda-a-Velha, em que uma aluna de 14 anos agrediu uma professora? Desconhecendo os números atuais e a evolução do panorama nacional, João Sebastião, diretor do CIES-IUL (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa) e antigo coordenador do Observatório de Segurança em Meio Escolar, explicou ao i que “cada caso é, claramente, um caso”, acrescentando que “as coisas não têm ligação umas com as outras porque são em escolas diferentes, em contextos diferentes, com alunos diferentes e com professores diferentes”. 

Colocar todos os casos no mesmo saco pode ser uma conclusão precipitada, diz. No entanto, há padrões: “Há sempre mais incidentes no início do ano letivo do que no meio ou no fim e sabemos que há mais ocorrências num certo tipo de alunos – alunos de certos anos de escolaridade são mais violentos. Por exemplo, quanto mais perto do secundário, pior. O secundário tem muito menos ocorrências, por causa da idade e da maturidade”, acrescentou João Sebastião.

O fenómeno da violência nas escolas pode ser comparado, por exemplo, com o da violência doméstica ou qualquer outro, afirma o investigador. “Sabermos que há casos de violência doméstica não significa que haja mais casos de violência doméstica; pode significar simplesmente que sabemos mais e que as pessoas estão mais disponíveis para os relatar”, referiu o professor, adiantando que “na violência na escola acontece também, muitas vezes, a mesma coisa”. 

Neste contexto, “o simples facto de não haver relatos sobre as situações, de não haver queixas na polícia ou de os próprios diretores de agrupamentos mascararem o assunto e não o divulgarem pode fazer parecer que há menos, mas nós não conhecemos é a realidade”. 

Há ainda outro ponto importante: a denúncia dos casos depende sempre da avaliação feita pela pessoa que apresenta a queixa – se considera, ou não, relevante. “É um pouco o que na criminologia se chama as cifras negras do crime: nós nunca sabemos quantos crimes são cometidos – por cada dez crimes relatados, se calhar há uns cinco ou seis que não são relatados – porque a pessoa, se calhar, acha que não é suficientemente grave ou acha que, não sendo muito grave, vai à esquadra e nada acontece”, explicou João Sebastião. 

O Observatório de Segurança em Meio Escolar, coordenado por este investigador, trabalhava em conjunto com o Ministério da Educação, mas foi extinto em 2012, na tutela de Nuno Crato. Nessa altura, João Sebastião relatou que os funcionários das escolas eram parte esquecida nestas situações, já que “são tão agredidos como os professores ou mais”. “Nós tínhamos essa informação, porque muitas vezes os funcionários são os primeiros a chegar, por exemplo, quando há dois alunos a lutar”.

 

Tratamento desigual

Depois de conhecido o episódio do professor que agrediu um aluno, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) atirou a responsabilidade moral para a tutela e tratou de frisar que o Ministério da Educação é célere a falar dos casos de violência contra alunos, mas que o mesmo não acontece quando as agressões dizem respeito aos professores. “É inaceitável este silêncio, que soa a indiferença, quando os professores são agredidos por alunos ou familiares”, referiu esta quarta-feira a estrutura sindical liderada por Mário Nogueira. Soluções? Reforço da segurança nas escolas, disponibilização de apoio jurídico aos docentes vítimas de agressão e “agravamento da moldura penal associada à violência no espaço escolar” são as exigências da Fenprof.