Velho para trabalhar?  CP limita cargos até  aos 30 anos

Velho para trabalhar? CP limita cargos até aos 30 anos


Empresa pública procura trabalhadores para os cargos de operador de revisão e venda e assistente comercial, mas dá preferência a quem tenha até 30 anos. Código de Trabalho proíbe, mas permite exceções.


A Comboios de Portugal (CP) está a recrutar para os cargos de operador de revisão e venda e assistente comercial. Até aqui, tudo normal não fosse a empresa pública limitar os cargos até aos 30 anos.

Tudo isto acontece quando a empresa se vê a braços com uma enorme falta de pessoal e que levou mesmo o Governo a anunciar a admissão de mais 120 trabalhadores para a CP – 40 maquinistas, 40 revisores, 20 assistentes comerciais e outros 20 que a administração decidirá onde fazem mais falta. Mais estranho ainda será se nos lembrarmos que Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e Habitação, também revelou que para a Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário irão ser contratados 67 novos funcionários. Enquanto o processo não ficar concluído, o ministro admite mesmo recorrer a antigos funcionários que se reformaram.

Mas será o anúncio da CP para novos revisores legal? Sim e não. O código de trabalho é claro. O trabalhador ou o candidato ao emprego não pode ser “privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão nomeadamente do fator idade”, como explicou ao i o advogado especialista em Direito Laboral e sócio da PMCM Advogados, Pedro Corrêa Martins. O causídico lembra também que “o empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta”. Aliás, a discriminação dá mesmo multa.

Mas nem tudo é assim tão simples. Os empregadores poderão fazer essa discriminação se considerarem que a mesma é um “requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto proporcional, sendo permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objetivo legítimo”, explica a lei. “No que respeita à idade, a lei permite que possam ocorrer diferenças de tratamento desde que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objetivo legítimo”, afirma o advogado Hugo Martins Braz, especialista em direito laboral e sócio da Valadas Coriel & Advogados.

O i tentou perceber junto da CP qual a justificação para esta limitação nos dois cargos para os quais procuram trabalhadores, principalmente quando estão em causa funções de operador de revisão e venda – vulgo revisor – e assistente comercial, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho desta edição. Mas fonte da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (FECTRANS) ligada à CP disse ao i que, apesar de considerar que deveria haver uma abrangência maior, é normal uma vez que “a CP contrata as pessoas para lhes dar formação e depois a prática é que fiquem muitos anos na empresa”. Também a Comissão de Trabalhadores da CP não encontra problema algum neste assunto.

Não é caso único e podem existir queixas O caso da CP não é novidade mas, se há uns anos limitar a idade era prática recorrente, agora é mais difícil encontrar anúncios que o façam. Mas não é impossível. Por exemplo: Se tem mais de 40 anos, é considerado ‘velho’ para assistente comercial e se tem mais de 37 também já não serve para gestor de conta. Estes foram alguns anúncios encontrados pelo i em sites de emprego.

Como diz o Código de Trabalho, a empresa pode justificar esta limitação mas, caso o candidato se sinta discriminado, pode avançar com uma queixa. “O trabalhador ou candidato a emprego que se sinta discriminado deve indicar o ou os trabalhadores ou candidatos a emprego em relação aos quais se considera discriminado, competindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator discriminatório”, explica Sofia Monge, advogada da Carlos Pinto de Abreu e Associados. “A prática de discriminação direta ou indireta constitui contraordenação muito grave e confere ao trabalhador ou candidato a emprego o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais”, acrescenta.

A prática existe, como pudemos confirmar mas é pouco recorrente. “Nos nossos clientes, essa dimensão não é valorizada de forma isolada. Até porque muitos dos nossos candidatos são pessoas experientes, com o que isso acarreta em termos de idade”, explica Fernando Neves de Almeida, managing partner da Boyden Global Executive Search Portugal. Em relação à limitação de idades, diz que “depende das exigências da função”, uma vez que “podem existir funções que, pela exigência física ou mental possam exigir determinados níveis de energia ou vitalidade que possam ser condicionados pela idade física ou cronológica”.

Já Álvaro Fernández, diretor-geral da Michael Page, reconhece que tem havido uma redução de práticas discriminatórias nas empresas. Mas reconhece que existem. “Defendemos práticas não discriminatórias na contratação. Enquanto consultores de recrutamento especializados, fazemos questão de apresentar aos nossos clientes listas de candidatos diversificadas” e diz que os processos de contratação devem basear-se no conhecimento, experiência, formação e competências técnicas e comportamentais do candidato.

 

pouco adaptáveis A advogada especialista em direito laboral da RSN Advogados, Eduarda Almeida Costa, explica ao i que devido ao envelhecimento populacional, do aumento da esperança média de vida e do aumento das habilitações académicas “que potenciam uma entrada no mercado de trabalho de forma tardia, o ‘etarismo’ tornou-se numa prática cada vez mais recorrente, generalizada e merecedora de atenção”, diz a advogada que considera que “os mais velhos passaram a ser vistos como pouco adaptáveis, disponíveis e mais exigentes, e os mais novos como menos responsáveis, imaturos, mas ao mesmo tempo mais predispostos a trabalhar mais por menos”. Face aos estereótipos criados, “as empresas, rendidas ao seu escopo lucrativo, passam a marchar a par, colocando “preferências” no lugar de “requisitos” ou do “perfil” do candidato”.

E apesar de a limitação de idades poder ser justificada com o próprio Código de Trabalho, Eduarda Almeida Costa considera que “urge mudar mentalidades e práticas de recrutamento, de forma a constituir-se uma visão mais digna e real da juventude e da terceira idade, a reforçar-se o princípio da igualdade de tratamento no acesso a emprego e de reforço da capacidade de grupos etários distintos poderem participar da mesma forma na vida laboral ativa”.

A advogada explicou ainda ao i que cabe à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) a fiscalização preventiva e punitiva das situações que constituam violações da igualdade no acesso ao emprego. “No entanto, esta autoridade vem a revelar que grande parte das dificuldades em prevenir e controlar os eventuais casos de discriminação que surgem nos anúncios de emprego podem decorrer da ausência de queixas ou reclamações pelos eventuais afetados.