Inquérito. Economista revela a “pergunta que Centeno deveria ter feito mas não fez”

Inquérito. Economista revela a “pergunta que Centeno deveria ter feito mas não fez”


Eugénio Rosa defende que os dados mostram uma diminuição do ganho médio mensal e do poder de compra dos funcionários públicos.


O economista Eugénio Rosa defende que houve uma pergunta que Mário Centeno deveria ter feito aos funcionários públicos no questionário que distribuiu no mês passado na administração pública, mas que preferiu não fazer: “Qual é motivação que [os funcionários públicos] podem ter no trabalho se, depois de quatro anos deste Governo, o seu poder de compra continua a ser inferior ao de 2009, em -13,2%”?

Em causa está um questionário distribuído a mais de 500 mil trabalhadores da administração pública, no passado mês de agosto, que teria como objetivo avaliar o grau de motivação dos empregados do Estado. O documento continha várias proposições que tinham de ser comentadas pelos funcionários públicos – “o período da troika influenciou negativamente a minha motivação no trabalho”, “a reposição dos salários afectou positivamente a minha motivação no trabalho”, “o descongelamento progressivo das carreiras é motivador” e “sinto-me hoje mais motivado no trabalho do que há cinco anos” eram algumas delas.

Entretanto, o governo mandou suspender temporariamente o inquérito distribuído pela Direcção-Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP): “Considerando que a elevada visibilidade do assunto em período pré-eleitoral pode comprometer a fiabilidade dos resultados, inviabilizando todo o inquérito e a comparabilidade com os resultados obtidos em 2015, o Governo determinou a suspensão temporária do inquérito, e que o preenchimento dos questionários e as fases subsequentes sejam retomados após as eleições legislativas marcadas para dia 6 de outubro”, referiu o Ministério das Finanças, em comunicado.

No estudo agora divulgado, Eugénio Rosa defende que, utilizando dados do segundo trimestre divulgados pela DGAEP e pelo INE, é possível mostrar que o aumento médio entre 2009 e 2019 “foi apenas de 2,2% na Remuneração Base Média Mensal ilíquida e de 3,8% no Ganho Médio Mensal ilíquido, ou seja, antes de sofrer os descontos”.

Passando para os ganhos líquidos, ou seja, já depois de serem feitos descontos para o IRS, ADSE, Caixa Geral de Aposentações ou Segurança Social, o cenário continua a ser negativo. De acordo com os dados recolhidos pelo economista, o Ganho Médio Mensal líquido – que inclui o subsídio de alimentação – era, em 2009, de 1231 euros. Em 2019, este valor desceu 2,8% para os 1196 euros.

Mas este é apenas o valor médio. Segundo Eugénio Rosa, algumas classes profissionais sofreram diminuições mais drásticas. É o caso do pessoal de investigação científica, que viu o seu Ganho Médio Mensal líquido baixar de 2125 euros para 1714 euros (-19,3%), dos médicos, que passaram de 2240 euros para 2080 euros (-7,2%) ou dos Técnicos Superiores de Saúde, cujos ganhos desceram de 1509 euros em 2009 para 1377 euros em 2019 (-8,8%). Na tabela divulgada pelo economista, apenas as Forças Armadas apresentaram uma variação positiva (+2,9%).

“Se se entrar em conta com o efeito corrosivo do aumento de preços verificado neste período (2009/2019) que, segundo o INE, atingiu 12%, a situação destes trabalhadores é muito mais grave”, alerta Eugénio Rosa. Isto porque “o poder de compra médio dos trabalhadores da Função Pública sofreu, entre 2009 e 2019, uma redução de 13,2%”, refere o economista.

Segundo os dados apresentados no estudo, o pessoal de investigação científica (-28%), os trabalhadores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (-19,3%), os técnicos superiores de saúde (-18,5%), os médicos (-17,1%), os técnicos de diagnóstico e terapêutica (-12%) e os enfermeiros (-10,7%) foram as classes profissionais que perderam mais poder de compra entre estes 10 anos.

“Se tivermos em conta tudo isto, junto à forte degradação dos serviços devido à falta de trabalhadores e de investimento público, causado por um governo dominado pela obsessão de reduzir o défice orçamental a zero, assim como a total submissão e ingerência na gestão dos serviços públicos do Ministério das Finanças dominado por aquela obsessão – como acontece na ADSE, que nem é financiada pelo Orçamento do Estado -, a que se junta muitas vezes a nomeação de pessoas para os cargos de direção baseados ou em critérios partidários ou por amiguismo e não com base na competência, é fácil de prever qual deverá ser a motivação atual dos trabalhadores da Função Pública ao fim de quatro anos deste Governo e depois de terem suportado os desmandos da ‘troika’ e do governo PSD/CDS. Era importante que António Costa e Mário Centeno tivessem presente que a realidade não se muda com simples palavras enganadoras”, conclui Eugénio Rosa.