Não é só assunto desta semana. Tem sido assunto diário e, infelizmente, ao longo de vários meses: O setor da Saúde que nos falta e o SNS que falha. Os remendos aqui e as cativações ali.
Analisemos a quebra, novamente, que esta semana todo o país regista e sentirá no SNS.
Começou na passada terça-feira a greve dos médicos que se prolonga até às 00h00 de hoje, precisamente. O primeiro dia de greve foi agendado pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e este segundo pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM), que também promoveu ontem, quarta-feira, uma manifestação junto ao Ministério da Saúde. São 48 horas de manifestação da insatisfação de milhares de médicos portugueses.
Paralelamente, também desde terça-feira, os enfermeiros permanecem em greve até ao final do dia de amanhã, sexta-feira, em processo marcado pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros Portugueses (Sindepor).
O somatório destas greves, de Médicos e Enfermeiros, irá cancelar aproximadamente 1.500 cirurgias por cada um dos quatro dias. No total serão 6.000 cirurgias adiadas em Portugal.
Sobre cirurgias, especificamente, junto ainda este dado para pensarmos em conjunto: Nos últimos quatro anos, desde 2015 portanto, duplicou em Portugal o número de doentes que esperam mais tempo que o recomendado por uma cirurgia. Em 2015 eram 22.467 doentes que (des)esperavam e hoje são 45.183 doentes portugueses nessa terrível lista de espera.
Até amanhã, sexta-feira, dia 5 de julho de 2019, quem necessitar de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde só irá contar com serviços mínimos que incluem a totalidade dos serviços de urgência, cuidados intensivos e ainda a quimioterapia e algumas cirurgias de grau de urgência.
São prejuízos imensos para muitas famílias do nosso país mas são legitimas as reivindicações.
E o que reivindicam Médicos e Enfermeiros?
Primeiro, e em suma, reivindicam ambas as classes lutar contra a degradação do SNS e uma melhoria das suas condições de Trabalho.
Começando pelos Médicos, constatamos que, numa ótica mais funcional, apelam ao Governo que todos os portugueses tenham um médico de família, que haja uma redução da lista de utentes por cada médico e ainda pretendem que passe de 18 para 12 o número de horas do tempo de serviço de urgência. Numa ótica mais laboral, os médicos pretendem poder voltar a optar por dedicação em exclusividade ao SNS, negociar com o Primeiro-ministro as grelhas salariais e, entre tantas outras reivindicações, uma melhoria dos incentivos para fixar clínicos em zonas carenciadas.
Quanto aos Enfermeiros, que têm travado uma dura batalha negocial ao longo dos últimos meses, há um apelo desde o descongelamento das progressões de carreira até 35 anos de serviço e igualmente cifrar em 57 anos de idade o teto máximo para acesso à reforma. Apelam ainda para que o Governo português inclua medidas compensatórias do desgaste da profissão. Entre várias reivindicações que são públicas e que li, pedem os enfermeiros o pagamento do suplemento remuneratório a todos os seus especialistas e que sejam equiparados os vínculos de trabalho.
Deixei assim uma súmula da globalidade das reivindicações de médicos e enfermeiros num Estado da Arte da sua visão de como estão no e para o SNS.
Perante todo este conjunto de reivindicações, de um olhar preocupado do país que vê maternidades fechadas no sul do país, urgências sem senhas no norte e especialidades completamente órfãs no centro de Portugal, o Governo tem remado na retórica de um aumento dos profissionais de saúde, num aumento da despesa em saúde e na melhoria (onde?) da prestação de cuidados de saúde. É este o discurso segundo a Ministra Marta Temido e o Ministro Mário Centeno que para o país dividem a meias pasta do Ministério da Saúde.
Os profissionais de saúde reconheceram esta semana publicamente esse aumento em termos absolutos, eu também o reconheço e é matematicamente visível, mas isso reproduz-se na prática em trabalho? Não. Não e todos nós, portugueses, o temos visto dia após dia em várias aberturas de noticiário, capas de jornais, letras gordas e colunas de manifestas tristes notícias para a Saúde de todos nós.
Rebatendo ainda o discurso do Governo mas, sobretudo, sendo honesto, hoje há menos médicos a trabalhar em exclusividade para o SNS (recordando que esse modelo terminou em 2009) e há um critério fundamental que politicamente nunca dá jeito: A Priâmide etária invertida. Hoje temos factualmente a população mais envelhecida e por isso tem o SNS sobrecarga e mais necessidade de cuidados hospitalares.
Naturalmente, e não precisaríamos dessa informação de qualquer Bastonário, também o corpo médico é composto por profissionais de saúde envelhecidos em que muitos deles já nem fazem sequer urgência, uma opção que têm a partir dos 55 anos.
