O poeta Ruy Belo chamava às esplanadas “as nossas pequenas pátrias provisórias”. Quando abanco numa qualquer esplanada ao longo da praia do Sul, na Ericeira, é exatamente isso que eu penso.
De resto, a Ericeira é um pouco a minha pátria. Vivi cá nos finais dos anos 60 (embora desde muito jovem frequentasse a praia: nesse tempo, os rapazes faziam a tropa em Mafra e, aos fins de semana, havia bailes no Grande Hotel, e eles lá vinham todos, e as nossas mães levavam-nos porque sonhavam arranjar-nos casório).
Mas, nesse tempo, ainda não havia autoestrada, e eu levava, da minha casa até ao Diário de Lisboa – onde trabalhava então – uma hora e três quartos… Mais uma hora e três quartos no regresso, claro. Quando os meus filhos chegaram à altura de irem para a escola… viemos para Lisboa.
Mas a ligação à Ericeira ficou para sempre.
E quando posso, cá estou, no meio dos meus amigos de sempre. Agora que em meia hora cá se chega.
Claro que o clima da Ericeira é, digamos, muito especial… Muitas vezes, o sol só aparece lá para a tarde, quando aparece… Por isso, o prof. José Hermano Saraiva costumava dizer “a Ericeira não tem banhistas, só tem devotos…”
Portanto, eu sou assumidamente devota.
Na Ericeira são as muitas praias – e todas tão diferentes: a praia do Sul, a do Norte, a dos Pescadores, a do Algodio, a de São Sebastião, a de Ribeira d’Ilhas e Coxos (estas mais para os surfistas, dado que são reservas mundiais de surf…), São Lourenço, Calada… é só escolher.
A Ericeira são os passeios por entre os rochedos, pelas furnas, pelo Parque de Santa Marta.
A Ericeira são as muitas procissões e festas ao longo do ano – começando logo em janeiro com a procissão de São Sebastião (a única festa de inverno e que no ano passado demorou três dias, porque o nosso jovem padre Tiago se empenhou a sério, e o padre Armindo lá consentiu…), o Festival do Ouriço (quem nunca comeu ouriços-do-mar não sabe o que perde…) em Março (a época do ouriço vai só de novembro a abril…), a Festa de São Pedro, padroeiro da vila, a 28 de Junho.
E, depois, a grande procissão de Nossa Senhora da Boa Viagem, no terceiro domingo de agosto, com a banda filarmónica e a dos bombeiros a marcharem e a tocarem pelas ruas da vila toda (parando alguns minutos, respeitosamente, nos lugares importantes, e ainda de um ou outro patrocinador…) – culminando com a imagem de Nossa Senhora a entrar pelo mar e a procissão dos barcos.
E, evidentemente, o ex-líbris da Ericeira noturna: a discoteca Ouriço… Quando eu era miúda, as nossas mães não nos deixavam nem sequer passar pela porta… Aquilo, oh meu Deus, era um antro de perdição onde se dizia que iam os jagozes [naturais da Ericeira] novos engatar as estrangeiras velhas.
Coitadas, o que elas sofreriam se viessem cá hoje… O Ouriço está sempre cheio e, embora a música só comece lá pelas duas da manhã, em frente há uma esplanada sobre o mar onde arranjamos força para a noite que nos espera.
Outra maravilha do Ouriço: a grande parede tem sempre pinturas extraordinárias: as que ilustravam a “Alice no País das Maravilhas” e “As Pessoas do Século Passado” foram das melhores. Dura um ano. Em novembro tira-se a que está –e faz-se outra nova.
E no que toca a bares… também é só escolher… Como no Ouriço se dança tarde, sempre se pode ir primeiro à Cher, no bar Neptuno. Ela chama-se Fernanda, mas todos a conhecem por Cher. E basta olhar para ela para percebermos a razão…
Quanto a comidas, come-se bem em toda a parte, mas se me quiserem encontrar é só entrar no Petiskas, no Gabriel, no Prim ou no Farol. E o melhor prego é na Tasca do Lebre.
E, claro, a Ericeira também tem um belíssimo centro cultural onde se fazem muitas exposições, conferências, etc. Quando eu era miúda, ali era o cinema. Com cadeiras forradas a veludo vermelho. Lindo. Disso tenho saudades.
E acho que já gabei suficientemente a minha pátria.