A ameaça da supermaioria constitucional de esquerda


Se PSD e CDS querem travar a supermaioria da esquerda, devem ganhar coragem e inspiração nos exemplos dos líderes históricos da AD.


Parte do país político tem andado muito entretido a discutir a possibilidade de o PS ter maioria absoluta nas eleições legislativas. Considero essa discussão absolutamente irrelevante. Perniciosa até, porque esconde o essencial. E o essencial, o que está verdadeiramente em causa, é a ameaça de uma maioria qualificada para revisões constitucionais à esquerda.

As últimas sondagens mostram o bloco das esquerdas perigosamente perto dos 66,6%, ou 153 deputados, que representam dois terços do hemiciclo – o número mágico que permite rever ou alterar normas constitucionais. PS (38%), BE (11%), CDU (8%) e PAN (4%) têm essa supermaioria constitucional ao seu alcance. E não tenho qualquer dúvida de que estão alinhados nesse objetivo não confessado. As ruturas dramáticas são a continuação do teatro de sombras a que as esquerdas nos habituaram nos últimos quatro anos.

Com o poder de reescrever a Constituição nas suas mãos, a esquerda cumpriria assim a sua vocação missionária de reconstrução do país à sua imagem.

O PS consolidaria o seu projeto de domínio do Estado.

O PCP atacaria o coração da livre iniciativa individual.

O BE, na companhia do PAN, teria campo aberto para a agenda de causas fraturantes e de engenharia social.

A ameaça da supermaioria de esquerda não pode estar ausente do debate político e da campanha eleitoral. A concretizar-se, constituiria o maior rombo no já débil sistema de contrapesos parlamentar e significaria um retrocesso democrático, social e económico sem precedentes no nosso país.

Está nas mãos do PSD e do CDS evitar que tal cenário se cumpra. Com 28% das intenções de voto, o centro-direita apresenta-se debilitado aos olhos dos eleitores.

A recuperação é possível. Tenho a convicção, e não é de hoje, de que este governo está a milhas de ser imbatível. Apesar da propaganda fortíssima, os portugueses perceberam, há muito tempo, que a conversa da viragem da página da austeridade é uma farsa – isso explica que o PS não chegue aos 40% em nenhuma sondagem. Portugal tem hoje a maior carga fiscal de sempre para o nível de serviços públicos mais pobre de que há memória. O país cresce pouco numa conjuntura em que (quase) todos crescem mais do que nós. O desemprego baixou, mas está assente em salários de miséria. Comparando com os nossos parceiros, chegamos ao fim da legislatura mais pobres e mais na cauda do pelotão europeu. E o Estado, bom, o Estado deixou de estar onde e quando os portugueses precisam dele.

É uma legislatura do “quase”. Quase convergimos, quase reformámos, quase virámos a página da austeridade.

PSD e CDS têm de arrepiar caminho. Para o fazer precisam, desde logo, de olhar para dentro.

É urgente que os dois partidos parem de cometer erros. Que o verão seja bom conselheiro das estruturas dirigentes de ambos.

Tão ou mais importante do que isto, urge que o bloco de centro-direita se reencontre. Assunção Cristas e Rui Rio têm de trabalhar muito rapidamente numa via de convergência. Para que não restem dúvidas, por convergência quero mesmo dizer coligação.

Comemorámos recentemente os 40 anos do 5 de Julho, data da assinatura da Aliança Democrática, o grande movimento reformador do centro-direita.

Se PSD e CDS querem travar a supermaioria da esquerda, devem ganhar coragem e inspiração nos exemplos dos líderes históricos da AD.

As regras do jogo parlamentar já não são as mesmas. Mudaram radicalmente em 2015, com a formação da coligação das esquerdas.

Neste contexto, é cada vez menos relevante saber o peso relativo de cada partido. O que interessa verdadeiramente é a dimensão de cada um dos dois blocos políticos que se consolidaram desde a formação do atual Governo.

É isso que determina o curso da nação.

Se o bloco de centro-direita quer travar a maioria com esteroides que está ao alcance visual da esquerda – e eu tenho a convicção profunda de que nem Rui Rio nem Assunção Cristas querem que o seu nome fique ligado a essa página negra da história democrática –, então tem de ser audaz na mobilização dos portugueses e corajoso no confronto com uma esquerda radical que está impregnada em todos os setores da sociedade.

Hoje ainda não é tarde para fazer o que é preciso. Nas próximas eleições não está em causa um Governo ou uma legislatura. Corremos o sério risco de criar em Portugal um país irreconhecível para as próximas décadas.

Escreve à quarta-feira