NATO: o ódio de estimação dos inimigos da liberdade


Se há um símbolo de unidade transatlântica, esse símbolo é a NATO. Uma respeitável e vigorosa senhora septuagenária a quem, de tempos a tempos, escrevem o obituário.


2019 é rico em efemérides que dizem muito aos cidadãos que estimam a liberdade e a democracia. Passaram 75 anos sobre o desembarque das tropas aliadas na Normandia, a batalha mais decisiva para a sobrevivência dos valores civilizacionais do Ocidente. A NATO, a mais bem-sucedida aliança militar da História, de que Portugal é membro fundador, fez 70 anos em abril. Há 30 anos, em Berlim, caía o Muro da Vergonha. E a oriente, num mês de junho como este, a Praça de Tiananmen erguia-se contra a repressão do regime.

A convocatória de todos estes acontecimentos em 2019 lembra que a liberdade tem um preço. Que a luta política entre o bem e o mal, dignidade e opressão, esperança e medo, é intemporal. E que não é com omissão, nem com protesto em forma de demissão cívica, que se ganham os combates do nosso tempo. Só a exigência da cidadania, só o impulso moral inscrito nos corações dos homens é capaz de levar de vencida a tirania, qualquer que seja a sua versão ideológica.

2019 também lembra que há um espaço que, apesar das suas muitas diferenças, está unido pelo Atlântico em questões fundamentais como a cultura política, o primado da lei ou a segurança coletiva.

A maioria destas datas, senão todas elas, passaram à margem do debate político nacional, teimosamente mergulhado na espuma dos dias. Um país que não tem memória é um país que não tem futuro. E um país que não dá valor à liberdade não se dará conta de a perder.

Felizmente, há na academia e na sociedade civil portuguesa quem continue a escapar ao vórtice da tática política.

Até hoje, e desde a passada segunda-feira, é feito o check-up à grande aliança transatlântica no maior encontro de ciência política do país, no Estoril. Criado por João Carlos Espada, o Estoril Political Forum é uma organização do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica e tem-se assumido como referência académica nos dois lados do Atlântico.

Se há um símbolo de unidade transatlântica, esse símbolo é a NATO. Uma respeitável e vigorosa senhora septuagenária a quem, de tempos a tempos, escrevem o obituário.

É bem verdade que a NATO tem problemas. A administração americana é como é e as lideranças europeias não são como deviam ser.

Mas, pergunto, desde quando é que a NATO não teve problemas? Desde quando é que não teve diferenças de opinião entre os seus membros? Desde quando é que não teve desigualdade na partilha do fardo de segurança?

Não olhar para os problemas da NATO impede-nos certamente de ir mais longe no aprofundamento, adaptação e modernização da aliança perante o novo ambiente estratégico do séc. xxi. Mas só olhar para os problemas, desviando-nos dos seus méritos, é um engodo que, ao invés de reforçar a NATO, apenas serve o propósito dos seus inimigos.

Vamos centrar o debate no que interessa: a NATO é um sucesso. Um grande sucesso. Há tempos, um think tank americano estudou as alianças militares dos últimos cinco séculos. Descobriu 63 grandes alianças, das quais apenas dez sobreviveram mais de 40 anos. Só uma chegou aos 70: a nossa Aliança Atlântica.

Porquê? Porque a NATO cumpre.

Tal como a União Europeia, a NATO foi criada para que os europeus não se matassem uns aos outros. E apesar de todos os problemas da Aliança Atlântica, nos últimos 70 anos, os europeus viveram em paz.

Para além de salvar os europeus de si mesmos, a NATO também nasceu para proteger a Europa da ameaça comunista. E apesar de todos os seus problemas, sete dos oito países do antigo Pacto de Varsóvia são hoje membros da Aliança Atlântica – e o oitavo, a URSS, deixou de existir.

Apesar dos seus problemas, a NATO levou a luta contra o terrorismo aos campos do Afeganistão e protege o comércio internacional da pirataria nas águas da Somália.

Apesar dos seus problemas, a Aliança Atlântica continua a ser a melhor garantia de defesa de todos os países europeus contra as ambições da Rússia, uma das melhores respostas contra as correntes migratórias a sul e um garante da unidade europeia.

Vivemos num tempo que pede mais, e não menos, Aliança Atlântica.

Mas, lá está, o ar do tempo sugere-nos o contrário. Estamos a fazer um enorme favor aos inimigos da liberdade quando aceitamos esse discurso. Tal como estamos a conceder a iniciativa aos adversários da democracia e a normalizar os desvios antidemocráticos quando ignoramos os 70 anos da NATO ou os 30 anos da queda do Muro de Berlim.

As coisas são como são: só às autocracias interessa o guião de rutura da NATO.

São as forças iliberais que mais carregam na crise da aliança precisamente porque a NATO tem sido o maior tampão às suas ambições totalitárias nos últimos 70 anos.

Como os leitores sabem, sou um social-democrata convicto e um atlantista comprometido. E sou um cidadão consciente de que também é à NATO que devo a minha liberdade – porque não me esqueço que, em 1974, os bastões e as armas eram instrumentos de “diálogo democrático” do Partido Comunista.

Quatro anos depois, continuo a ver com preocupação e perplexidade que, pela primeira vez na sua história em liberdade, Portugal, uma nação de vocação e identidade atlântica, tenha na esfera do poder grupos de extrema-esquerda ostensivamente inimigos da NATO.

A política externa portuguesa é um edifício sólido. Não é particularmente condescendente com ruturas.

Isso não significa, porém, que as forças atlantistas não estejam atentas e vigilantes. O Atlântico é um espaço de comércio, de afinidades culturais, do primado da lei. E sim, é um espaço de democracia e de liberdade.

Se hoje vivemos nesse espaço, devemo-lo não só a instituições como a NATO e a União Europeia, mas também ao sacrifício de milhares de homens e mulheres de uniforme que gravaram o artigo 5.o para a posteridade: “Um por todos, todos por um”.

Por eles, por nós, por todos, é tempo de as forças atlantistas saírem das trincheiras e ocuparem o espaço público e político, defendendo sem reservas a magnífica história de sucesso da nossa Aliança Atlântica.

 

Escreve à quarta-feira