Libra. As promessas e os riscos da moeda do futuro

Libra. As promessas e os riscos da moeda do futuro


O Facebook anunciou a sua moeda digital, a Libra, para permitir aos mais de dois mil milhões de utilizadores da plataforma fazer compras e transferências. Contudo, há receios quanto à utilização dos dados financeiros recolhidos pelo Facebook.


Depois de, ao longo de meses, dar sinais de que ia entrar no mercado das criptomoedas, o Facebook finalmente anunciou, esta terça-feira, uma nova moeda digital – a Libra. O objetivo declarado é permitir que os 2,38 mil milhões de utilizadores da plataforma – muitos deles sem acesso a serviços financeiros – façam transferências de um modo fácil e rápido para todo o mundo, bem como facilitar as compras online. Se tudo correr como previsto, a nova moeda estará em uso a partir de 2020, através do Facebook, do Whatsapp, ou de uma aplicação própria.

“Acredito que deveria ser tão fácil enviar dinheiro a alguém como é enviar uma foto”, disse o presidente executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, meses antes da Libra ser lançada. Contudo, vários analistas alertam que a iniciativa poderá dar acesso a uma quantidade enorme de dados financeiros de utilizadores, num momento em que o Facebook está sob crescente escrutínio, devido a alegada má utilização de dados. Aliás, a empresa enfrenta a possibilidade de ser multada em mais de 4 mil milhões de euros pela Comissão Federal de Comércio dos EUA, por entregar dados pessoais à Cambrige Analytica, que os terá usado para influenciar o sentido de voto de eleitores, tanto no referendo do Brexit como na eleição de Donald Trump.

O responsável do projeto Calibra – a divisão do Facebook encarregue das aplicações para a Libra -, David Marcus, assegura que “a missão da Libra é ser uma moeda simples, global, e uma infraestrutura financeira que empodere milhares de milhões de pessoas”. No entanto, há muito que se receia a entrada do gigante tecnológico no setor financeiro, como explicitou a comissão de banca, habitação e assuntos urbanos do senado dos EUA, numa carta dirigida a Zuckerberg. “É importante perceber como grandes plataformas sociais disponibilizam dados que podem ter grandes implicações para as vidas financeiras dos consumidores”, acautelou a comissão, que pediu clarificações sobre o modo como as redes sociais “utilizam dados financeiros para visar e fazer o perfil de consumidores”. Os críticos da Libra dificilmente ficarão mais tranquilos pelo facto de a nova moeda ser gerida pela Libra Association – cujos 28 membros fundadores incluem gigantes como a Mastercard e a Uber.

Entretanto, o Facebook assegurou que não quis lançar sozinho a nova moeda porque esta seria para o “bem público”. Mas é de notar que cada um dos elementos da Libra Association teve de investir quase 9 milhões de euros na iniciativa, como foi o caso da Farfetch, uma empresa portuguesa de moda de de luxo. Questionado sobre as críticas ao projeto, o CEO da Farfetch, José Neves, lembrou ao i que “a Libra Association é uma associação independente, com estatutos próprios”. Neves assegurou em comunicado que a Libra vai “eliminar atritos das operações e-comerce globais”, notando o potencial das criptomoedas para “beneficiar a indústria do luxo ao melhorar a proteção de IP e a transparência no ciclo de vida dos produtos”.

Criptomoeda? Tem sido questionada a utilização do termo criptomoeda para descrever a nova divisa do Facebook. As criptomoedas surgiram com o propósito de ser um meio de troca descentralizado, em que os próprios mineiros verificam a validade de cada transação, sem necessidade de intermediários, através do chamado blockchain (ver caixa “a nova febre do ouro”). “[A Libra] não tem nada a ver com blockchain. Completamente privada, controlada, centralizada, verificada e autorizada apenas por um pequeno número de nós. O que é que isso tem a ver com criptomoeda ou blockchain? Nada”, disse ao site CoinDesk o reputado economista Nouriel Roubini – conhecido por prever a crise financeira de 2007. De facto, inicialmente, o mecanismo de blockchain da Libra será fechado, e controlado apenas por um número reduzido de pessoas. Mas o Facebook já garantiu que partes do mecanismo terão como base software de fonte aberta, para permitir transparência e verificação por terceiros.

Seja como for, o projeto Libra poderá ter como efeito secundário o aumento do interesse nas criptomoedas, que são apontadas como a moeda do futuro há mais de uma década, mas representaram menos de 0,1% de todas as transações financeiras em 2018. “É difícil adquirir moeda virtual para pessoas que não são tecnologicamente proficientes. E quando uma pessoa quer pagar, pode ser difícil executar o pagamento”, explicou à CBS Cathy Barrera, fundadora da consultora Prysm Group. Além de tornar o processo mais fácil, a Libra pode dar maior confiança aos utilizadores. Como indica uma sondagem da LendEdu, que apurou que apenas 7% dos inquiridos tinham investido em criptomoeda, mas que 14% estariam interessados em fazê-lo, caso houvesse uma moeda apoiada pelo Facebook.