A penetra


A cena é confrangedora e qualquer um ter-se-ia enfiado no primeiro buraco que encontrasse, mas como quem sai aos seus não degenera, Ivanka, firme e hirta, não desarmou e insistiu em tentar penetrar numa conversa que, embora informal, está fora do seu alcance.


O palco era a reunião do G20, em Osaca, no Japão. Os protagonistas, líderes mundiais legitimamente eleitos ou nomeados como o Presidente francês, Emmanuel Macron, a primeira-ministra britânica, Theresa May, a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, e o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, e a penetra… Ivanka Trump.

A cena é confrangedora e qualquer um ter-se-ia enfiado no primeiro buraco que encontrasse, mas como quem sai aos seus não degenera, Ivanka, firme e hirta, não desarmou e insistiu em tentar penetrar numa conversa que, embora informal, está fora do seu alcance.

Arrogância e falta de bom senso são atributos que granjeia o clã Trump e a falta de noção do ridículo ultrapassa limites nunca antes atingidos.

A congressista de Nova Iorque, Alexandria Ocasio-Cortez, atirou com um “Pode ser chocante para alguns, mas ser filha de alguém não é realmente uma qualificação de carreira”, mas a verdade é que Ivanka é, oficialmente, conselheira especial da Casa Branca, depois de já ter sido assistente informal do Presidente. Ou seja, Ivanka pode estar onde o Presidente determinar e, pior ainda, tem acesso a informação classificada e pode falar em nome do povo norte-americano.

O vídeo divulgado pelo palácio presidencial francês só pode ter um objetivo: ridicularizar Ivanka e marcar uma posição de profunda desconsideração pela administração Trump. Numa palavra, chapeau!

Mais destas houvesse e mais exposições de ridículo fossem divulgadas, porque deve haver muitas mais.

A expressão de Lagarde é impagável. Nunca gostei tanto da clássica arrogância francesa. O desprezo forrado a indiferença com salpicos de repulsa da expressão da diretora do FMI vale, no mínimo, um óscar.

A política nos Estados Unidos atingiu níveis de invulgaridade inimagináveis, mesmo para os que achavam que, com esta administração, tudo era possível.

Trump já anunciou a sua recandidatura numa cerimónia repleta de boquinhas e tiradas populistas e narcisistas, e prepara-se para vencer mais um mandato. Muito por culpa do desnorte democrata, que tarda em definir um candidato capaz de inverter o ciclo mais negro da democracia americana.

Trump acredita, de forma autista, na sua liderança e na sua capacidade de Midas, e não há nada que faça que não seja melhor, maior e mais bem-sucedido do que qualquer outra pessoa.

E assim vamos, com protagonistas inusitados a assumirem papéis para os quais não foram eleitos nem têm credenciais a não ser a ascendência.

Permitia-me sugerir a Trump que, caso vença as próximas eleições, criasse uma reunião paralela entre os filhos dos líderes mundiais. Uma espécie de jardim- escola onde Ivanka e Trump Jr. pudessem alegremente brincar aos líderes mundiais.

Não só ficariam entretidos como se evitariam males maiores como a possibilidade de ver Ivanka à frente do Banco Mundial, como chegou a ser hipótese em janeiro deste ano, com o magnífico argumento de Trump de que “ela é boa com números”.

Ainda neste Trump family G20 sideshow, assistimos a Ivanka a reportar sobre uma reunião trilateral com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o primeiro-ministro Shinzo Abe, do Japão. E o que reportou? Uma mão cheia de nada e um cabaz de banalidades.

Por muito de entretenimento que este episódio e outros análogos possam ter, a verdade é que é triste, preocupante e cria um enorme descrédito junto da classe de líderes mundiais.

Escreve à quinta-feira