De um ano para o outro, uma jovem ativista climática transformou-se num ícone global. Greta Thunberg passou de fazer greve sozinha à porta do Parlamento sueco, para repreender cara a cara os líderes mundiais, com o apoio de milhões de pessoas que saíram à rua um pouco por todo o planeta, respondendo ao apelo do movimento ‘Sextas-feiras por um futuro’. Greta não mede as suas palavras, talvez fruto do seu “superpoder”, o síndrome de Asperger, uma forma de autismo caracterizada por dificuldades com as normas sociais e grande foco em interesses particulares. Por um lado, admiradores de Greta salientam a sua capacidade de ser dura com os poderosos, dando voz ao alarme lançado pela comunidade científica quanto aos perigos do aquecimento global. Por outro, os muitos detratores de Greta vêm com suspeita a sua ascensão ao palco mediático – apontando alegados laços entre a adolescente sueca e empresários.
Muitas das críticas são baseadas em desinformação, sobretudo vindas de negacionistas das alterações climáticas, como o deputado brasileiro Eduardo Bolsonaro, filho do Presidente Jair Bolsonaro. No Twitter, Eduardo não só partilhou uma foto de Greta a comer uma refeição num comboio, com crianças negras a assistir pela janela – uma montagem – como a acusou de ser financiada pelo bilionário George Soros – um dos alvos favoritos da extrema-direita. Apesar de não haver nenhum indício de ligações entre os dois, multiplicam-se as notícias falsas com teorias da conspiração. “Como podem ter notado, os haters estão ativos como nunca”, escreveu no Twitter Greta, considerando que o objetivo destes é “desviar a atenção, dado que estão tão desesperados para não falar da crise ecológica e climática”. “Eles encontram todas as mentiras imagináveis e teorias da conspiração”, assegurou.
Contudo, nem todas as acusações de ligações entre empresários e o fenómeno Greta são baseadas apenas em fake news. Em fevereiro deste ano, uma investigação do jornal sueco Svenska Dagbladet revelou que a jovem ativista terá aceitado a oferta de fazer parte do conselho consultivo para a juventude da start-up We Don’t Have Time (ou Nós Não Temos Tempo), do empreendedor Ingmar Rentzhog. A empresa dedica-se a produzir conteúdos ambientalistas para as redes sociais, fazendo dinheiro a partir dos anúncios – sendo que apenas 10% deste seria entregue a causas ambientais. Segundo o jornal sueco, a start-up terá usado o nome de Greta mais de dez vezes em material de promoção de uma emissão de ações, em novembro de 2018 – que acabou a render à empresa 10 milhões de kronas (qualquer coisa como 900 mil euros). Greta acabaria por afastar-se do conselho consultivo da We Don’t Have Time.
“É triste caso ela tenha sido usada comercialmente. Mas ela não soube nada do assunto. Nenhum de nós soube”, comentou o pai de Greta, Svante Thunberg, em resposta à investigação. Entretanto, questionado pelo The Local, Rentzhog, o patrão da empresa, garantiu ter informado os pais da ativista, e justificou o seu modelo de combate às alterações climáticas. “Quando és uma ONG, caso faças crescer a organização, tens uma organização com muitos mais custos. Se és um negócio estás a crescer, o valor da empresa cresce também. Não precisas de te focar em doações”. E quanto à acusação de que pretendia lucrar com a fama da ativista, Rentzhog respondeu: “Quando convidámos a Greta para estar no nosso conselho consultivo ela era famosa, mas não era mundialmente famosa como é agora”.
Ascensão De facto, Rentzhog terá conhecido Greta exatamente no momento de lançamento do fenómeno Greta. A 20 agosto de 2018, no primeiro dia da greve climática de Greta, Rentzhog ia “a caminho do trabalho” quando se cruzou com a jovem, segundo publicou no Facebook. Foi o empreendedor que publicou a icónica imagem da ativista, bem como a mensagem dos seus panfletos, onde se lia: “Dado que vocês adultos não querem saber do meu futuro, eu não quero também”. No próprio dia, a We Don’t Have Time lançou um vídeo a divulgar a greve climática de Greta.
“Não demorou muito até aos media nacionais acompanharem”, lê-se num artigo da empresa de Rentzhog, publicado três dias depois. “Ainda na primeira semana da greve, pelo menos seis importantes jornais diários, bem como as televisões nacionais suecas e dinamarquesas entrevistaram Greta. Dois líderes partidários suecos pararam para falar com ela”.
“Muitas pessoas gostam de espalhar rumores de que tenho pessoas ‘por trás de mim’, ou que estou a ser ‘paga’ ou ‘usada’ para o que faço”, escreveu Greta no Twitter, assegurando: “Sou absolutamente independente e só me represento a mim mesma”.
Qualquer que tenha sido a influência da We Don’t Have Time na ascensão da ativista ao palco mundial, o certo é que já construiu um movimento real à sua volta, galvanizando uma nova geração que colocou a expressão “emergência climática” nas bocas do mundo. E tanto Greta como os milhões de novos ativistas climáticos prometem responsabilizar os seus governos, caso não tomem medidas sérias para combater as alterações climáticas. “Os olhos das futuras gerações estão sobre vós. Se escolherem falhar-nos, nós nunca iremos perdoar-vos”, garantiu Greta, durante a Cimeira do Clima da ONU.