A conferência do clima e o reino da hipocrisia

A conferência do clima e o reino da hipocrisia


O bicho homem não parece estar disposto a abdicar de grande parte das “conquistas” que lhe permitem vidas mais cómodas, prazenteiras e menos doridas (e que esgotam para poucos, de forma irremediável, os limitados recursos da Terra).


A Conferência do Clima, realizada em Paris de 30 de novembro a 11 de dezembro de 2015, mereceu na altura um apoio mediático generalizado e criou por isso expectativas elevadíssimas na opinião pública.

O apoio mediático foi de facto generalizado e maciço, em resultado da abordagem determinada e quase exclusiva, por parte dos media, da vertente da evidência das Alterações Climáticas (1) e das suas “prometidas” e catastróficas consequências.

As expectativas, quanto ao teor do acordo final, atingiram níveis igualmente elevados, na sequência da anunciada “aliança climática” entre a China e os EUA (reiterada só após Acordo… em 1 de Abril de 2016 ) – que assim se juntaram à anterior posição da União Europeia – e à espetacular e entusiástica nova posição do então recentissimamente eleito governo canadiano que, em escassas semanas de governação (!), propôs objetivos ainda mais ambiciosos do que aqueles que tinham sido diplomática e laboriosamente preparados durante mais de dois anos.

Os objetivos da Conferência eram, aliás, públicos, claros e inequívocos:

– Aprovar um mecanismo juridicamente vinculativo que obrigasse os signatários do Acordo final a alcançarem os objetivos e a respeitarem os financiamentos com que se comprometessem;

– Aprovar um plano ousado e calendarizado para a descarbonização da economia mundial;

– Aprovar um preço para o Carbono.

É que, com estas medidas, e sem colocar em risco a capacidade de produzir os alimentos de que a população mundial carece, seria possível “garantir” a manutenção da temperatura média do planeta abaixo de 2ºC acima da média do nível chamado “pré-industrial” (2), no final do século (objectivo apontado pelo Painel de Cientistas que tem apoiado as Nações Unidas nesta matéria).

Aconteceu porém que apenas no dia 12 de dezembro – no sábado que se seguiu ao dia previsto para o encerramento da Conferência – houve finalmente o “fumo banco” que não tinha sido possível consensualizar em tempo!

E porquê? Porque um elevadíssimo número de países, liderados pela Índia – que pré-anunciara com tempo a sua posição – se recusaram a aceitar um preço internacional para o Carbono emitido e o concomitante abrandamento do seu desenvolvimento (que se baseia, ainda, quase exclusivamente no carvão…) e porque quase todos se recusaram a um compromisso vinculativo, relativamente ao dinheiro necessário para fazer funcionar o Acordo.

Ninguém entendeu necessário explicar o fiasco que se tinha verificado e mesmo assim os media cantaram hosanas quase em uníssono! E variadas figuras mediáticas e políticas (nacionais e internacionais) apressaram-se a dizer e escrever que se estava perante um “facto histórico” de dimensão e importância sem precedentes neste domínio da luta contra as Alterações Climáticas (3).

(Estes publicitários sempre foram uns exagerados…, como dizia um anúncio antigo na RTP…).

Ora o que se aprovou em Paris consta do site das Nações Unidas, (consultável em unfccc.int) e os factos foram e são os seguintes:

– Foi aprovada uma Declaração de Intenções (não juridicamente vinculativa) reconhecendo (talvez por isso…) com a unanimidade dos 195 países presentes, a necessidade de conter a temperatura média do Planeta, abaixo do limite de mais 1,5ºC (e não dos 2ºC inicialmente pensados) acima da “tal” temperatura da era “pré-industrial” (acolhendo aliás a surpreendente e “serôdia” proposta canadiana) (4).

– Foi prevista a nomeação de dois “super-embaixadores” (High Level Champions) para o clima e para a implementação do Acordo entre 2016 e 2020 (e na altura a “ressurreição” mediática de Al Gore parecia fazer adivinhar quem poderia vir a ser um deles…);

– Foi convocada uma nova COP (Conferência das Partes), a COP 22, para novembro de 2017, em Marraquexe (que deu em nada, como agora se sabe);

– Ficou definida (gostava que lessem com atenção esta parte) a ambição (igualmente não vinculativa…) de dotar as Nações Unidas (o UNFCCC – United Nations Framework on Climate Change) com 100 (cem) biliões (!) de US$, por ano, até 2020, numa base de INDC’s (Intended Nationally–Determined Contribution), com vista ao financiamento da descarbonização acelerada nos diferentes países;

Este Acordo, anexo à Declaração/Proposta do presidente da Conferência de 12 de dezembro (20 de 32 páginas) – que pode ser lida no já citado unfccc.int – e que ocupa apenas a última dezena de páginas do documento final, entrou em vigor quando 55 países membros, representando pelo menos 55% das emissões de gases de efeito de estufa (5), o ratificaram nas suas instâncias políticas nacionais (até 21 de abril de 2017).

