Não é desta que os Censos vão incluir uma pergunta sobre a origem dos cidadãos. A decisão foi anunciada esta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística, após uma reunião com o Conselho Superior de Estatística (CSE). O objetivo da questão era caracterizar a discriminação e a desigualdade em Portugal com base na origem étnico racial. A decisão tomada pelo INE foi contrária à recomendação de um Grupo de Trabalho criado pelo Governo, em agosto de 2018, para avaliar a inclusão da pergunta.
Mamadou Ba, presidente do SOS Racismo e membro dessa mesma comissão, disse ao i estar “perplexo e indignado” com o entendimento do INE. “Continuamos a adiar o combate ao racismo em Portugal. É uma oportunidade perdida para a sociedade. Estávamos à espera que o Estado finalmente fosse assumir responsabilidades na luta eficaz contra o racismo”, lamentou.
O INE considerou que esta informação “sensível e complexa” não era possível de ser apurada com a “qualidade desejada” e que poderia representar um “risco para a realização da operação censitária num todo”, pode ler-se no parecer divulgado pelo organismo. Em causa estão os Censos de 2021, que estão neste momento em fase de inquéritos-teste e terão um inquérito piloto em 2020.
Mamadou Ba acusa o instituto de ser “contraditório”: dois membros do INE integraram o grupo de trabalho e nunca invocaram problemas técnicos. “O INE teve a oportunidade de contra-argumentar a proposta e não o fez. Se não havia na altura constrangimentos, como é que podem haver agora? É estranho.”
Francisco Lima, presidente do INE, anunciou que o instituto iria mobilizar recursos para realizar um inquérito piloto sobre o assunto, reconhecendo “a necessidade de haver dados sobre a discriminação e desigualdade na sociedade portuguesa”. Para o líder do SOS Racismo, um inquérito não é suficiente. “A realização desse inquérito é também uma das recomendações do grupo de trabalho. Mas, que ninguém se engane, esse inquérito não chega. Essa recolha de dados não substitui a força e a abrangência do Censos”, sublinha o ativista.
Sem se comprometer com datas, Francisco Lima também explicou que este projeto piloto irá contar com o apoio do CSE e de entidades públicas, de instituições académicas a organizações que lidam com a temática da discriminação. “O objetivo é perceber quais são as necessidades para se obter esta informação de uma forma fidedigna”, assegurou.
Mamadou Ba tem esperança que o Governo esteja disponível para reformular o grupo de trabalho e que aproveite a disponibilidade apresentada no parecer do INE para “compreender quais são os melhores mecanismos para tratar desta questão”. E renova a expectativa: “Talvez na próxima geração de Censos tenhamos a pergunta incluída.” Para já, acredita que o desfecho “prova que não estamos preparados para nos olharmos ao espelho e percebemos que somos uma sociedade diversa”.
78% dos portuguesas concordam com inclusão da questão Desde a criação do grupo de trabalho que a inclusão de uma pergunta que pretendia determinar quem é branco, negro, cigano ou asiático em Portugal, passando a poder-se analisar indicadores socioeconómicas em função das origens dos cidadãos, era um tema polémico. A dúvida era se os dados recolhidos iriam ajudar ao combate do racismo ou se, por outro lado, iriam contribuir para o reforço do mesmo, promovendo a segregação social.
O Presidente da República assumiu que a ideia era boa, mas concordou com a posição tomada pelo INE. “Acho que foi uma decisão sensata, porque se gerou um debate que não fazia sentido”, disse esta terça-feira em resposta à comunicação social. A maioria dos portugueses não concorda com Marcelo. Segundo uma sondagem da Universidade Católica, 78% da população portuguesa é a favor de uma pergunta de resposta facultativa sobre etnia nos Censos, 84% estaria disposto a responder à mesma e 90% dos inquiridos considera que há discriminação no país. Este tipo de informação já é recolhida noutros países, como nos Estados Unidos, Reino Unido ou Irlanda.