O Museu Berardo completa hoje 12 anos, numa altura em que o seu acervo, por força do processo de dívida de Joe Berardo à banca, tem estado sob os holofotes. E tempos conturbados pedem aparente contenção nas comemorações. Se, no ano passado, a efeméride dos 11 anos do Museu (celebrados entre os dias de 24 e 25 de junho, que calharam a um fim de semana) a entrada foi gratuita – até esse ano, não se pagava bilhete para ter acesso à coleção –, este ano os visitantes terão de pagar os costumeiros cinco euros para entrar. O Museu vai oferecer no dia de hoje, contudo, o livro lançado aquando a exposição Amália, Coração Independente, patente entre 5 de outubro de 2009 e 31 de janeiro de 2010. O catálogo, que “reúne um conjunto de textos e um vasto número de imagens que permitem reavaliar a vida e a obra de Amália Rodrigues – o maior ícone da cultura portuguesa do século XX”, diz o museu em nota oficial, conta com textos de António Guerreiro, Rui Afonso Santos, Rui Vieira Nery, entre outros, fotografias de nomes como Grandela Aires, José Tudela ou Augusto Cabrita e ainda a contribuição de artistas como Leonel Moura, Francesco Vezzoli ou Joana Vasconcelos.
Aberta ao público a 6 de outubro de 2009, precisamente no dia em que tinham passado dez anos da morte da fadista, Amália, Coração Independente foi uma das exposições de maior sucesso do Museu Coleção Berardo, tendo recebido, no total, 105.485 visitantes.
Ao longo do dia de hoje, o Museu vai ainda disponibilizar visitas gratuitas guiadas pelos dois percursos expositivos da Coleção Berardo. O primeiro abarca o período de 1900 a 1960, enquanto o segundo vai desde essa data até à atualidade, Ao todo, serão cinco visitas (10h30; 11h30; 14:30; 15:30; 17:00), cada uma com duração de uma hora, diz ao i fonte oficial do museu.
Francis Bacon, Salvador Dalí, Marcel Duchamp, Roy Lichtenstein, René Magritte, Joan Miró, Piet Mondrian, Amedeo Modigliani, Mark Rothko e Andy Warhol são apenas alguns dos pesos pesados de uma das – senão a mais – notável coleção de arte do século XX em solo português, sobre a qual paira agora um gigante ponto de interrogação.
É certo que a coleção está agora numa encruzilhada, mas também é verdade que este é apenas mais um capítulo nesta história.
De 2006 a 2022, o ano D O contrato de comodato de dez anos que resultou na implantação do Museu nas instalações do CCB foi celebrado entre o Estado e a Fundação a 3 de abril de 2006 – o Museu abriu portas no dia 25 de junho do ano seguinte. À data, Joe Berardo cedeu 862 obras da sua coleção pessoal – avaliadas em 316 milhões de euros pela Christie’s –, para a criação do espaço, mas o acordo inicial previa que tanto o Governo como a Fundação teriam de disponibilizar meio milhão de euros por ano para a aquisição de novas obras. Ambas as partes cumpriram este ponto nos primeiro dois anos, e foram assim adquiridas outras 214 peças de artistas portugueses e estrangeiros, lembrava o i em 2016. “O Governo desistiu de fazer aquisições e o colecionador também deixou de o fazer, porque esta era uma coleção para ser construída a dois”, dizia então Pedro Lapa, diretor artístico do museu.
Estávamos no processo de renovação do protocolo entre o Estado e Joe Berardo. As negociações foram difíceis: começaram antes do verão de 2016 e terminaram em novembro desse ano. Do acordo, a faceta mais imediata para o público foi o fim das entradas gratuitas. Depois de uma década de ‘borlas’, a partir de janeiro de 2017 o custo de entrada fixou-se nos cinco euros.
Esta era uma batalha antiga do Estado. Ainda em 2011, um relatório da Inspeção Geral de Finanças à Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo tinha revelado que, só em 2008, o “custo por visitante, financiado por subsídios públicos diretos, foi de 9,16 euros”. Desde o início que a Fundação tinha batido o pé pelo acesso gratuito à coleção, sendo esta “uma forma de materializar a vontade de partilha e acessibilidade que está na origem da criação do Museu de Arte Moderna e Contemporânea”, dizia a instituição em 2007. Mas os custos inerentes a esta visão – só entre 2007 e 2009 o Estado contribuiu com 27 milhões de euros para o Museu – foram um dos tópicos quentes revistos pela adenda de 2016.
Segundo a dita revisão, a coleção vai continuar a ter no CCB a sua casa até 2022 – a partir daí, o contrato será renovado automaticamente todos os anos desde que não seja denunciado por nenhuma das partes.
Houve ainda outro ponto revisto no dito documento, que, à luz do processo de dívida, estará certamente agora a ser alvo de especial escrutínio. A Fundação é obrigada a dar ao Estado o direito de compra da Coleção Berardo, mas só há duas entidades que poderão determinar o valor da coleção e fixar o preço: as leiloeiras Christie’s (que tinha avaliado a coleção em 2006 em 316 milhões de euros, antes de terem sido adquiridas mais de duas centenas de peças) e a Sotheby’s. Só que, segundo o protocolo assinado, a Fundação pode discordar do valor fixado pela leiloeira e, assim, rejeitar o negócio. Já se for o Estado a não concordar com o preço, perderá a primazia da opção de compra.
Isto se chegarmos até lá, visto que a coleção está na mira da CGD, BCP e Novo Banco, que consideram poder penhorar as obras de arte como parte dos quase mil milhões de euros de dívida do empresário.
Visitas a crescer Com todas estas incógnitas no horizonte, certo é que as visitas ao Museu têm crescido, à semelhança do verificado noutros espaços museológicos do país. Desde que abriu portas, o Museu Coleção Berardo já recebeu cerca de 9 milhões de visitas (8.893.818, precisou ao i o museu) nas “103 exposições que apresentou, das quais 100 temporárias e três permanentes”.
E a programação continua a pensar-se no presente. A partir de 4 de julho, o museu prepara-se para receber Trash – Lixo de Artista, uma exposição do artista português Victor Pires Vieira que “apresenta uma visão abrangente da intervenção artística e propõe uma prática interdisciplinar aberta à escultura, à instalação e à performatividade”. Para o ano, celebrar-se-ão os 13 anos. Número de sorte ou azar? Para quê ou para quem?