O sistema elétrico em Portugal: do desastre à catástrofe


Por pressão da troika, e por se aperceberem da gravidade desta situação, os três secretários de Estado da Energia entre 2011 e 2018 abstiveram-se de conceder mais FIT a novos produtores elétricos intermitentes.


Quando concedeu, entre 2005 e 2011, o benefício das feed-in tariffs (FIT) a 6000 MW de potências intermitentes, o Governo Sócrates criou um desastre no sistema elétrico português que esteve, nomeadamente, na origem duma brutal escalada dos preços da eletricidade em Portugal, para além de ter provocado a famosa “dívida tarifária”, que ainda hoje atinge os 3800 milhões de euros!

Duma forma simplificada, as FIT são um instrumento jurídico-contratual que o Estado utilizou para garantir que os produtores elétricos intermitentes, eólicos e solares, têm o direito de vender a “sua” eletricidade sempre que ela está disponível (isto é, quando sopra o vento e/ou faz sol…), afastando para isso todos os outros produtores elétricos que estão em “regime de mercado”, mesmo que estes estejam nesse momento a vender a um preço muito mais baixo do que aquele que o Governo garantiu nas FIT.

E esses produtores felizardos têm ainda a garantia adicional de que, mesmo que não haja nesse momento consumidores em Portugal, vão mesmo assim receber o “seu” dinheirinho…

O leitor perguntará: quem paga tamanha generosidade ?

Pois, são exatamente todos os consumidores portugueses que têm, por decreto, de pagar. O que estão a fazer em abundância desde o Governo Sócrates e, mesmo assim, ainda continuam a ter a seu cargo os 3800 milhões de euros da “dívida tarifária” que continua a persistir!

Esta “monstruosa generosidade ‘decretina’” tem, além disso, outras gravíssimas consequências tecnológicas.

Como o vento e o sol são intermitentes, isto é, às vezes há e a seguir deixa de haver, para que o fornecimento de eletricidade seja estável e se evitem os “apagões”, o sistema elétrico tem de dispor de centrais térmicas que estejam prontas a fornecer eletricidade sempre que o vento e o sol não sejam suficientes para satisfazer os consumos.

Mas, para que possam suprir a qualquer momento as brutais variações das produções eólicas e solares, estas centrais têm de queimar, de forma totalmente ineficiente, quantidades enormes de combustível durante os períodos de sucessivas paragens e subsequentes rearranques.

E quando, nas horas de vazio, que são todas as noites e mais todas as 24 horas dos dias de sábado, domingo e dias feriados, estas centrais ficam sem clientes, porque os “titulares” das FIT lhos “roubaram”, mas não têm tempo para parar e voltar a arrancar para poderem satisfazer os clientes que depois voltam nas horas de ponta, então preferem continuar a funcionar mesmo queimando carvão e gás natural nesse período intercalar. Ou seja, lançam inutilmente na atmosfera milhares e milhares de toneladas de CO2 a fim de se ajustarem aos “caprichos” das potências intermitentes!

E foi este o desastre causado por 6000 MW de FIT concedidos a potências intermitentes, quando o consumo em vazio é apenas de 3900 MW.

Devido ao qual os consumidores portugueses pagam das eletricidades mais caras da Europa, nomeadamente as micro e pequenas empresas de bens transacionáveis, o que muito prejudica a respetiva competitividade na arena internacional.

Por pressão da troika, e por se aperceberem da gravidade desta situação, os três secretários de Estado da Energia entre 2011 e 2018 abstiveram-se de conceder mais FIT a novos produtores elétricos intermitentes, tendo sido mesmo repetidamente anunciado pelo Governo de António Costa que “todos os novos produtores eólicos e fotovoltaicos iriam produzir eletricidade apenas em regime de mercado”.

Mas agora, após o secretário de Estado Seguro Sanches ter sido demitido, o Governo decidiu atribuir mais FIT a 1500 MW de potências solares intermitentes, além de permitir mais 600 MW de potências eólicas também com FIT.

Ou seja, vamos passar a ter FIT concedidas a um total de 8100 MW de potências intermitentes quando o consumo em vazio permanece nos 3900 MW!

E, agora, a cláusula 13.a do caderno de encargos do leilão em curso para atribuir FIT a estes 1500 MW da potência solar adicional afirma que os respetivos “titulares têm o direito de vender eletricidade até ao limite da capacidade de injeção na rede que lhe estiver reservada, contra o recebimento do preço por MWh adjudicado”.

Abençoado negócio! Não é preciso ter clientes para que a venda esteja assegurada!

E tudo isto ao mesmo tempo que o reforço das interligações elétricas entre a França e a Península Ibérica, decidido na Cimeira de Lisboa com o Presidente Macron em 27 de julho de 2018, parece adiado indefinidamente.

Ou seja, o sistema elétrico em Portugal vai deixar de ser um desastre para se tornar uma catástrofe…

Para acabar com estas desgraças, o leitor pode assinar a petição http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=voto-cidadania.

 

Professor catedrático do Instituto Superior Técnico