Será que este conjunto de factos não é mais importante que os números absolutos que o Ministério da Saúde apregoou? Claro que sim, é. Para o «politiquês» de arrumar a espuma dos dias, sim, serve falar que cresceu-se 9% em números absolutos de profissionais… como acabámos de ver, não é verdade.
Isto é tão difícil de se dizer ao país? É impossível hoje encarar os problemas de frente? O país agradecia mais sinceridade.
Saibamos ainda, por igualdade de critério, que também a Ordem dos Enfermeiros fala na mesma falta de recursos humanos e, indo de encontro ao que referi, argumentam que não existem enfermeiros suficientes para cumprir as necessidades da passagem das 40 para as 35 horas de trabalho semanais.
O SNS está com uma quebra evidente e real em várias especialidades. Faltam especialistas em Portugal e há um défice de recursos humanos quase transversal a todas as especialidades clínicas. Que o desminta quem quiser mentir.
Financiamento na Saúde e a atividade do SNS. São mais dois pontos que demonstram o porquê da minha preocupação.
Desde o início de 2018 foram feitos reforços de capital de mais de 1.500 milhões de euros para pagamento de dívidas (que aumentaram neste Governo…). Na sexta-feira da passada semana, o Governo anunciou um reforço extraordinário de 152 milhões de euros, num total de 445 milhões previstos para este ano. Porém, a Comissão Europeia demonstra este mês de julho que o total da despesa em saúde em Portugal tem descido e cifra-se em 9% do PIB ao passo que a média europeia é de 10%. Per Capita ou “por necessidade” o nosso país demonstra até diariamente que precisa de bem mais que a média até…
Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, podemos ver que entre final de 2015 e final de 2018 foram feitas mais 589 mil consultas médicas nos centros de saúde, mais 184 mil consultas nos hospitais e cerca de mais 18 mil cirurgias.
Ok, até é aparentemente bom, dirão. Certo, concordo! Contudo, o desempenho do SNS tem mostrado problemas nas listas de espera e no cumprimento dos tempos máximos de resposta considerados clinicamente aceitáveis. Vejamos: 20% das cirurgias de doença oncológica, em 2018, foram feitas além dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG), que são os tempos de espera clinicamente aceitáveis. Vejamos ainda que: Segundo dados do regulador da Saúde, no total das cirurgias programadas, os Hospitais apresentaram taxas de incumprimento dos tempos de espera de 18,5%.
Para culminar a desconfiança sobre a confiança de Mário Centeno sobre as melhorias no SNS, dito a semana passada publicamente, ainda temos 39% das primeiras consultas de especialidade hospitalares feitas além dos tempos máximos definidos.
É mau. Sejam de direita, esquerda ou ideologicamente defensores de causas apenas.
Agarrando precisamente na entrevista do “Ministro-sombra” da Saúde, Mário Centeno, disse para além de “temos um SNS melhor que em 2015” que hoje há mais 11 mil profissionais de Saúde (o INE diz que são 10 mil…) e ainda referiu que a despesa aumentou em 25% por esforço deste Governo.
Pensemos seriamente nestes factos.
A redução de 40 horas semanais para as “famosas” 35 horas acrescentou muito ao peso da despesa com o SNS. É facto. É lógico e ninguém pode ousar discutir isto.
Vejamos então que em 2015, em regime de 40 horas semanais, tínhamos no SNS cerca de 119 mil funcionários. Em 2019, com as 35 horas semanais já em vigor – e digo, para mim, que foi um erro colossal deste Governo -, fazendo o rácio normal de adaptação ao período de compensação horária, deveríamos ter cerca de 140 mil funcionários no SNS… temos 130 mil.
Se esta falha de recursos humanos é a resposta na quebra de muitos serviços, especialidades e do SNS como um todo? Não, não é.
Poderiam os gestores e administradores hospitalares fazer mais com menos recursos. Mas não é o caso, globalmente falando.
Não contesto, e até acho útil, o acrescento dito do aumento em 25% na despesa em Saúde. Muito bem. Mas e as reposições salariais? Contou com esse dado o governante Mário Centeno? Não. Claro que não! Há mais dinheiro nos Hospitais, certo, mas isto tem um destino que não é em funcionários que são contratados…
É e foi uma declaração política agradável para os ouvidos portugueses e populista q.b., sim, mas irreal e desajustado a qualquer solução de estabilidade do setor da Saúde e do nosso SNS.
É este “falar fácil” sobre Saúde que se tem, por vezes, como Mário Centeno a semana passada ou Marta Temido todos os dias, que afasta a realidade da verdade. Que afasta o SNS do caminho certo. Que afasta a qualidade na Saúde de todos os portugueses. Que nos coloca em permanente Greve. Greve na esperança que devemos ter para um melhor futuro do SNS que devemos conservar todos os dias.