Não obstante o folclore político (e de novo mediático) que constituiu a (re)afirmação da (re)aprovação de princípio do texto de Paris, no dia 22 de abril 2016, Dia Mundial da Terra, por parte de 177 países – dos quais até essa data apenas 17, representando menos de 0,3% das emissões de gases de efeito de estufa, tinham ratificado formal e oficialmente o Acordo – que teve lugar na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, tardou até que se encontrasse um pretexto para justificar o completo fracasso da Cimeira de Paris.

Ora esse alibi começou a aparecer após a eleição do Sr. Trump, em novembro de 2016, quando este anunciou e depois consumou a saída dos EUA do dito Acordo de Paris.

Quem releia agora com atenção o que acima se escreveu (e não são fake news…) verificará que não foi – não podia ter sido – a decisão (por mais lamentável que tenha sido) do Sr. Trump de sair do Acordo – que não contém uma única cláusula política ou financeira vinculativa nem datada – a responsável pelo (já então garantido) insucesso da Conferência do Clima em 2015…

Agora que se realiza nas Nações Unidas uma nova Cimeira da Conferência do Clima, a renovada insistência dos media em afirmar que “o Planeta precisa de ser salvo” e o gosto pelo folclore que sempre aparece associado a estes momentos (a pequena, independente e desamparada Greta, a “excomunhão” das vacas, determinada pelo Magnífico Reitor de Coimbra, e os vídeos choque nas TV’s, são disso bons exemplos) desviam a sociedade do cerne do problema: O bicho homem não parece estar disposto a abdicar de grande parte das “conquistas” que lhe permitem vidas mais cómodas, prazenteiras e menos doridas (e que esgotam para poucos, de forma irremediável, os limitados recursos da Terra) e, problema maior, nunca ninguém se entenderá sobre o poder (quase discricionário) que será necessário dar aos governos e aos reguladores para proibirem (em nome do Planeta, do Ambiente ou afim) o que é hoje permitido.

Por outro lado há muita gente, com formação ideológica baseada em fenómenos totalitários não muito longínquos, vividos na Europa e na Ásia, que já está em bicos dos pés a gritar: “Nós sabemos o que fazer e como fazer. Deixem-nos mandar, em nome do Planeta!”; pensando para consigo que “desta vez é que o capitalismo vai ser esmagado”…

Com esta minha idade, tenho cada vez mais dúvidas sobre o que quero, mas, em compensação, tenho cada vez mais certezas sobre o que não quero. Por isso, a estes “salvadores” do Planeta, só posso dizer “Não, obrigado”.

O grande desafio para todos nós é saber distinguir a gente séria e estudar a mensagem fundamentada. “Só” isso!

(1) – O nível aparentemente “neutro” para o clima seria de 280 ppm de CO2 na atmosfera. Esse nível seria já 300 ppm em 1910 e hoje é de 400 ppm

(2) – Correspondente à temperatura estimada para o período 1773/75 (14ºC)

(3) – Laurent Fabius, Ministro dos Negócios Estrangeiros da França e presidente da Conferência, definiu o Acordo como “ambicioso e equilibrado, ficando a constituir um ponto de viragem na História da Humanidade”

(4) – Que resultou afinal de estudos anteriores do Painel de Cientistas que estimaram que de 1753 a 2011 a temperatura média teria subido 1,5ºC, dos quais 0,9ºC nos últimos 50 anos.

(5) – China, EUA, Índia, Brasil, Canadá, Rússia, Indonésia e Austrália (para não mencionar a “militante” União Europeia), representam por si só mais de 50% das emissões de gases de efeito de estufa… pelo que, com tanta “unanimidade”, tudo isto (e muito mais) deveria ser fácil…

Engenheiro Agrónomo. Antigo presidente do conselho da Escola do Instituo Superior de Agronomia