A esperança como estratégia de sustentabilidade


Que ciência ou tecnologia nos poderá salvar quando nem sequer a Amazónia, um dos principais ecossistemas do planeta, é poupada à devastação predatória da ganância e da boçalidade?


Na natureza subsistem duas espécies de animais: os predadores e as presas. Os seres humanos classificam-se como super predadores, já que, segundo um estudo da revista Science, matam outros animais em taxas 14 vezes superiores à de um predador convencional. No entanto, os motivos da nossa predação ultrapassam em muito as meras necessidades de sobrevivência (alimentação e reprodução), sendo complementados ainda, com desejos subjetivos de conforto.

Para algumas pessoas, esse conforto obtém-se com hábitos simples e posses parcimoniosas; para outras, só o luxo, a ostentação e a acumulação lhes proporcionam a satisfação necessária. No entanto, ninguém dispensa uma dose mínima de conforto – o qual exige sempre o consumo de energia e a geração de poluição (uma decorrência da entropia, segunda lei da termodinâmica). Com o aumento das aspirações de conforto de sete biliões de predadores humanos, aumenta também a pressão sobre o ecossistema que fornece essas “presas” (sob a forma de recursos naturais): o planeta Terra.

Ian Hatton, cientista que estudou a relação entre presas predadores, refere que a região de Ngorongoro em África, por exemplo, tem por quilómetro quadrado cerca de 20 toneladas de presas para cada 110 quilos de predadores; ou seja, uma relação de 181 para 1. No que ao consumo de recursos planetários pelos humanos diz respeito, as relações de proporcionalidade não só estão violentamente desequilibradas para o lado dos predadores, como apresentam uma variável ainda mais preocupante: a voracidade da predação. Enquanto um leão não precisa de consumir mais gazelas do que aquelas que necessita, o apetite insaciável do ser humano por conforto não conhece restrições.

Se países como a Índia e a China (repositórios de 40% de toda a população mundial) eram, há algumas décadas, consumidores e poluidores parcimoniosos, hoje são consumistas crónicos e poluidores prolíficos. O resultado dessa ambição consumista tem consequências ambientais devastadoras porque conduz à exploração intensa e exaustiva de recursos naturais sensíveis.

Perante esta tendência imparável para degradar o ecossistema com a sobre-exploração, apenas duas hipóteses radicais poderiam alterar este rumo insustentável: 1) a abdicação da nossa propensão para a predação exaustiva, optando por um estilo de vida primitivo – o que significaria o fim das viagens de avião, automóvel e barco, eliminação das trocas comerciais à escala global, eliminação de consumos energéticos, etc., e como tal, a uma diminuição substancial daquilo a que muitos consideram “qualidade de vida”, ou então, 2) a afirmação do nosso caráter predatório e a manutenção das nossas ambições tecnológicas e consumistas mas numa base populacional muito mais reduzida (ou seja, enquanto super predadores, teríamos de existir em número muito menor do que as presas).

Como parece evidente, nenhuma das hipóteses suscitará o empenho dos cidadãos: a primeira porque exige a subtração de privilégios que estes já possuem e dos quais dificilmente abdicarão, a segunda porque envolveria questões deontológicas de controlo populacional à escala global que esbarrariam em objeções económicas, políticas e religiosas.

Ainda que autores otimistas, como Peter Diamandis ou Ray Kurzweill, defendam que o contínuo desenvolvimento tecnológico irá generalizar o progresso e a abundância sem colocar em causa o nosso atual estilo de vida, esse otimismo situa-se no campo esperançoso da fantasia ou da ficção científica. Que ciência ou tecnologia nos poderá salvar quando nem sequer a Amazónia, um dos principais ecossistemas do planeta, é poupada à devastação predatória da ganância e da boçalidade? Como facilmente qualquer líder militar pode confirmar, numa guerra, a esperança não faz parte da estratégia, mas na guerra pela sustentabilidade à escala global, parece ser essa a única que existe.

 

Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental

Escreve quinzenalmente