Cortinas de fumo


Os portugueses já estão um bocadinho cansados das crises matrimoniais do PS e do BE. É muito deselegante tratar dos assuntos de casa na praça pública. Pior ainda quando nos obrigam a todos a assistir às crises da vida real de socialistas e bloquistas.


Do ponto de vista da tática política, António Costa não é homem para deixar pontas soltas.

Com as eleições legislativas à porta, nada é descurado para maximizar o score eleitoral do PS.

Mesmo com a oposição mais mole e a paisagem mediática mais dócil com que um Governo em exercício algum dia conviveu em democracia, António Costa escalou a sua tática para outro patamar: o lançamento cuidado e planeado de cortinas de fumo.

Tudo serve para proteger o resultado de dia 6 de outubro.

A forma como o Governo geriu e planeou a greve dos motoristas de matérias perigosas foi, como está provado e aqui dei conta a semana passada, uma das maiores ações de propaganda de que há memória. Talvez o tenham percebido demasiado tarde, mas os motoristas foram carne para canhão na estratégia eleitoral de Costa.

As crianças em idade escolar, todas elas, também foram vítimas do vale tudo do Partido Socialista. O despacho do Ministério da Educação a propósito dos WC para alunos transgénero nas nossas escolas, sem que o assunto tivesse sido devidamente estudado (o Governo estima que sejam 200 crianças, ou 0,02% do total, mas também não sabe bem) e responsavelmente debatido no interesse de todos, é mais uma manobra de diversão plantada no ambiente mediático à custa daqueles que mais deveríamos proteger: as nossas crianças.

E, por último, os arrufos com o Bloco de Esquerda. Os portugueses já estão um bocadinho cansados das crises matrimoniais do PS e do BE. É muito deselegante tratar dos assuntos de casa na praça pública. Pior ainda quando nos obrigam a todos a assistir às crises da vida real de socialistas e bloquistas. Foram quatro anos disto. De encenações, de dramatizações, de ameaças de divórcio que acabaram invariavelmente em renovação de votos. Costa e Catarina Martins deram um murro no estômago aos utópicos: se a esquerda algum dia pode estar unida, é só por interesse que o consegue porque, como se prova, amor não há nenhum.

A silly season oferece-nos assim um padrão de comportamento estratégico.

Até ao dia 6 de outubro o Governo continuará a criar cortinas de fumo e manobras de diversão sempre que isso se justificar.

Isto acontece exatamente porquê?

A primeira razão tem a ver com o controlo da agenda. O Governo dita o quer discutir, quando e como o quer discutir. Pelo caminho embrulha os partidos da oposição no rolo compressor da agenda noticiosa. Coloca os adversários na posição reativa e esvazia o espaço de afirmação das suas ideias e da sua própria agenda.

A segunda razão, e esta é a mais decisiva, é que ao criar estas cortinas de fumo o Governo desvia a atenção do que é essencial e camufla as suas tremendas debilidades.

Enquanto Costa e Catarina trocam mimos, ninguém discute como é que um Governo que virou a página da austeridade impede o INEM de comprar 75 novas ambulâncias, quando parte da frota que está na primeira linha de apoio e socorro aos portugueses está profundamente degradada e operacionalmente comprometida.

Enquanto as TVs fazem diretos com ministros em bombas de gasolina, ninguém se preocupa como é que em Portugal, um país europeu e de esquerda, morrem 2600 pessoas que não aguentaram a longa espera por uma cirurgia nas listas do SNS.

Enquanto o Governo entretém o país com a defesa da ideologia de género nas escolas, os livreiros e as transportadoras ameaçam parar, já em setembro, entrega de passes e livros escolares aos alunos. Porque no “país das contas certas”, em 2019 o Estado não pagou um único cêntimo pelo custo dos seus programas bandeira. (O que não deixa de ser uma bela metáfora do socialismo que nos governa).

E ao respeitável Financial Times, o mesmo que em 2007 elogiava as políticas orçamentais de Sócrates, talvez tenha escapado que a devolução dos rendimentos foi uma fábula. Que os portugueses vivem em 2019 num clima de asfixia tributária, com uma carga fiscal máxima (a mais alta dos últimos 20 anos) para um Estado Social mínimo no apoio aos cidadãos. Que a justiça está um caos e que há classes profissionais – dos polícias aos militares – à beira da rutura. Que a dívida pública não pára de engordar e que o país, essa “esperança para a Europa”, está em queda livre na tabela das nações menos prósperas da União.

Mas nada disto se discute quando a agenda é condicionada por manobras de diversão.

As cortinas de fumo continuarão a ser lançadas até dia 6 de outubro. A propaganda está em crescendo.

Espero que os partidos da oposição não sejam ingénuos. Não se deixem levar pelos truques de quem nos governa. Ataquem o Governo nos pontos fracos, falem direto às necessidades dos portugueses comuns e deixem que a frente de esquerda se confunda nas suas próprias cortinas de fumo.

É um serviço que prestam a si mesmos, aos portugueses e à democracia.

 

P.S: desejo as maiores felicidades a Elisa Ferreira como Comissária Europeia. Tenho a certeza de que representará competentemente Portugal e os interesses da nossa União. Podemos respirar de alívio: Pedro Marques, um dos piores ministros que Portugal conheceu nas últimas décadas, não vai cumprir o seu sonho de menino. Desta, já os europeus se safaram.

 

Escreve à quarta-feira