Eduardo Madeira. "Há uma tendência para culpabilizar o humor e deixar de fora os problemas reais
Colocar humor e fact-checking no mesmo saco não faz sentido, pelo menos é assim que Eduardo Madeira vê a questão. O humorista já anda no mundo das piadas há muitos anos, o que faz com que este assunto, para ele, seja outra piada: “Acaba por ser tão ridículo que é uma piada por si próprio meter humor ao mesmo nível de assuntos um pouco mais sérios. É, no fundo, uma piada, é uma coisa um pouco ridícula, e está-se a trocar tudo”. Se é um ataque à liberdade de expressão ou à liberdade humorística, não sabe, mas garante que “é um disparate colocar fake news e humor no mesmo patamar” e que “este fact-checking descredibiliza o humor”.
Eduardo Madeira faz o paralelismo entre dois mundos: o do humor e o real. E aqui há diferenças muito especificas. “As pessoas têm de se preocupar é com quem fala a sério, porque uma piada racista ou uma piada fascista não deixa de ser uma piada”, diz, acrescentando que “o problema é quem fala a sério, temos de nos preocupar é com quem é mesmo racista ou fascista”.
Há uma certa tendência para atirar as culpas para o humor e tapar os problemas reais, explica o humorista. De facto, os humoristas também falam de temas sérios mas, “no fundo, metem o dedo na ferida ao expor o ridículo da situação”.
As redes sociais chegaram para ajudar o humor a crescer e a ganhar ainda mais força nos últimos anos, diz Eduardo Madeira diz. E isso “talvez esteja a irritar muita gente”, explica.
Quanto a limites, parece que não são muitos, “e nas redes sociais muito menos”. Seja no Facebook, no Twitter ou no Instagram, “o limite do humor, na verdade, não existe, até porque não há grande regulamentação nesse sentido e, realmente, tratando-se de sites de comédia, não vejo por onde se limitar”, diz o humorista relativamente à análise de fact-checking em sites que se assumem do lado do humor, já que humor “é comédia, sátira e brincadeira”.
Nilton. "Eu acho que as pessoas deviam tirar a carta de redes sociais antes de as utilizarem
“Há uma fronteira ténue entre quem faz humor para fins de entretenimento e quem faz fake news só para desinformar. É como pegar no conteúdo do Inimigo Público ou do Insónias em Carvão e achar que se trata de algo verdadeiro quando são conteúdos abertamente humorísticos”. É assim que o humorista profissional e locutor da RFM vê esta verificação de factos em conteúdos satíricos.
Segundo Nilton, “as pessoas ainda estão numa fase de aprendizagem das redes sociais. Isto não devia ter sido dado à doida. Quando se dá um carro, não se dá sem antes tirarem a carta. Eu acho que a malta devia tirar a carta de redes sociais antes de as utilizarem”. O humorista vê as redes sociais como “pequenas salas de bullying e agressividade louca que as pessoas ainda não sabem gerir.”
O locutor da RFM também considera não haver limites para o humor, seja onde for. Contudo, nota que “vivemos num mundo em que as pessoas se comportam como provedores, vivem na lógica de ter de julgar se o que dizemos é a brincar ou não”. “As próximas gerações das redes não vão acreditar como nos comportávamos nas redes. Somos os australopitecos da internet”, conclui.
De acordo com Nilton, “não faz sentido fazer este fact-checking à sátira porque ninguém está à espera de chegar ali e ler coisas verdadeiras”. A distinção entre o que é humor e o que não é é vista pelo humorista como uma das principais dificuldades das pessoas. “Infelizmente, não podemos ir a casa de cada pessoa explicar essa diferença”, brinca.
No entanto, o também antigo apresentador do programa 5 Para a Meia-Noite acha que este fact-checking não irá descredibilizar a sátira. Segundo o mesmo, projetos como o Imprensa Falsa “têm é de manter o seu rumo”. “Quem o faz tem de continuar a fazer como tem feito até agora, independentemente de haver esta ou aquela crítica ou de ser feito o tal fact-checking. Na verdade, são uma página de humor e assim têm de continuar”, conclui.
António Raminhos. "Uma notícia satírica tem o objetivo de divertir, de criar boa disposição"
Para o humorista e cara do programa da SIC Esta mensagem é para ti, também não faz sentido “haver esta verificação e avaliação de sites satíricos e humorísticos”. Segundo António Raminhos, a grande diferença “entre notícias falsas e notícias humorísticas e satíricas” é que as primeiras “têm o objetivo de gerar confusão e gerar partilhas para benefício de quem quer que seja, ou até prejudicar alguém”, enquanto “um site satírico ou uma notícia satírica, irónica ou humorística tem outro objetivo, o objetivo de divertir, criar boa disposição. Nem que seja mostrar as coisas de outra maneira, mostrar o reverso da medalha. As intenções são completamente distintas”.
António Raminhos, tal como Nilton e Madeira, considera que “a questão dos limites do humor é como ver se nasceu primeiro o ovo ou a galinha”: “O que interessa é que tenha piada. Esse, para mim, é o limite. E, mesmo aí, é difícil, porque uma coisa que pode não ter piada para mim pode ter para outra pessoa”.
Segundo o humorista, esta verificação dos conteúdos com fins humorísticos pode ser “de certa forma vista como se se estivesse a tirar uma certa liberdade de expressão”, uma vez que estamos a verificar algo que já é dado de antemão como uma mentira para fins humorísticos.
“O humor depende muito mais de quem o recebe do que de quem o faz. Por isso é que uma coisa de que eu gosto, pode não agradar a outro. Se eu estiver a fazer um espetáculo e tiver dez carnívoros e um vegetariano na sala, se fizer uma piada a gozar com os carnívoros, se calhar, só o vegetariano se ri. Se fizer uma piada a gozar com os vegetarianos, se calhar, o vegetariano levanta-se e vai-se embora. Por isso é que o humor depende muito mais de quem o recebe. Depende das vivências da pessoa, da sua realidade. Nunca se vai agradar a todos e há uma boa parte das pessoas que não entende isso”, conclui Raminhos, que considera ser necessário perceber que “se pode brincar com tudo”: “A sátira vive muito também do registo mais negro”.
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