Tate, Dalton e Booth. Quem é quem no novo filme de Tarantino

Tate, Dalton e Booth. Quem é quem no novo filme de Tarantino


Em Era Uma Vez… em Hollywood, Quentin Tarantino mistura personagens fictícias – com histórias mais do que verosímeis – com reais. Apostas de quem estará por detrás das inspirações à parte, o protagonismo é mesmo deles: Margot Robbie, Leonardo DiCaprio e Brad Pitt.


Sharon Tate – Margot Robbie O par Sharon Tate/Roman Polanski representava o pico da nata mais perfeita de Hollywood. Ela era bonita, linda, dona daqueles rostos que nunca passam de moda, completado com o corpo perfeito. Descrita como uma pessoa doce, de trato fácil, quase etérea, era uma promessa latente do grande ecrã. Ele, um cineasta já multipremiado, acabado de lançar A Semente do Diabo (1968). Apesar da promiscuidade dele, ter-se-ão verdadeiramente apaixonado (o escândalo sexual em que se declarou culpado de abusar sexualmente de uma menina de 13 anos só ocorreria na década seguinte). Em 69, estavam casados há um ano, esperavam o primeiro filho. “A Sharon adorava o Roman, estava absolutamente apaixonada. Tinham uma verdadeira história de amor”, disse a irmã da atriz, Debra, entrevistada pelo New York Times no ano passado. Nascida em 24 de janeiro de 1943, em Dallas, Sharon não tinha o sonho de ser atriz. Era modelo quando foi contratada como figurante, subiu para alguns papéis secundários até chegar ao sucesso de bilheteira O Vale das Bonecas (1967). Estava em casa com amigos no dia 9 de agosto de 1969, onde foi assassinada aos 26 anos. O seu homicídio pelas mãos da seita de Charles Manson, grávida de mais de oito meses, foi o mais chocante entre todos os que perderam a vida às mãos da mesma. Os tempos que se seguiram à sua morte – a imprensa chegou a publicar fotografias do corpo, Polanski também se deixou fotografar junto à entrada ensanguentada de Cielo Drive – impressionaram de tal forma a sociedade que, muitas vezes, o seu assassinato é comparado apenas com um outro na história americana: o de J. F. Kennedy, morto a tiro meia dúzia de anos antes. Tarantino retrata aqui os tempos que antecederam imediatamente o crime e escolheu Margot Robbie para o desafio – que, curiosamente, até tem a mesma altura de Tate, 1,68. Aos 29 anos, a australiana assume-se como uma das atrizes de primeira água de Hollywood. Depois de ver o filme e a interpretação de Robbie, Debra emocionou-se. “Fez-me chorar”.

Rick Dalton – Leonardo DiCaprio Amiúde, os outdoors de Hollywood repetiam a mesma cara – a de Rick Dalton, o galã que, na década de 50, estava no auge da sua carreira e era vedeta de uma série de westerns no pequeno ecrã, Bounty Law. A fama granjeada na década foi-se sentindo também nos anos 60, até Dalton decidir dar o salto, mas por mais que persiga uma carreira no cinema é continuamente chutado para papéis menores ou que não lhe interessam. Em 1969, ano em que Era Uma Vez… Em Hollywood foi ambientado, um sorumbático Rick Dalton – vizinho de Sharon Tate na Cielo Drive – duvida cada vez das suas capacidades como ator. A história é verosímil, mas a personagem, ficcional, foi criada por Quentin Tarantino. Acontece que o cineasta partiu de algum lado, e muitas publicações têm apontado que o personagem vivido por DiCaprio – a quem Tarantino também recorreu em Django Libertado (2012) – se baseia com mais evidência em Chuck Connors, um ator norte-americano que protagonizou a série The Rifleman. Nascido em Brooklyn, em 1921, Connors foi também jogador profissional de basquetebol e beisebol – que abandonou para se dedicar à representação após o convite de um diretor de castings da MGM. Mas não é a única suposição – há quem diga que Dalton também foi beber a Richard Boone, outro ator e produtor que protagonizou Have Gun – Will Travel. A construção não será de estranhar, uma vez que Tarantino já afirmou em diversas entrevistas que esta, que é a sua nona longa-metragem, vai buscar retalhos das suas memórias, endossadas por vários westerns de que é fã. O realizador divulgou até uma lista de dez filmes para ver antes de Era Uma Vez… Em Hollywood. Por isso, nada como ver e tirar as suas conclusões. São eles: Gunman’s Walk, de Phil Karlson (1958), Battle of The Coral Sea, de Paul Wenkos (1959), Arizona Raiders, de William Witney (1965), Hammerhead, de David Miller (1968), The Wrecking Crew, de Phil Karlson (1968), Bob & Carol & Ted & Alice, de Paul Mazursky (1969), Cactus Flower, de Gene Saks (1969), Easy Rider, de Dennis Hopper (1969), Model Shop, de Jacques Demy (1969), e Getting Straight, de Richard Rush (1970).

Cliff Booth – Brad Pitt E então Cliff Booth? Pois, Cliff Booth por si só também não existe – a personagem foi igualmente montada por Tarantino. Cliff é um poço inesgotável de positivismo. Trabalha como duplo de Dalton, de quem depende financeiramente, e é o “anónimo do filme” – Sharon Tate é uma estrela e, apesar da espiral negativa, Rick Dalton é conhecido. Apaixonado por animais, Cliff é um herói de guerra que faz recados, é motorista, confidente, e dá o ombro – e o corpo inteiro – ao grande amigo. Apesar de ser uma personagem solar, ficou estigmatizado no meio por ter causado uma tragédia que envolveu a sua mulher. E quando há problemas, faz sem problema uso dos punhos – que o diga Bruce Lee. E haverá alguém na história de Hollywood que tenha usado todos estes chapéus? A resposta é não, mas há uma personagem que viveu uma relação similar com o seu “patrão”. Chama-se Hal Needham e, segundo escrevia a Esquire, a sua vida incluiu corridas de rua que atravessaram o país ou lutas com John Wayne. Needham foi o duplo do ator Burt Reynolds e, segundo a mesma publicação, era ainda mais badass – num sentido cool – do que o personagem imaginado por Tarantino. “Era um cruzamento entre o MacGyver e o tipo do Dos Equis [referência a uma campanha publicitária de cerveja muito popular nos EUA entre 2006 e 2018, chamada The Most Interesting Man in the World] (…), que partia ossos durante o dia e se ‘alimentava’ de John Wayne à noite”. Aos 55 anos, Brad Pitt, que já tinha trabalhado com Tarantino em Sacanas Sem Lei (2009), vai certamente trazer as camisas havaianas de volta depois desta interpretação. Na vida como na tela, não deixou de elogiar a prestação de DiCaprio neste que foi o primeiro projeto em conjunto dos dois. “As cenas em que a personagem do Leo tem um colapso nervoso são incríveis”, afirmou no último festival de Cannes. A seguir, “atirou” a Tarantino e ao novo filme: “Quentin mostra mesmo o lado sombrio da natureza humana”.