Era Uma Vez em Goa. Entre Portugal e a Índia, sobra o quê?

Era Uma Vez em Goa. Entre Portugal e a Índia, sobra o quê?


O Museu do Oriente recupera, num ciclo de cinema ao longo do mês de setembro, um conjunto de olhares portugueses e goeses sobre Goa, tanto nos anos que circundaram a integração da ex-colónia portuguesa em território indiano, como nos dias de hoje.


Durante 450 anos, Goa, parte do império colonial português, existiu de costas voltadas para a Índia. Quase 60 anos depois da integração do território na Índia, que memórias resistem, em Goa, da cultura portuguesa? Ou que peso tem a cultura hindu? À procura das respostas foram Inês Gonçalves e Vasco Pimentel em Pátria Incerta, um documentário de 56 minutos completado em 2006, que encerra ao fim da tarde de hoje, no Museu do Oriente, a sessão inaugural do ciclo Era Uma Vez em Goa: Identidades e Memórias no Cinema.

“Nos primeiros 60 anos da ocupação, metade da população (intensamente culta, intensamente estruturada, intensamente hindu) foi forçada a converter-se à religião católica”, notam os autores num texto de apresentação do filme. “Tal como o clima húmido de Goa dificulta o sarar das feridas, também o passado parece não conseguir cicatrizar. A memória da cultura portuguesa sobrevive em Goa e revela-se à vitalidade da cultura hindu, nunca enfraquecida, presente por toda a parte – até nos católicos goeses, descendentes de hindus convertidos”.

Pátria Incerta sucede uma curta-metragem documental que Paula Albuquerque filmou, ainda estudante da Rietveld Academy, em Amesterdão, numa viagem a Goa, onde tem as suas raízes, com uma “mini-DV barata e minúscula” que utilizou como “meio de pensar encontros” com pessoas relacionadas com o passado da sua família. Eternal Foreigner seria o título que acabaria por dar a esse trabalho que lhe permitiu a descoberta de aspetos que desconhecia da sua identidade, que diz influenciarem até hoje o seu trabalho.

Comissariado por Maria do Carmo Piçarra, o ciclo prolonga-se até 29 de setembro, dia em que, numa sessão comentada por Jacinto Godinho e a comissária, são exibidos um conjunto de filmes de arquivos públicos. Da RTP, um conjunto de blocos noticiosos do arquivo da estação pública, intitulados Chuvas de Monção em Goa, Natal dos Soldados Portugueses em Pangim, Chegada de Refugiados a Lisboa e Manuel Vassalo e Silva [oficial português e o último governador-geral da Índia portuguesa] é Distinguido na Índia. Do Centro de Audiovisuais do Exército Português, dois vídeos, sem som: Operação de Segurança no Estado da Índia (1955), de autor desconhecido, e Rumo à Índia (1959), de Miguel Spiguel.

Mas antes disso haverá ainda oportunidade para regressar a A Dama de Chandor, um filme de 1998 de Catarina Mourão que é apresentado numa cópia restaurada que contou com o apoio da Fundação do Oriente.

E, como para cada história (e para a História) há sempre dois lados, pelo menos, o ciclo Era Uma Vez em Goa: Identidades e Memórias no Cinema dedica também várias sessões a filmes contemporâneos goeses. É o caso de Digant (2012), de Dnyanesh Moghe, um filme ficcional que, nas palavras com que Maria do Carmo Piçarra apresenta o ciclo, “participa no esforço de manutenção de uma produção de cinema local, em konkani, estando ligado, pela abordagem temática, às preocupações, pela via documental, de outros realizadores goeses”. Ou de Caazu (2015), de Ronak Kamak, agrupado com outras curtas documentais numa sessão que procura refletir sobre a ameaça atual às práticas ancestrais goesas. Como também I Am Nothing, uma curta-metragem de 2019 que corresponde a uma investigação de Ronak Kamat sobre a vida e obras do lendário e enigmático artista goês-português, Vamona Navelcar.